Escutas telefônicas

Falta de degravações no processo anula sentença

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22 de junho de 2012, 4h04

O CD com degravações de conversas telefônicas interceptadas pela Polícia deve ser anexado ao processo, para garantir ao acusado o direito à ampla defesa. A desconsideração deste procedimento caracteriza cerceamento da defesa e prejudica a análise do mérito. Com esse entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de forma unânime, desconstituiu uma sentença condenatória por ausência do material degravado nos autos, o que impediu a análise do mérito da Apelação da defesa.

O relator da Apelação-Crime, desembargador Nereu Giacomolli, depreendeu que o CD não foi juntado ao Inquérito Policial e, tampouco, remetido ao juízo, a fim de instruir os autos do processo-crime. Logo, determinou sua juntada e a consequente abertura de vista às partes, dando reinício à tramitação da ação criminal no juízo de origem.

Giacomolli explicou, ponto por ponto, a Lei 9.296/1996, conhecida como ‘‘Lei da Interceptação Telefônica’’. Ela dispõe explicitamente, em seu artigo 6º, parágrafo 1º, que, nos casos de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição. Feito isso, informa o parágrafo seguinte, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Por fim, dispõe no seu artigo 9º que a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

‘‘A interpretação combinada dos referidos dispositivos legais não deixa dúvidas da imprescindibilidade da juntada aos autos do CD com o áudio da interceptação telefônica, quando possível a gravação. Isso porque somente após acesso ao áudio é que as partes podem postular a inutilização das partes gravadas que não interessarem ao feito’’, sustentou o desembargador-relator.

Além disso, o áudio é imprescindível para a conferência da própria degravação feita pela Polícia. E não apenas para verificar a participação do acusado, mas, também, para se examinar se tudo o que interessa aos autos foi efetivamente degravado, e de forma correta. A decisão do colegiado foi tomada no dia 19 de abril.

O caso
O processo-crime é originário da comarca de Nova Prata, município distante 180 km de Porto Alegre, e foi baseado na notícia de dois fatos delituosos, segundo o Inquérito Policial.

O primeiro fato aconteceu entre os meses de janeiro a março de 2010, na Rua Humberto Simonatto, no Bairro João Bosco, onde o denunciado e um adolescente se associaram para praticar o crime de tráfico de entorpecentes. Para a prática de tal crime, o denunciado obtinha as substâncias entorpecentes de terceiros não-identificados e as revendia junto a consumidores locais, com a ajuda do adolescente.

O segundo fato ocorreu no dia 18 de abril, na mesma rua, por volta das 22h. O denunciado e o adolescente venderam cerca de 200 gramas de crack, na forma de duas ‘‘trouxinhas’’, por R$ 20, a um consumidor. O Ministério Público ofereceu a denúncia à Vara Judicial da Comarca, dando-o como incurso nos artigos 33, caput, e artigo 35, caput, ambos da Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas), na forma do artigo 69, caput, do Código Penal.

Em sentença publicada em julho de 2011, o juiz de Direito Carlos Koester condenou o réu nos termos da denúncia do MP, impondo-lhe pena de nove anos de reclusão, em regime inicial fechado, e multa de 1,3 mil dias-multa. O réu já possuía duas condenações por receptação transitadas em julgado: de abril de 2011 e dezembro de 2010.

Recurso prejudicado
Em face da decisão de primeiro grau, a defesa do réu interpôs recurso de Apelação. Arguiu, preliminarmente, a inépcia da denúncia em relação à associação para o tráfico, porque as condutas dos acusados não foram individualizadas; e nulidade das interceptações telefônicas, por não ter tido a defesa acesso às gravações, em clara ofensa ao direito de defesa e ao contraditório.

No mérito, quanto ao tráfico, a defesa pediu a absolvição do denunciado por insuficiência de provas e a incidência dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Em relação à associação, postulou a absolvição por ausência de animus associativo, de dolo específico e a incidência do princípio do in dubio pro reo.

O desembargador-relator não acolheu a preliminar de inépcia da denúncia, mas reconheceu que a falta do CD com as degravações no processo ferem o direito de defesa. ‘‘Em síntese, entendo imprescindível ao pleno exercício do direito de defesa o acesso ao CD com o áudio das degravações. A propósito, o Supremo Tribunal Federal tem afirmado a desnecessidade de degravação da íntegra das conversas interceptadas, sendo suficiente à realização da garantia da ampla defesa o acesso amplo dos defensores e do acusado à totalidade dos áudios captados’’, encerrou Nereu Giacomolli.

Como a segunda preliminar foi acolhida, determinando a nulidade da sentença, o relator deixou de se posicionar sobre o mérito das alegações suscitadas pela defesa, que ficaram prejudicadas.

Votaram com o relator os desembargadores Francesco Conti e Catarina Rita Krieger Martins.

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