Comédia de erros

Denunciar juiz ao CNJ não gera crime contra a honra

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25 de junho de 2012, 19h41

Uma comédia de erros. Assim o desembargador José Guilherme de Souza, da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, classificou Habeas Corpus que chegou a sua mesa sem, segundo ele, justificativa aparente. Embora tenha julgado o pedido procedente, o desembargador afirmou que o caso lhe trouxe um sentimento de “perplexidade”.

“O primeiro ponto a destacar, porque causa aguda espécie e acendrada perplexidade, é a circunstância de que se trata de uma seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais impetrando uma ordem de HC em favor de uma advogada militante naquele estado-membro”, afirmou. A Ordem questionou ato de juiz de Brasília, que acatou denúncia por suposto crime de ação privada cometido contra magistrado também de Minas Gerais.

“Por que um juiz e uma advogada mineiros viriam, em última análise, a litigar no foro de Brasília (…) se, além de ambos laborarem na terra de Tiradentes, Dona Beja e Tancredo Neves, o próprio ‘fato delituoso’ em si teria lá tido lugar?”, questionou Guilherme de Souza, para, em seguida, admitir que ainda espera uma resposta.

O caso teve início quando uma advogada encaminhou denúncia à atual corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, na qual questionava as condutas de juiz que, a seu ver, constituiriam irregularidades funcionais e abuso de poder. O juiz, por sua vez, entendeu que a reclamação não poderia ser feita e, por meio do Ministério Público de Brasília, iniciou procedimentos que vieram a culminar com uma Ação Penal contra a advogada por injúria e difamação. O juiz alegou, por exemplo, que a paciente “atirava farpas contra a sua honra, objetivando denegrir a sua imagem”.

“Se isso fosse crime, todo cidadão brasileiro que reclamasse contra um mau proceder de juiz estaria inevitavelmente condenado a comparecer às barras dos tribunais e, daí, à prisão!”, exclamou o desembargador Guilherme de Souza. “Retornaríamos aos tempos de João Sem Terra e aos abusos do despotismo absolutista, do poder sem limites que não conhece leis, salvo aquelas que ele próprio engendra”.

A OAB-MG, então representada pelo advogado João Antonio Cunha Nunes, entrou com HC contra ato do 2º Juizado Especial Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, que recebeu a denúncia contra a advogada. A ordem veio acompanhada de pedido de liminar, sob a alegação de falta de justa causa para a Ação Penal, configurando constrangimento ilegal por parte da autoridade.

“Reclamar ao Conselho Nacional de Justiça (…) ou a qualquer órgão de controle interno ou externo do proceder funcional dos juízes, não é e não pode constituir crime. É direito constitucional do cidadão”, afirmou Guilherme de Souza. “Nesse descortino, aliás, nesse desalentador panorama, em que a paciente, e sua respectiva impetrante, bateram a várias portas do Judiciário sem merecerem o devido, necessário e respeitoso atendimento, concluo que a autoridade coatora cometeu ato de cerceamento da liberdade (…) ao receber a denúncia tal como formulada.”

Assim, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal decidiu conceder HC em favor da advogada e trancar a Ação Penal por falta de justa causa. O relator, por fim, ainda lembrou declaração do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, que, quando integrou a Suprema Corte, alertou que "homens não são anjos e, portanto, juízes também não são".

Habeas Corpus 2012 00 2 009174-4.

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