Reprodução assistida

Gametas, útero e embriões não podem ser vendidos

Autor

  • Sandra Franco

    é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

27 de junho de 2012, 15h41

Todo cidadão tem direito à procriação. Conforme previsto na Constituição Federal, não importa a raça, o credo, nem a classe social: o problema é que nem todos conseguem conceber filhos de forma natural. Muitos homens e mulheres possuem problemas de fertilidade e precisam do auxílio da ciência médica. E desta forma surge outro direito também garantido pela Constituição: o direito à saúde. 

A questão da saúde reprodutiva está disposta na Constituição Federal, especificamente no artigo 226, parágrafo 7º. Igualmente, prevê o Código Civil, em seu artigo 1565, parágrafo 2º: “O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”. Também se dedica à normatização do planejamento familiar a Lei 9.263, de 1996. Nesse sentido, a reprodução humana assistida é lícita e deve ser entendida pelo Estado e pela sociedade como exercício de dois direitos fundamentais: saúde e planejamento familiar. 

Apesar de a Constituição defender a formação da família e, portanto, a reprodução, a medicina chegou tão longe e se tornou tão poderosa, que foi preciso impor determinadas regras para suas práticas. Ainda que o planejamento familiar seja um direito de todos os brasileiros, não se trata de um direito absoluto. Para exercê-lo, faz-se necessário observar limites éticos, legais e econômicos existentes. 

Uma das regras básicas que envolvem a reprodução humana assistida diz respeito ao consentimento para fazer um tratamento. Ninguém pode ser forçado a realizar um procedimento médico contra a própria vontade, no caso específico de tratamentos visando à fertilidade. Para poderem concordar com o tratamento de fertilização in vitro, os envolvidos devem ser devidamente instruídos sobre o procedimento que vai ser feito. Estando de acordo, mais uma norma deverá ser observada: a não comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa ou tratamento. A garantia está na Constituição e foi adotada pelo CFM, para que não haja contrapartida pecuniária na doação de gametas, embriões e cessão temporária do útero. 

Além de não envolver dinheiro, a doação de gametas e embriões celebra o anonimato entre quem dá e quem recebe este material genético. Tal condição, a do anonimato, inexiste quando, ao invés de gametas e embriões, a cessão seja de útero, por razões óbvias — os pais desejarão acompanhar a gestação de seu filho. Mesmo fazendo fertilização in vitro muitos casais não conseguem ter filhos porque o embrião não se desenvolve dentro do organismo da progenitora. Neste caso, recorre-se a outra pessoa do sexo feminino, que aceite o embrião do casal, por inseminação artificial, e leve a gestação adiante até o nascimento do bebê. 

Outro item polêmico que envolve a reprodução humana assistida é o congelamento ou criopreservação de gametas e embriões. Embora não especificamente, o congelamento de gametas está na Constituição brasileira, pois diz respeito ao direito à vida. Assim como a doação, o congelamento deve ser feito com o consentimento de quem disponibiliza o material genético, o qual irá estabelecer como e em que condições esse material poderá ser utilizado. 

No Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 280 mil casais apresentam problemas de infertilidade. Na verdade, muitos cidadãos brasileiros estão impedidos de utilizarem os recursos da Medicina em razão dos custos, já que o tratamento da fertilização in vitro em clínicas particulares, por exemplo, pode custar entre R$ 20 mil e R$ 50 mil, por tentativa. O Ministério da Saúde, em 2005, instituiu a Política de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, por meio da Portaria 426/GM. No entanto, essa iniciativa foi suspensa para análise de impactos financeiros e até hoje não foi implementada. 

Recentemente, o Sistema Único de Saúde começou a estudar a possibilidade de, a partir de 2013, oferecer o tratamento para todos os casais interessados, como já ocorre em outros países. Hoje o SUS oferece alguns procedimentos de reprodução humana assistida. A maioria exames preparatórios para tratamentos mais complexos como a própria fertilização. 

Nos grandes centros urbanos, já existem centros médicos que oferecem tratamentos para infertilidade, inclusive a fertilização in vitro, mesmo que não sejam totalmente gratuitos. 

Evidente que se quer, em se tratando de um sistema de saúde universal, que todos, sem exceção, tenham acesso a todos os tratamentos disponibilizados na medicina. Mas, há muito que se discutir sobre as prioridades da saúde pública, e, possivelmente, a portaria de 2005 ainda ficará à espera para ser plenamente contemplada, ainda que tenha saído da gaveta.

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  • é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

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