Individual vs coletivo

Teste de drogas em motorista é direito da sociedade

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24 de junho de 2012, 6h56

Em 30 de abril, houve a publicação da Lei 12.619/2012, a qual dispõe sobre o “exercício da profissão de motorista”, no sentido de “regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional”. Entre várias questões interessantes, o dispositivo legal para o qual se pretende chamar a atenção é a novo artigo 235-B da Consolidação das Leis do Trabalho — cuja alteração ocorreu pela lei acima mencionada —, onde constam os “deveres do motorista profissional”. Entre os deveres estabelecidos para tais trabalhadores, o novo dispositivo legal estabeleceu que se trata de uma obrigação a sua submissão “a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado” (CLT, artigo 235-B, inciso VII), sendo que “a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica previstos no inciso VII serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei” (CLT, artigo 235-B, parágrafo único).

Cabe destacar que a questão relativa à submissão do motorista a testes para a detecção de drogas e álcool já foi abordada diversas vezes, tanto no plano doutrinário como jurisprudencial, mas sempre de forma controvertida, visto que se mostra capaz de colocar em confronto o direito à intimidade privada do trabalhador motorista, de um lado, e, de outro lado, o dever do empregador de zelar e vigiar a saúde dos trabalhadores, até mesmo para evitar a responsabilidade futura, não apenas com relação ao seu empregado, mas também terceiros indiretamente envolvidos na relação de emprego.

A questão relativa aos testes de drogas e álcool com trabalhadores, entretanto, sempre foi disciplinada por meio de regulamentos empresariais, o que era fonte de controvérsia quanto à sua validade, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, o que seguramente era capaz de gerar a insegurança jurídica para os envolvidos. A disciplina legal da matéria, ainda que limitada apenas aos trabalhadores motoristas profissionais — não obstante seja possível a sua extensão a outras categorias, salvo melhor juízo —, de certa forma, contribuirá para a diminuição dos embates em torno do tema. Ao menos, é o que se espera!

Neste contexto, não há como negar que o abuso da utilização de “drogas lícitas” — álcool e tabaco, por exemplo — ou o simples uso de “drogas ilícitas” — cocaína, maconha, entre outras — no contexto das relações sociais, por si só, podem ser consideradas como atitudes condenáveis. A questão, entretanto, ganha relevo quando se trata da ocorrência desta prática no contexto da relação laboral, durante a execução de um contrato de trabalho, tendo em conta as diversas consequências que podem advir dos atos praticados pelo empregado, visto que a sua atitude pode trazer diversos efeitos negativos não apenas para si ou mesmo para o seu empregador, mas pode colocar em risco a vida de várias outras pessoas, as quais não possuem qualquer vinculação direta com a relação de emprego.

É importante destacar que a Organização Internacional do Trabalho já reconheceu que diversos problemas podem ser relacionados à utilização de álcool ou outras drogas no âmbito do contrato de trabalho, sendo que tais problemas podem custar muito dinheiro à economia de forma geral, além de compor situações que podem trazer questões relacionadas à saúde do trabalhador, o bem-estar e a segurança, bem como a produtividade no âmbito da empresa e, ainda, a eventual responsabilidade civil do empregador. É precisamente por razões como estas acima apresentadas é que o ambiente de trabalho, por uma pluralidade de motivos, pode perfeitamente ser considerado como um campo adequado para a “formulação e implementação de programas e políticas dirigidas ao álcool e a outras drogas”.

Pode-se dizer que não há dúvidas de que empregados que abusam da utilização de álcool e drogas podem ser a fonte de diversos prejuízos, não apenas no contexto laboral, mas também em seu próprio âmbito familiar. Diante disso, considera-se de fundamental importância a instituição de programas empresariais que tenham por finalidade a “prevenção” ao consumo excessivo de álcool e drogas pelo trabalhador, ainda que isso não ocorra exatamente durante a execução do contrato, porque mais cedo ou mais tarde, isso poderá ocorrer e trazer consigo todas as indesejáveis consequências.

