Juros no pé

STJ considera legal cobrança de juros durante as obras

Autor

  • Mauro Antônio Rocha

    é advogado especialista em Direito Imobiliário Urbanístico Tributário Comercial Societário e do Consumidor e pós-graduando em Direito Registral e Notarial (IBEST) e Direito Urbanístico (PUC-MG). É coordenador jurídico de Contratos Habitacionais da Caixa Econômica Federal e editor do site Cartilha do FGTS.

25 de junho de 2012, 14h01

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reverteu decisão da 4ª Turma, que havia identificado abuso contratual nos chamados "juros no pé" de caráter compensatório, cobrados pela incorporadora antes da entrega das chaves do imóvel em construção. Por maioria de seis a três, manteve a jurisprudência tradicional da corte, pela legalidade da cobrança.

Argumentos estranhos

A decisão da 4ª Turma, contrária à cobrança, pois "não haveria empréstimo de capital pela construtora ao comprador, nem uso do imóvel por este, o que tornaria a previsão contratual descabida", reiterava entendimento moderno, pelo abuso da cobrança. Sua reversão pela 2ª Turma implica em retrocesso e está fundamentada em estranhos argumentos.

Por primeiro, por apropriar-se de maneira arrevesada do princípio consumerista de que "não existe venda a prazo com preço de venda à vista". Aqui não se cuida da entrega do bem, para sua utilização imediata pelo comprador mediante pagamento parcelado do preço, mas, sim, do compromisso de vender para entrega futura e de comprar mediante pagamento total ou parcialmente antecipado.

Por segundo, o ministro relator afirmou que "a comercialização de imóvel na planta facilita o acesso à moradia e, em regra, constitui excelente investimento para o comprador, que adquire o bem com valor bastante inferior ao preço do imóvel pronto", o que juridicamente não significa nada e demonstra o absoluto desconhecimento do ministro sobre a atualidade de preços no mercado imobiliário brasileiro.

Em outro argumento sem qualquer significado jurídico destacado pela Coordenadoria de Imprensa do STJ, o relator afirma que "enquanto o comprador tem a obrigação de pagar o preço ajustado, o incorporador assume toda a responsabilidade pela conclusão do empreendimento: aquisição do terreno, concepção do projeto de edificação, aprovação dos documentos junto aos órgãos competentes, efetuação dos registros no cartório, construção da obra (ou sua supervisão) e venda das unidades, diretamente ou por meio de terceiros".

Ademais, o ministro relator confunde "alhos com bugalhos" ao afirmar que a quitação da compra do imóvel em produção deveria ser feita à vista. Se o incorporador oferece prazo adicional para o comprador pagar, mediante parcelamento do preço, é um favorecimento financeiro ofertado, sendo que "em tal hipótese, em decorrência dessa convergência de interesses, o incorporador estará antecipando os recursos que são de responsabilidade do adquirente, destinados a assegurar o regular andamento do empreendimento. Afigura-se, nessa situação, legítima a cobrança de juros compensatórios".

Com todo o respeito, na incorporação imobiliária a responsabilidade pelo regular andamento do empreendimento é do incorporador e não do adquirente. Ademais, cabe exclusivamente ao incorporador orçar o preço final do bem vendido e ofertá-lo ao preço real, isto é, pelo valor do bem no momento de sua disposição ao comprador, sob pena de, aí sim, responder pela divulgação de propaganda enganosa.

Custo de produção do bem ou serviço

O ministro considerou ainda que seria injusto com aquele que paga o preço à vista que o optante pela compra parcelada pagasse exatamente o mesmo preço, sem nenhum acréscimo.

Ora, paga à vista quem quer e quem tem recursos para o pagamento imediato, tem meios de pressão suficientes para negociar e reduzir o preço final.

Ao final, disse o ministro que “ninguém duvida que esses juros compensatórios, relativos ao período anterior à entrega das chaves, se não puderem ser convencionados no contrato, serão incluídos no preço final da obra e suportados pelo adquirente, sendo dosados, porém, de acordo com a boa ou má intenção do incorporador”, e que “se os juros compensatórios estiverem previstos no compromisso de compra e venda, o incorporador estará assumindo que não os incluiu no custo final da obra. Isso traz maior transparência ao contrato, abrindo inclusive a possibilidade de o Judiciário corrigir eventuais abusos”.

É evidente que os juros compensatórios serão incluídos no preço final da obra e suportados pelo adquirente e a isso se denomina contabilmente de custo de produção do bem ou serviço, cuja apuração deve ser de responsabilidade exclusiva do incorporador/produtor.

Mercado

Demais disso, a transparência contratual decorre é da oferta do produto por seu valor efetivo, com seu custo total e final corretamente aferido pelo vendedor.

O comprador saberá interpretar o preço, identificar o bom negócio e não precisará recorrer ao "Judiciário para corrigir eventuais abusos". É a isto que se denomina mercado.

A decisão da 2ª Turma representa um enorme retrocesso e desequilibra novamente os contratos em prejuízo dos consumidores. Não é necessário formação em matemática ou economia para "sacar" que a cobrança desses juros compensatórios deveria resultar (ou coincidir) em redução proporcional dos preços dos imóveis, uma vez que as incorporadoras já incluíram os efeitos financeiros da impossibilidade de sua exigência como custo de produção, de forma que sua imposição — agora liberada — duplicará esses efeitos para os adquirentes.

Votaram a favor da legalidade da cobrança os ministros Antonio Carlos Ferreira, Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Raul Araújo e Massami Uyeda, e foram vencidos Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi.

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    é advogado especialista em Direito Imobiliário, Urbanístico, Tributário, Comercial, Societário e do Consumidor e pós-graduando em Direito Registral e Notarial (IBEST) e Direito Urbanístico (PUC-MG). É Coordenador Jurídico de Contratos Habitacionais da Caixa Econômica Federal e editor do site Cartilha do FGTS.

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