Lei Geral da Copa

União não pode se transformar em seguradora universal

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24 de junho de 2012, 7h00

A senhora presidente Dilma Rousseff sancionou no último dia 05 a Lei Ordinária Federal nº 12.663, a chamada “Lei Geral da Copa”, que trata especificamente das medidas relativas à Copa do Mundo de 2014 a ser realizada no Brasil, em diversas cidades.

No capítulo IV desse diploma, em seus artigos 22 a 24, restou regulamentada a questão da responsabilidade civil da União durante a Copa do Mundo de 2014 pelos danos que causar à Federação Internacional de Futebol Associado, mais conhecida pelo acrônimo Fifa, que é a instituição internacional que dirige as associações de futebol associado, o esporte coletivo mais popular do mundo.

A União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à Fifa, seus representantes legais, empregados ou consultores, na forma do conhecido parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição Federal, que consagra a regra da responsabilidade civil objetiva do Estado.

O eminente ministro Celso de Mello, do excelso Supremo Tribunal Federal, com maestria incomparável, bem sintetizou o conteúdo deste parágrafo 6º, do artigo 37, da Carta Republicana de 1988, quando do julgamento do RE nº 481.110-AgR, nestes termos:

“Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o eventus damni, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido”.

Para a sempre lembrada mestra administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, na sua clássica obra “Direito Administrativo” (Ed. Atlas), o dispositivo constitucional em foco exige cinco requisitos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil do Estado:

“1. Que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos (…); 2. Que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada (…); 3. Que haja um dano causado a terceiros em decorrência da prestação de serviço público; aqui está o nexo de causa e efeito; 4. Que o dano seja causado por agente das aludidas pessoas jurídicas (…); 5. Que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; não basta ter a qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas funções”.

Aqui, importantíssimo ressaltar e frisar que a teoria do risco administrativo, adotado pela CF/88, não se confunde, em nenhuma hipótese, com a teoria do risco integral, uma vez que a culpa da vítima pelo evento, exclui ou atenua a indenização a ser suportada pelo Estado. Tanto que o artigo 23 da Lei Geral da Copa é categórico ao prescrever que a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a Fifa, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado ao evento Copa do Mundo 2014, exceto se e na medida em que a Fifa ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Assim, a concorrência ou culpa exclusiva da Fifa pelos danos sofridos por esta própria entidade ou seus agentes ensejará, respectivamente, a mitigação ou a isenção da União no dever de indenizar. A teoria do risco integral não é aceita em nosso ordenamento. Não podendo, assim, a União se transformar em espécie de seguradora universal quando o causador do dano e o lesado se confundem na mesma pessoa.

A sub-rogação legal à União, como não poderia deixar de ser, é expressamente prevista, em todos os direitos decorrentes de pagamentos efetuados, contra aqueles que por ação ou omissão tenham causado os danos ou tenham para eles concorrido. Cabendo à Fifa ou outro beneficiário eleito fornecer todos os meios necessários ao exercício desses direitos pela União.

Neste ponto, repete-se o modelo traçado pelo Código Civil vigente, que no seu artigo 786 preconiza que paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Sendo ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, esses mesmos direitos. Também é serviente o artigo 934 do mesmo Código que reza que “aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou”.

Por fim, arremata o artigo 24 da LGC estabelecendo que a União poderá constituir garantias ou contratar seguro privado, ainda que internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura de riscos relacionados à Copa do Mundo de 2014.

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