Exatamente por conta das razões acima mencionadas é que os empregadores — visando, sobretudo, o impacto econômico que a questão pode lhes trazer —, por meio de normas internas das empresas, passaram a instituir a realização de testes destinados a averiguar o consumo de álcool e drogas pelos trabalhadores. A partir daí é que a embriaguez passou a ser considerada como um grande problema no ambiente de trabalho, e, de uma forma ou de outra, passou a ser combatida pelos empregadores. Neste sentido, cabe destacar que, ao contrário do que se imagina, a “embriaguez” não decorre exclusivamente da utilização de bebidas alcoólicas, mas também pela utilização de efeitos entorpecentes. Percebe-se, portanto, que ao contrário de uma concepção já ultrapassada para a atual realidade, a “embriaguez” não mais se refere apenas à ingestão excessiva de álcool, mas também à utilização de outras drogas capazes de gerar o estado “estupefaciente” do consumidor ou usuário. É importante assinalar, também, que como um “fato social”, a “embriaguez” pode se fazer presente no contexto da relação laboral e surtir diversos efeitos para as pessoas envolvidas direta ou indiretamente nesta espécie de relação jurídica.

Pode-se dizer que existem diversas pessoas interessadas em saber sobre a condição de “sobriedade” do trabalhador, e, de forma especial, o trabalhador motorista, tais como: (a) os colegas de trabalho; (b) o sindicato profissional; (c) os clientes ou usuários dos serviços da empresa; (d) as companhias seguradoras; (e) as empresas fornecedoras de mão-de-obra; (f) o Estado; e (g) o empregador. Por esta razão, há de se reconhecer que o objeto de proteção já não mais se limita apenas à segurança do próprio trabalhador, mas também a preservação da integridade e proteção dos seus colegas de trabalho e clientes da empresa, já que o seu estado de saúde pode, em determinadas situações, causar riscos à segurança de diversas outras pessoas. Precisamente em razão das motivações mencionadas, sobretudo o risco de imputação de responsabilidade objetiva pelos danos causados por empregados seus, é que o empregador buscou estabelecer uma forma de “fiscalizar” ou “verificar” as condições do trabalhador — especialmente quanto à sua “sobriedade” — no momento em que se apresenta para cumprir o seu contrato de trabalho, ou seja, no instante de início da sua jornada ordinária de trabalho.

Lembrando que a abordagem do tema se relaciona ao trabalhador motorista — sobretudo em decorrência da nova disposição contida na Lei 12.619, de 30 de abril de 2012 —, cabe destacar que, precisamente pelas preocupações e riscos anteriormente mencionados, o empregador sempre tentou, de uma forma ou de outra, controlar ou fiscalizar o trabalhador. Por conta desta situação, a título de exemplo, levando-se em conta a experiência cotidiana no exercício da magistratura, sempre se percebeu que o empregador instituiu a realização de testes de álcool por meio de normas internas ou regulamentos da empresa. Aliás, em muitas ocasiões, sequer havia qualquer menção a tais testes em regulamentos empresariais e a sua realização era feita por conta de “norma costumeira” no ambiente laboral, com a justificativa de que, por conta das características especiais do trabalho — como, por exemplo, os motoristas de transportes públicos — deveria haver a realização diária de testes quanto à ingestão de bebida alcoólica, tal como ocorre com o famigerado “teste do bafômetro”. Ocorre, entretanto, que a partir de 30 de abril de 2012, por meio da nova disposição contida na Consolidação das Leis do Trabalho, o trabalhador motorista passou a ser obrigado a submeter-se a testes e programas de controle de uso de drogas e de bebida alcoólica (CLT, artigo 235-B, inciso VII).


Chegando neste ponto, porém, surgem alguns questionamentos sobre a possibilidade de submissão do trabalhador motorista aos testes para a detecção de drogas ou ingestão de álcool durante a execução do contrato de trabalho. Seria lícita a utilização de tais testes no contexto da relação laboral? Pode o empregador avançar sobre questão relacionada à intimidade do trabalhador? A realização de testes ou exames poderia configurar uma vulneração aos direitos fundamentais do trabalhador? É possível, de alguma maneira, a realização de testes para a detecção do consumo de drogas ou ingestão de álcool sem que ocorra uma ofensa aos direitos fundamentais da pessoa-trabalhadora? Cabe dizer, porém, que longe de ter a pretensão de esgotar o tema, as questões acima mencionadas serão objeto de tratamento mais detalhado em artigo que posteriormente será publicado.

