Segunda chance

Empresas em recuperação conseguem prazos maiores

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23 de junho de 2012, 5h03

O prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções contra empresas em recuperação judicial é considerado “improrrogável” pela legislação, mas, na prática, a Justiça tem se mostrado flexível. Não são raros os casos em que o período é estendido, e a jurisprudência começa a se firmar em relação às exceções.

A flexibilização do parágrafo 4º do artigo 6º da Lei 11.101/2005 já encontra fundamentação em decisões do Superior Tribunal de Justiça. Casos de conflitos de competência entre os juízos trabalhista e falimentar, que procrastinam a solução empresarial, podem levar à elasticidade do prazo legal. 

Foi o que aconteceu em processo envolvendo a falência da companhia aérea Vasp. “Diante deste quadro, não só é possível, mas também recomendável, a prorrogação do prazo de 180 dias para a sociedade que diligentemente obedeceu aos comandos impostos pela legislação e que não está, direta ou indiretamente, contribuindo para a demora na aprovação do plano que apresentou. A possibilidade de prorrogação, contudo, deve ser examinada com cuidado, considerando as peculiaridades de cada caso concreto,” afirmou a ministra Nancy Andrighi ao votar em Agravo Regimental julgado pelo STJ em 2010. No recurso, os trabalhadores da Vasp, representados pelo sindicato da categoria, tentavam obter a penhora da Fazenda Santa Luzia, da Agropecuária Vale do Araguaia, propriedade do ex-dono da companhia aérea Wagner Canhedo que estava em recuperação judicial.

Algumas empresas têm conseguido até um ano além da carência legal. “É um período que os advogados têm para trabalhar junto aos credores”, diz o advogado Sérgio Emerenciano, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

A empresa Canaã Alimentos conseguiu, em maio deste ano, a dilatação do prazo por mais de seis meses, após ter entrado em recuperação judicial em outubro do ano passado. Segundo decisão do juiz da 2ª Vara de Cassilândia (MS), houve dificuldades em se nomear um administrador judicial naquela comarca.

“Defiro o pedido de prorrogação pelo prazo de 180 dias, contados a partir da data em que expirou o prazo anteriormente concedido, determinando a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, uma vez que o escoamento do prazo sem a apresentação do plano de recuperação judicial não se deu em razão de desídia do autor, mas sim das dificuldades em se nomear, nesta comarca, administrador judicial”, diz o juiz em despacho. 

Outra empresa que conseguiu prorrogar o prazo foi o frigorífico Frigol, que ampliou em cerca de dois meses o período de suspensão das ações e execuções. A companhia entrou em recuperação judicial em agosto de 2010, mas devido ao grande número de credores e impugnações, a assembleia de credores não foi marcada dentro do prazo legal — 150 dias do processamento da execução. A empresa, então, pediu a prorrogação dos 180 dias, e acabou atendida em decisão da 2ª Vara Judicial de Lençóis Paulista (SP). 

“No entanto, diante desse quadro processual, é imperiosa a conclusão de que a prorrogação da suspensão das ações e execuções individuais, bem como de protestos e negativações, é medida de natureza cautelar que atende integralmente não só aos interesses das empresas em recuperação, mas também de todos os credores, visando seja evitar inúteis tumultos processuais, seja o comprometimento da própria análise e regular execução do plano de recuperação judicial”, explicou o juiz.

Na avaliação do advogado Júlio Mandel, do Mandel Advocacia, o período de 180 dias é muito curto, especialmente para as grandes empresas, que têm uma quantidade maior de credores e fornecedores. “A lista de credores acaba sofrendo impugnações e os editais demoram um pouco”, justifica. Ele afirma que as prorrogações ocorrem com mais frequência nos casos em que ocorrem dificuldades no agendamento da assembleia.

"Sob o ponto de vista financeiro, na maior parte dos casos, seis meses é pouco tempo para a recuperação da liquidez corrente de uma empresa", diz Geraldo Wetzel Neto, do Bornholdt Advogados.

