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Acusação alega insanidade mental do réu, mas defesa se opõe

24 de junho de 2012, 12h38

Por João Ozorio de Melo

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Depois de dez semanas "infernais", segundo jornais noruegueses, terminou na última sexta-feira (22/6) o julgamento do ativista de extrema-direita Anders Behring Breivik, às vezes chamado de "monstro da Noruega". Ele matou 77 pessoas em 22 de julho do ano passado, com a explosão de um prédio do governo, seguida de um ataque a um acampamento de jovens do Partido Trabalhista do país. As últimas semanas do julgamento e os pedidos finais da acusação e da defesa ao juiz pareceram surpreendentes aos operadores do Direito de outros países. Ocorreu uma aparente inversão de papéis, na estratégia de cada parte: a acusação defendeu a tese da insanidade mental do réu; a defesa, por sua vez, se esforçou para provar que o réu é mentalmente são. 

Razão da defesa: se prevalecer a tese de que o réu é mentalmente são, ele poderá ser condenado à prisão, mas a pena máxima na Noruega é de 21 anos. Pode ser que, por bom comportamento, seja mandado para a prisão de Halden — um estabelecimento sem grades, que mais parece um hotel cinco estrelas, com muitas mordomias para os presos. Com o tempo, pode ir para a prisão de Bastoy, que alguns jornais americanos apelidaram de "ilha paradisíaca", onde terá direito à praia particular e muitas outras mordomias. Ambas abrigam assassinos, traficantes e outros criminosos de peso. No caso de qualquer preso não ser considerado reabilitado depois de 21 anos, o sistema prevê extensões sucessivas da pena por períodos de cinco anos, até que ele deixe de ser um perigo para a sociedade. 

Razão da acusação: se prevalecer a tese da insanidade mental do réu, ele não será preso, mas será mandado para um manicômio judiciário. Isso equivaleria a uma pena de prisão muito longa ou mesmo perpétua, em vista da situação mental perigosa do réu. Ele só teria condições de voltar às ruas e se reintegrar à sociedade, se ficar comprovado que se curou — o que é pouco provável. Antecipando o acolhimento de seu "monstro" particular em uma dessas instituições, a Noruega modificou recentemente sua legislação, para permitir a criação de unidades de segurança máxima dentro dos manicômios. Ou de criar uma unidade psiquiátrica dentro de uma prisão de segurança máxima. 

O julgamento teve de tudo, incluindo o direito concedido ao réu pelo juiz de dar a última palavra. O réu usou seu tempo para "exigir" a sua imediata libertação, porque o que ele fez foi para o bem da Noruega e da Europa, ele disse. Breivik declarou que ninguém tinha qualificação para julgá-lo, sem entender o pensamento dos integrantes da extrema-direita do mundo. Sua missão, ele disse, era agredir o governo esquerdista da Noruega e os jovens esquerdistas no acampamento, que estão abrindo as portas do país aos muçulmanos e a outras raças. Melhor matar 77 pessoas do que permitir uma carnificina na Europa, quando os muçulmanos resolverem se apoderar dos países, ele disse. Afirmou que sua motivação foi política, a de salvar a Noruega enquanto era tempo. 

Em duas sessões do julgamento, saudou o juiz e os jurados batendo o punho fechado da mão direita no peito — o que jornais interpretaram como uma estilização pessoal de saudações nazistas. Seus advogados recomendaram que não o fizesse mais, pois isso era ofensivo às famílias das vítimas. Familiares das vítimas, por sinal, se retiraram horrorizadas da sala de julgamento, quando a palavra lhe foi concedida, noticiaram o Mail Online, o Christian Science Monitor e outras publicações. Enfim, uma alta dose de emoção tornou "infernal" o período de julgamento. Mas, o que acabou prevalecendo nos debates foi a tese da insanidade mental. 

A acusação se sustentou em um relatório — e depoimentos posteriores — dos psiquiatras Torgeir Husby e Synne Sorheim, que concluíram que Breivik sofre de esquizofrenia paranoica (uma combinação de esquizofrenia com paranoia) e era psicótico. Segundo a Wikipédia, a esquizofrenia paranoica pode, entre outras coisas, "causar um disfuncionamento social crônico". Os psiquiatras concluíram o maior inimigo de Breivik é ele mesmo. Em princípio, Breivik rejeitou essa tese. Outros especialistas discordaram. A opinião pública se voltou contra os psiquiatras, porque o diagnóstico poderia livrar o "monstro" da cadeia. Até que todos perceberam que livrá-lo da cadeia, na Noruega, era uma vantagem. Mandá-lo para um manicômio seria a melhor estratégia para tirá-lo definitivamente das ruas. 

A defesa correu atrás da contraprova. Dois outros psiquiatras testemunharam que a saúde mental de Breivik é legalmente boa. Declararam que o réu sofre de um distúrbio de personalidade antissocial e narcisista, mas não é psicótico — o que o habilita a ser preso. 

Assim, promotores e advogados de defesa tiveram a rara oportunidade de exercitar práticas do domínio alheio. Ao final de suas alegações finais, os promotores disseram que ficou comprovada a insanidade mental do réu, o que exclui do processo criminal a sentença de prisão. Os advogados, por sua vez, pediram a absolvição do réu (até por obrigação) e solicitaram ao juiz que, acima de tudo, rejeitasse a tese de insanidade mental apresentada pela promotoria. 

O juiz Wenche Elisabeth Arntzen, que presidiu o tribunal do júri, disse que um painel de cinco juízes vai anunciar a decisão da Justiça em 24 de agosto.