Para o que nos interessa, neste momento, pode-se dizer que, com a promulgação da Lei 12.619/2012, a qual provocou a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho, no sentido de incluir como dever do motorista profissional, a sua submissão a “teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado” (CLT, artigo 235-B, inciso VII), estabeleceu uma nova obrigação ao trabalhador. A questão, entretanto, não para por aí, tendo em conta que destaca que a recusa do empregado será considerada como uma “infração disciplinar”, inclusive com a cominação de penalidade nos termos da lei (CLT, artigo 235-B, parágrafo único). Note-se, portanto, que, segundo a novel disposição legal, ao menos com relação ao motorista profissional, é perfeitamente possível a realização de testes para a detecção de álcool e drogas com o trabalhador. Aliás, em caráter administrativo, é importante mencionar que o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC 120), com a aprovação da Resolução 190, de 31 de maio de 2011, passou a dispor sobre a possibilidade de realização de “Exame Toxicológico de Substâncias Psicoativas”, definindo-o como o “exame laboratorial destinado à detecção de substâncias psicoativas no organismo”. De igual maneira, o referido documento compreende como “substância psicoativa” o “álcool e quaisquer substâncias no escopo da Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998, do Ministério da Saúde”.

Em resumo, percebe-se que a vigilância da saúde do trabalhador e das demais pessoas no ambiente de trabalho é derivada do “direito à saúde”, reconhecido normalmente no corpo do texto constitucional e legal. Cabe destacar que, em determinada época, essa era tarefa atribuída exclusivamente aos poderes públicos, mas com o passar do tempo também passou a ser atribuição do empresário, precisamente por ser o beneficiário da prestação de serviços alheios, ou seja, embora assuma os riscos da atividade laboral, também será o empregador o sujeito que terá os maiores benefícios derivados do exercício de sucesso da atividade empresarial, pelo que, terá algumas responsabilidades adicionais. Como reverso da mesma moeda, não há como ignorar que, também por conta disso, o empregador poderá adotar algumas medidas que, desde que respeitados os direitos dos trabalhadores, também garanta que não haverá a sua responsabilidade no futuro, sobretudo por eventual omissão no que se refere à proteção da saúde do trabalhador e seus colegas no ambiente de trabalho.

Por tudo aquilo que foi exposto até agora, percebeu-se que, mesmo havendo uma obrigação legal no sentido de submissão do trabalhador motorista à realização de testes para a detecção de álcool ou outras drogas (CLT, artigo 235, inciso VII), o fato é que a informação pessoal do empregado não pode ser obtida ou acessada de forma livre, por quem queira recolhê-la e processá-la. Não há como negar que se trata de questão delicada e que envolve interesse de diversas pessoas, razão pela qual, para que seja possível a realização de testes ou provas, apresenta-se como condição imprescindível para isso a adoção de todos os procedimentos necessários para que sejam observados e protegidos os direitos fundamentais do trabalhador. É justamente por conta dessa situação é que existem premissas ou princípios para a realização de testes com empregados motoristas, a fim de que seja possível o acesso às suas informações pessoais, ainda que se refiram às condições de saúde. Diante dessa situação, levando-se em conta os pressupostos estabelecidos, pode-se dizer que, para que seja lícito o acesso às informações pessoais, deverá haver a observância ao (a) “livre consentimento informado” e, também, à (b) “confidencialidade das informações pessoais”.

É importante destacar que, embora exista disposição legal no sentido de impor uma obrigação ao trabalhador motorista — submissão aos testes de álcool e drogas durante a execução do contrato de trabalho (CLT, artigo 235-B) —, não se pode perder de vista que o empregado não pode ser coagido para a concordância quanto ao referido procedimento, mas pode ou não consentir com a sua realização, ciente de que tanto uma como outra opção poderá gerar efeitos no contexto da relação laboral. A sua escolha, entretanto, poderá ter consequências para o desenvolvimento do contrato de trabalho.

Entre as alternativas “propostas” ao trabalhador, a primeira delas poderá ser a recusa à submissão de testes para a detecção de drogas e álcool. O empregado poderá perfeitamente apresentar uma oposição à sua realização, com fundamento em eventual vulneração aos seus direitos fundamentais, tais como o direito à “intimidade privada”, “privacidade”, “autonomia da vontade” e, ainda, a “autodeterminação informativa”, já que tem o poder de disposição com relação a quais as informações pessoais que pretende compartilhar com terceiros. Ocorre, entretanto, que a recusa do trabalhador à submissão de exames que possam detectar o consumo de álcool e drogas tem as suas consequências no contexto das relações trabalhistas.

