Encenação de quinta

O impeachment paraguaio e as regras da democracia

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25 de junho de 2012, 19h04

No noticiário das 18h do último dia 22, um convidado do telejornal afirmava repetidamente que a destituição do presidente paraguaio era democrática por ter sido realizada no bojo de um “processo” de impeachment. A âncora, a despeito do estranhamento, num ato mais de esperança do que de crença, entonava pela preservação da democracia.

O presidente Fernando Lugo acabava de ser retirado do cargo num procedimento de pouco mais de 24 horas, incluindo aí o ato de posse do vice-presidente, Frederico Franco. Nesse espaço de tempo é difícil conseguir uma decisão liminar judicial e fazê-la cumprir.

Não é preciso muito para emitir um juízo sobre o fato: o que assistimos não é democracia. O impeachment sequer pode ser considerado um processo, uma vez que o termo, juridicamente, requer a observância do exercício efetivo do contraditório. Processo é um procedimento realizado à luz do contraditório e da ideia de ampla defesa.

Noutro giro, a tomar um conceito de democracia pouco exigente, Norberto Bobbio a define como o respeito às regras do jogo. Nessas regras estão incluídos os direitos fundamentais, cujo rol traz o direito individual ao devido processo legal, a assegurar o contraditório, o direito à prova, tempo hábil para formulação de defesa, dentro outros direitos igualmente inarredáveis. Se as regras não são observadas, não se pode falar em Estado de Direito.

A supor aceitável qualquer que fosse a decisão política do senado paraguaio, a forma adotada é juridicamente intolerável. O processo político-democrático não admite decisões liminares desse tipo.

Em nenhuma hipótese um processo de impeachment presidencial tem como ser tão breve. O episódio choca. Vimos um simulacro, uma encenação de quinta categoria rodada às pressas. Se tratados internacionais exigem a preservação do regime democrático, o Paraguai não satisfaz o requisito. Entre os dias 21 e 22 de junho, o país esteve longe de observar as regras da democracia.

O Brasil e os demais países do continente hão de ser contundentes e intransigentes na construção de uma cultura política latino-americana democrática. Hoje ali, amanhã lá, e logo estaremos a ver a hipocrisia prosperar como verdade naturalizada em defesa da deposição de presidentes sul-americanos. Tão importante quanto assegurar uma democracia substantiva do ponto de vista da racionalidade das decisões políticas e jurídicas, é fazer valer os procedimentos que legitimam as tomadas de decisão. Nisso, mais ou menos, consiste a ideia de processo democrático.

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