População bem informada

O Poder Judiciário e a imprensa devem se aproximar

Autor

  • Frederico Ricardo de Almeida Neves

    é desembargador presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Pernambuco e mestre em Ciências jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa.

25 de junho de 2012, 13h50

O Estado Democrático de Direito tem na liberdade de imprensa uma das suas maiores garantias. Não se olvide, no entanto, que a sobrevivência da democracia exige, também, o desenvolvimento de mecanismos de defesa contra erros ou abusos que os meios de comunicação eventualmente venham a cometer. Se bem se vir, o problema em causa desdobra-se em duas temáticas distintas: (i) Se, por um lado, em plena era da informação, a mídia constitui um elemento essencial na construção da imagem pública de pessoas e instituições, (ii) por outro lado, em boa verdade, mostram-se particularmente gravosos, para além de frequentes, os desvios cometidos pela comunicação social, designadamente no que se refere às notícias veiculadas sobre as atividades inerentes ao Poder Judiciário.

O impacto que os meios de comunicação de massa — jornal, rádio e televisão — produzem no seio da sociedade, e a credibilidade de que desfrutam agravam de modo significativo as lesões provocadas por equívocos ou excessos cometidos na veiculação das notícias. Isso acontece, bem se percebe, porque a quase generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a televisão comunicam, sendo, demais disso, muito pouco eficazes os desmentidos posteriormente publicados.

Por isso, na atualidade, a atenção para com a comunicação é uma questão de sobrevivência para todas as instituições. Em qualquer que seja a área de atuação, o sucesso só é possível por meio da adoção de estratégias eficientes, que levem a instituição a ser vista — e bem-vista — pela sociedade. No Judiciário, a necessidade afigura-se emergente, quando o objetivo é construir uma imagem de imparcialidade, probidade, justiça e cumprimento do dever social.

A título de exemplo, chamo a intervir o artigo intitulado “O Mau Juiz”, publicado recentemente pela revista Época, com o qual a articulista Ruty de Aquino critica decisão unânime da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que aplicou a juiz da capital, por assédio moral, a pena disciplinar máxima de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais. A jornalista, naquela oportunidade, declarou não entender como um magistrado punido disciplinarmente com aposentadoria compulsória pode continuar a receber, “de pijama”, vitaliciamente, uma aposentadoria no valor de R$ 15 mil. Mais: O Programa “Bom dia Brasil”, da Rede Globo de Televisão, também comentou a mesma decisão da Corte pernambucana, considerando um privilégio, e não uma punição, a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, sendo certo que, em ambas as reportagens, sobrelevou, o que é mais grave, a indesmentível intenção de inculcar no espírito dos leitores e telespectadores, a partir de uma leitura simplista do fato noticiado, a idéia de que o Judiciário é um Poder marcado por privilégios e corporativismo.

Deixaram os meios de comunicação de esclarecer à população que, no âmbito da responsabilidade administrativa, a maior pena disciplinar prevista legalmente é a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, exatamente aquela que foi aplicada pela Corte Especial do TJ-PE, sendo imperioso notar que ao Judiciário cabe aplicar a lei, e a mudança da norma é providência afeiçoada a outro Poder da República (o Legislativo), em homenagem ao princípio da independência dos poderes. Furtaram-se de informar à sociedade, ainda, que, segundo as leis vigentes no país, para além da punição administrativo-disciplinar, o magistrado pode também vir a ser responsabilizado penalmente, desde que o Ministério Público entenda por oferecer denúncia e que o juiz seja condenado, em processo criminal, no qual lhe seja assegurado o direito de defesa, tal qual ocorre com todo e qualquer cidadão. Também não há qualquer notícia quanto à possibilidade de o magistrado responder igualmente na órbita civil pelos mesmos fatos. Finalmente, olvidaram de alertar o povo de que, tendo contribuído mensalmente para a aposentadoria, durante certo lapso temporal, o juiz, ainda que punido disciplinarmente, adquiriu o direito ao recebimento dos vencimentos proporcionais, considerado o período de efetiva contribuição, isso de harmonia com o caráter contributivo da previdência social.

Prevenindo eventuais dúvidas quanto à essência do que aqui se expõe, vale a pena não descurar uma explicação: Não me anima o propósito de defender juízes que não se mostram comprometidos com a ética e a moralidade. Mas, bem ao contrário, almeja-se que a sociedade seja mais bem informada, para que o Poder Judiciário não venha a cair em descrédito no conceito dos cidadãos.

 O fato noticiado é apenas um exemplo, dentre muitos que a mídia nos oferece. Observe-se o que foi dito no site Brasil On Line, em matéria sobre a demora na resolução de processo judicial no município de Ribeirão Preto (SP): “… os juízes ainda avaliam as pessoas pelo que elas têm e pelo que representam, e não pelo que são. Os magistrados evitam se debruçar sobre casos em que os envolvidos estão à margem do poder econômico”.

Ora, aqueles que integram o Poder Judiciário bem sabem que, a despeito da existência de uns poucos magistrados descomprometidos, a imensa maioria dos juízes, desembargadores e ministros brasileiros trabalha infatigavelmente, inclusive nos dias dedicados ao lazer e à família, com firmeza de caráter, compromisso ético e moral, equilíbrio de temperamento, bom-senso, imparcialidade e austeridade, numa luta incessante para vencer a demanda, que cresce em proporções geométricas.

Não se trata, pois, de exercitar a defesa de magistrados, mas da necessidade de se preservar a imagem da instituição, ainda considerada, na visão de Renato Nalini, o epíteto de reserva moral da Nação.

Uma última nota importa aditar: É dever do Poder Judiciário prestar contas à sociedade acerca da sua atuação, e isso somente é possível fazer dialogando com a população, através dos meios de comunicação. Não há mais espaço para um Judiciário que não se comunique. Tentar implantar a semente de uma atitude reflexiva sobre este importante assunto, em ordem a suscitar um diálogo sério e continuado, no seio da sociedade, com a participação de magistrados e jornalistas, nisto consiste a essência destas breves linhas, traçadas na convicção de que, entre o Poder Judiciário e a Mídia, há que se estimular uma maior e necessária aproximação, para que a população seja adequadamente informada sobre temas relevantes.

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