Com relação à recusa do trabalhador à realização de testes para a detecção da utilização de álcool e drogas durante a execução do contrato de trabalho, a nova disposição celetista, instituída pela Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012, passou a dispor que a submissão aos exames acima mencionados, bem como a participação de programas instituídos pela empresa para tais fins, a partir de agora se mostra como um “dever do motorista profissional” (CLT, artigo 235-B, inciso VII). Complementando, a fim de que não seja estabelecido um dever sem que haja uma penalidade para o seu descumprimento, a lei trabalhista passou a dispor que “a inobservância do disposto no inciso VI e a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica previsto no inciso VII será considerada como infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei” (CLT, artigo 235-B, inciso VII, parágrafo único).

Neste contexto, é certo que mesmo havendo a necessidade de observância dos direitos fundamentais do trabalhador motorista (direito individual) — como, por exemplo, a “intimidade privada”, “autonomia” e “autodeterminação informativa” —, a questão é que, em determinadas situações, normalmente em caráter absolutamente excepcional, haverá a necessidade de preservação de um “fim maior” ou algo que seja mais importante para a coletividade (direito coletivo) — como, por exemplo, o “direito à vida” ou “à integridade física”. Nestes casos, com a devida ponderação dos valores ou bens em jogo, com fundamento no “princípio da proporcionalidade”, será perfeitamente possível a realização de testes de álcool e drogas com o trabalhador motorista, sem que se fale em vulneração dos seus direitos individuais ou fundamentais, porque haverá uma “justificativa maior” para tal prática. Apenas isso já poderia tornar legítima a prática de testes no contexto das relações laborais, e, de maneira ousada, pode-se dizer que isso seria possível até mesmo sem que tivesse havido a publicação da presente lei.


De qualquer forma, como se a justificativa anterior já não bastasse para legitimar a realização dos testes de álcool e drogas com os trabalhadores motoristas, o fato é que a própria Consolidação das Leis do Trabalho já poderia “penalizar” o trabalhador que eventualmente se recusasse ao cumprimento da obrigação legal. Desde um ponto de vista mais amplo, o desrespeito à norma jurídica, de maneira geral, poderia ser enquadrado como sendo um ato de “indisciplina”, tendo em conta que todos os trabalhadores motoristas estariam obrigados por força de norma jurídica. De maneira mais específica, em caráter individual, envolvendo uma situação concreta — sobretudo em caso de suspeita de embriaguez do trabalhador —, a recusa à realização dos exames poderá perfeitamente ser considerada como ato de “insubordinação” do trabalhador (CLT, artigo 482, alínea “h”). Salvo melhor juízo, não há como conceber que a recusa à prática de uma obrigação prevista em lei — ainda que se utilize como escusa a alegação de eventual vulneração aos direitos fundamentais do indivíduo —fique impune, ou sem que exista uma penalidade pela falta de cumprimento da obrigação legal.

Desta maneira, pode-se concluir que, embora haja disposição legal que estabeleça uma obrigação do trabalhador motorista em submeter-se aos testes para a detecção de álcool e drogas, o empregado não poderá nunca ser coagido ou forçado à sua realização — senão cumprir de forma voluntária um imperativo legal —, mas será perfeitamente possível apresentar a recusa em fazê-lo. Cabe destacar que a sua recusa poderá eventualmente ser considerada legítima, conforme a motivação que entender seja suficiente — por exemplo, a vulneração aos seus direitos fundamentais —, mas mesmo assim, a sua conduta será passível de punição no contexto da relação laboral. Enquanto não for declarada inconstitucional, a norma jurídica produz todos os seus efeitos, pelo que, a recusa do trabalhador em realizar os testes de álcool e drogas poderá ser considerada como um ato de “indisciplina”, quando se negar ao cumprimento da norma legal estabelecida para todos, ou, ainda, um ato de “insubordinação”, quando houver a determinação pelo empregador, no cumprimento de uma norma jurídica, para que um determinado trabalhador motorista submeta-se aos testes anteriormente mencionados (CLT, artigo 482, alínea “h”).