Embora considere compreensível a dilatação do prazo, Ivo Waisberg, do escritório
Martins, Chamon e Franco Advogados e Consultores, que atende principalmente credores, faz um alerta. Ele diz que isso pode encarecer as operações bancárias. “Insegurança jurídica gera risco na operação, o que pode aumentar as taxas”, diz. Já Bruno Boris, sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados, afirma que esse risco é baixo. “Eu não acho que seja algo de muita relevância. Até porque os 180 dias são um mero detalhe.”

Maior demanda
Dados da Serasa/Experian, obtidos a partir de levantamento nos Diários Oficiais dos estados, mostram que em maio deste ano houve 82 pedidos de recuperação judicial — alta de 60% em relação às 51 solicitações do mesmo mês de 2011.

Como reflexo, os escritórios especializados afirmam ter notado maior número de consultas relativas à Lei 11.101. “De março para cá, tenho em média dois novos pedidos de recuperação por semana, e uma consulta por dia. Antes, era uma consulta por semana e pelo menos duas novas recuperações por mês”, afirma Sérgio Emerenciano.

"O aumento expressivo verificado [nos pedidos de recuperação] refere-se às empresas com faturamento anual superior a R$ 50 milhões", ressalta Wetzel.

Para Waisberg, o momento atual é de ajuste de contas em relação a um processo iniciado no final de 2011. “Esses números materializam um ano com bastante inadimplência, que já era possível sentir desde os últimos meses do ano passado.”

Apesar do contexto de crise internacional, que tende a aumentar as dificuldades financeiras das empresas, os especialistas ressaltam que a procura pela recuperação judicial também se deve à maior divulgação da lei, que ainda tem pouco tempo de aplicação — ela é de 2005. Além disso, o novo diploma trouxe novidades em relação à antiga Lei da Concordata (7.661/1945), ainda válida para as empresas que entraram com processo falimentar antes da nova Lei de Recuperações.

Mais opções
Uma das empresas que exploraram com sucesso as novas ferramentas disponíveis na Lei 11.101 foi a rede Zacharias. A revendedora de pneus iniciou processo de recuperação judicial em julho de 2010. Segundo o advogado da empresa, Cláudio Daólio, um dos pontos do plano de recuperação consistiu em licenciar a marca a um importador de pneus e atuar pela internet.

Em fase experimental, o negócio é uma espécie de troca de pneu delivery. “Você compra o pneu da sua casa e, na hora marcada, vem um funcionário na sua residência para trocá-lo”, diz Daólio. Pelo acordo, segundo ele, o importador pagará royalties de 1% a 5% do faturamento sobre o volume de vendas dentro do site, sem custos para a rede em recuperação. 

“A nova legislação facilita o controle por parte dos credores e isso é um dos motivos pelos quais ela tem sido utilizada”, afirma Bruno Boris. Ele diz que a nova legislação permite criar planos de recuperação especial para microempresas e empresas de pequeno porte, algo que não existia na lei anterior. “Isso facilita e acaba gerando uma demanda. O objetivo da lei é salvar empresa boa”, analisa.

Outro aspecto positivo da nova legislação apontado por advogados são os mecanismos econômicos disponíveis ao empresário.“Ele pode trabalhar com venda de parte dos ativos, locação de seus estabelecimentos ou cooperativismo com seus funcionários”, exemplifica Maurício Scheinman, do escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica, professor de Direito Comercial da PUC-SP. Segundo ele, esses mecanismos não estavam previstos na antiga Lei da Concordata, que oferecia apenas prazo e desconto às empresas em dificuldade. “Agora, o empresário tem a chance de transformar um negócio que parece ruinoso em lucrativo”, comemora.

Clique aqui para ler a decisão obtida pela Canaã Alimentos.
Clique aqui para ler a decisão obtida pela Frigol.
Clique aqui para ler a decisão da Vasp.

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