Segunda Leitura

Limites de atuação do presidente na gestão do tribunal

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de junho de 2012, 8h00

Spacca
Os temas de administração da Justiça ainda são pouco discutidos e estudados. Salvo uma ou outra Universidade (v.g., FGV-Rio e PUC-PR), os cursos de mestrado ignoram as políticas que envolvem o Judiciário e a sua gestão. No entanto, elas são essenciais a uma Justiça eficiente, que de resto é dever do Estado (CF, art. 5º, inc. LXXVIII e 37).

Entre os múltiplos aspectos relacionados com a administração da Justiça, um há que, possivelmente, nunca foi discutido: quais os limites entre as atividades do juiz nas funções administrativas (v.g., presidente do Tribunal ou diretor do Foro) e as dos servidores encarregados da administração (v.g., diretor-geral do Tribunal).

Quem se dispuser a procurar na legislação, pouco ou nada encontrará. Na Justiça Federal são omissas a antiga Lei 5.010/66 e a Lei 7.727/89, que dispôs sobre a instalação dos TRFs. A Justiça do Trabalho não tem lei orgânica própria e as que criam os tribunais silenciam a respeito (v.g., Lei 8.219/91, que criou o TRT da 19ª. Região, Alagoas). Na Justiça Estadual a situação não é diferente (v.g., Lei 85/2005, que trata da Organização Judiciária de Minas Gerais).

Na busca de resposta, vai-se aos Regimentos Internos dos Tribunais. Não é algo tão simples. A dificuldade começa por localizá-los nos sites. Não os encontrei — e é possível que eu tenha sido inábil — nos sites dos TJs de Goiás e Rio de Janeiro. Às vezes encontra-se o regimento, mas ele não dispõe sobre tais competências (v.g., R.I. do TJ de Pernambuco, Resolução 84/96).

Ao contrário, bem fácil é encontrar o R.I. do TRF da 4ª Região e nele localizar as atividades do presidente (art. 23, incisos XLI). Idem no R.I. do TJ de Mato Grosso do Sul, que é dos mais minuciosos (art. 166). Da mesma forma o do TRT da 1ª Região (RJ), que expõe, com clareza, as atribuições do presidente (art. 25).

Com certeza, em muitos tribunais as atribuições do presidente e as do diretor-geral ou secretário estão em resoluções editadas fora do R.I. Nada há de errado nisto. Porém, dificulta a pesquisa e o conhecimento por parte de terceiros.

Mas, afinal, qual o papel do presidente de um tribunal? E do diretor do Foro? E dos demais magistrados administradores (v.g., diretor da Escola da Magistratura)?

A meu ver o magistrado, nas funções de administrador, deve ser um condutor da política institucional do órgão ou da unidade administrativa que representa.

Assim sendo, nada mais lógico e natural do que um presidente de Tribunal de Justiça representar o Poder Judiciário junto aos outros Poderes de Estado, acompanhar o orçamento de seu tribunal, nomear e promover os seus juízes. Estas e outras são funções indelegáveis e o presidente deve dedicar-se a elas com empenho.

Mas, por outro lado, não faz o menor sentido assumir o presidente (ou o diretor do Foro) funções típicas de gestão ordinária. Darei um exemplo. Certa feita um presidente do TRF-4 telefonou-me para perguntar se eu aceitava determinada vaga na garage. Agradeci a atenção, mas pensei comigo: não tem cabimento um presidente perder tempo com este tipo de preocupação.

Já sei que alguns dirão: mas estas pequenas coisas podem criar um problema sério no relacionamento. Pode ser. Mas nem por isso se deve ceder e amoldar-se aos caprichos de espíritos menos desenvolvidos. O presidente deve deixar bem claro, logo ao início de sua administração, que dedicará seu tempo a questões de interesse público e não privado.

Se o presidente fraquejar, poderão ocorrer situações de flagrante prejuízo à sociedade. Darei um exemplo. Uma ocasião, visitando o Foro Federal de uma grande cidade, notei que as varas não seguiam a ordem numérica. Assim, a 1ª Vara estava no 5º andar, a 2ª Vara no 14º e a 8ª Vara no 1º. Aquela anárquica divisão ocorreu porque se deu a cada juiz a oportunidade de escolha. Não se pensou nas partes (muitas vezes pessoas de pouca cultura) e seus advogados, que tinham dificultada a possibilidade de localizar o local que procuravam. Péssimo exemplo de administração.

Bem, se assim é, fácil é ver que as questões de administração pura devem ser deixadas ao administrador judicial, ou seja, o secretário, diretor-geral ou o nome que se lhe atribua. No R.I. do TRF-4 o artigo 432, parágrafo único, dá ao diretor-geral o poder de coordenar e dirigir as atividades administrativas de acordo com a orientação do presidente e as deliberações do Tribunal Pleno. A frase é simples, mas diz tudo.

O presidente ou as decisões do Tribunal Pleno (ou Órgão Especial) dão as linhas mestras. O gestor não se afastará delas. E deliberará sobre tudo o que represente agilidade nos serviços, bom atendimento à população, diminuição de gastos, preservação do meio ambiente e hipóteses assemelhadas.

Não há razão para que o presidente se preocupe com tudo, podendo ser atribuição do secretário: a) distribuição de feitos ao Conselho Superior da Magistratura ou de administração; b) velar pelo cumprimento das exigências fiscais no tribunal; c) fazer publicar os dados estatísticos relativos aos trabalhos mensais dos órgãos judicantes do tribunal; d) firmar contratos e atos de outra natureza pertinentes à administração do tribunal, cujo valor seja inferior a 20 salários-mínimos; e) constituir comissões processantes para a instrução dos procedimentos administrativos e decidir casos de pena disciplinar de advertência; f) regulamentar o uso de veículos pertencentes ao tribunal, exceto os utilizados pelos desembargadores; g) decidir sobre a substituição de funcionários em férias ou licença, movimentação do pessoal das secretarias administrativas do tribunal; h) modernizar as atividades administrativas da Corte, por exemplo, abolindo por completo a utilização de papel para uso em procedimentos administrativos.

Em suma, o presidente — e os demais magistrados administradores, em menor escala — são os maestros que regem a complexa atividade de administrar a Justiça. Mas aos servidores da cúpula administrativa cabe lidar com as questões de mera gestão, pois para isto se preparam e adquirem experiência.

Evidentemente, isto pode gerar melindres em um ou outro desembargador que tenha uma visão antiquada do que é a administração judiciária. Porém isto pode ser superado de forma simples. Basta o Regimento Interno estabelecer que o secretário será indicado pelo presidente e aprovado pelo Plenário ou Órgão Especial, por maioria absoluta. Isto lhe dará legitimidade.

E para terminar, registra-se que seria oportuna a troca do nome do cargo de direção, secretário ou diretor, para administrador judicial, muito mais próximo da ideia de uma administração ágil e moderna.

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