Por outro lado, cumprindo a disposição estabelecida em lei (CLT, artigo 235-B), poderá o empregado motorista consentir com a realização dos testes para a detecção de álcool e drogas durante a execução do contrato de trabalho. Neste sentido, pode-se dizer que, havendo a sua realização com todas as cautelas necessárias para tal — “livre consentimento informado” e “confidencialidade das informações pessoais” —, no sentido de preservar os direitos fundamentais do trabalhador, sem que haja uma exposição indevida, será perfeitamente lícita e legítima a exigência do empregador, até mesmo porque a realização deste procedimento é algo não apenas de obrigação do trabalhador, mas uma obrigação estabelecida ao empresário.

Assim, observando-se todas as cautelas necessárias com vistas a assegurar os direitos fundamentais dos trabalhadores de um lado, e, por outro lado, o cumprimento da lei pelo empregador, será perfeitamente possível a realização de testes de álcool e drogas no local de trabalho, sem que haja afronta aos direitos pessoais dos empregados. É importante destacar que, salvo melhor juízo, a escolha de determinado empregado para a submissão deste procedimento — tanto na forma individualizada com todos os empregados ou na forma de triagem, com apenas alguns empregados a cada dia —, por si só, não se constituirá em ofensa a direito fundamental do trabalhador, desde que não haja uma desnecessária exposição diante dos demais colegas de trabalho. Apenas pelo fato de ter sido o “escolhido” isso não se mostra como fato gerador de indenização por danos morais, até mesmo porque a realização de exames desta natureza se mostra como uma obrigação imposta ao empregador, sob pena de responder pelos atos dos seus empregados (CC/2002, artigo 932, inciso III).

Desta maneira, havendo a submissão pelo trabalhador aos testes de álcool e drogas e não havendo qualquer vulneração aos direitos fundamentais do empregado, por conta das cautelas necessariamente adotadas pelo empregador, e, ainda, havendo o resultado “negativo” para tais substâncias, nenhuma consequência haverá no contrato de trabalho de trabalho, seja para o empregado ou empregador, permitindo o normal prosseguimento do curso do pacto laboral havido entre as partes envolvidas.

Por outro lado, em caso de “resultado positivo” para substâncias estupefacientes —álcool ou drogas ilícitas —, seguramente haverá consequências para o contrato de trabalho celebrado entre as partes. É evidente que várias questões poderão ser levadas em consideração, o que pode ocasionar desde uma simples advertência até a resolução do contrato de trabalho, por conta do estado de embriaguez apresentado pelo trabalhador motorista. Numa questão como esta, salvo melhor juízo, o resultado não poderá ser absoluto como, por exemplo, uma “receita de bolo”, quando colocados todos os ingredientes a tendência seja necessariamente de obtenção de um resultado anteriormente conhecido, ou ao menos, previamente esperado. Aqui, diversas “variáveis” deverão ser levadas em consideração, até que efetivamente se encontre uma solução que amolde a situação de fato à efetiva “vontade” ou “espírito” da lei.

Neste contexto, mostra-se importante mencionar que a legislação trabalhista estabelece que uma das causas para a resolução do contrato de trabalho é a “embriaguez habitual ou em serviço” (CLT, artigo 482, alínea “f”). Cabe destacar, entretanto, que a embriaguez nem sempre será necessariamente motivo para a rescisão do contrato de trabalho, tendo em conta que, ao longo dos anos, por meio de interpretações da lei mais próximas da realidade social, passou-se a conceber que as “infrações ao contrato de trabalho” ou “ilícitos trabalhistas” não podem ser considerados de maneira isolada, mas como mais uma forma de ação do trabalhador durante a execução do contrato de trabalho. Por esta razão, considera-se, de certo modo, que a embriaguez — seja aquela “habitual” ou “em serviço” —, por si só, de maneira isolada, nem sempre tem o condão de acarretar a resolução contratual, já que outras circunstâncias deverão ser levadas em conta, mas isso não significa, por outro lado, que o trabalhador esteja autorizado à prática de “delitos funcionais”.

Percebe-se, portanto, que embora exista uma disposição legal que estabeleça o dever do trabalhador motorista à submissão aos testes para a constatação de álcool e drogas (CLT, artigo 235-B), os referidos testes somente podem ser realizados desde que observados alguns pressupostos — “livre consentimento informado” e a “confidencialidade das informações pessoais” — no sentido de também proteger o direito à intimidade pertencente ao trabalhador. O empregador deverá se cercar de todos os cuidados necessários de modo a garantir ou preservar os direitos fundamentais do trabalhador. Por outro lado, cabe dizer que, embora exista uma obrigação ou dever estabelecido em lei, o trabalhador motorista poderá, por uma razão ou por outra, recusar-se à realização de tal procedimento. O fato é que a recusa do trabalhador, neste caso de maneira específica e por conta de expressa disposição legal, será considerada como “infração disciplinar” (CLT, artigo 235-B, inciso VII, parágrafo único), o que seguramente poderia gerar a despedida por justa causa, por ato de “insubordinação” do trabalhador motorista (CLT, artigo 482, alínea “h”).

Neste contexto, tal como se constatou anteriormente, em 30 de abril de 2012 houve a publicação da Lei 12.619/2012. Esta lei trouxe um grande avanço com relação à questão do controle da utilização de álcool e drogas relativamente aos trabalhadores motoristas. Antes, a utilização de testes para a detecção de substâncias estupefacientes tinha por fundamento formal a prática reiterada, previsão em instrumento normativo, regulamento das empresas ou normas internas, mas agora existe expressa disposição legal que estabelece uma obrigação em sua submissão por trabalhadores motoristas (CLT, artigo 235-B), sendo que a sua recusa poderá ser configurada como uma “infração disciplinar” (CLT, artigo 235-B, inciso VII, parágrafo único), o que poderá, inclusive, provocar a resolução contratual em caso de recusa (CLT, artigo 482, alínea “h”).

Do mesmo modo, analisando-se as disposições legais aplicáveis, notou-se que a vigilância da saúde do trabalhador e das demais pessoas no ambiente de Trabalho é derivada do “direito à saúde”. É relevante mencionar que, até certa época, essa era tarefa que incumbia exclusivamente os poderes públicos, mas ao longo do tempo, compreendeu-se que também passou a ser uma atribuição do empresário, justamente por ser o beneficiário da prestação de serviços alheios, embora assuma os riscos da atividade empresarial. Por outro lado, entretanto, justamente pela assunção dos riscos, pode-se dizer que o empregador poderá adotar algumas medidas que, desde que respeitados os direitos dos trabalhadores, também garanta que não haverá a sua responsabilidade no futuro, sobretudo por eventual omissão no que se refere à proteção da saúde do trabalhador e seus colegas no ambiente de trabalho. Não obstante a novel disposição contida em lei, pode-se dizer que é exatamente isso o que justifica a adoção de testes para a detecção de álcool e drogas com relação ao trabalhador motorista.

É importante reconhecer, porém, que a realização de testes de álcool e drogas no ambiente de trabalho pode suscitar delicadas questões controvertidas, sobretudo com relação à preservação dos direitos fundamentais dos trabalhadores — “livre consentimento informado” e “confidencialidade das informações pessoais” —, os quais deverão ser protegidos, na medida do possível. Os direitos fundamentais dos trabalhadores, entretanto, embora efetivamente “fundamentais” não são absolutos e poderão ceder diante de outros direitos de igual importância, exatamente no sentido que preconiza a “ponderação de bens” ou “princípio da proporcionalidade”. No presente caso, é evidente que existirá um conflito entre o “direito à intimidade”, de um lado, sobretudo desde o ponto de vista individual, e, por outro lado, o “direito à vida” ou “à integridade física” de toda uma coletividade. Evitando-se a tomada de posições radicais, não há como negar que, salvo melhor juízo, a ideia sempre será de preservação do bem comum diante do proveito individual, o que justificará a utilização de testes de drogas e álcool com relação aos empregados motoristas.

Em síntese, haverá quem compreenda que o cumprimento da obrigação do trabalhador poderá se mostrar como uma afronta aos direitos fundamentais do trabalhador —eventualmente até mesmo inconstitucional —, e, por outro lado, o “respeito” aos direitos fundamentais dos empregados poderá configurar como omissão dos empregadores e, por conseguinte, o dever de indenizar por conta de eventual responsabilidade num acidente de trabalho ou danos causados a terceiros. Neste contexto, salvo melhor juízo, desde que devidamente justificada a situação de fato, pode-se dizer que, observados os pressupostos necessários para tal — “livre consentimento informado” e “confidencialidade das informações pessoais” —, não há desrespeito a direitos fundamentais na realização de testes de álcool e drogas com trabalhadores motoristas e, também, não há inconstitucionalidade na obrigação estabelecida em lei para isso, sobretudo diante da “ponderação de bens em conflito” ou “princípio da proporcionalidade”.

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