Questão social

Tipificação penal não resolve problema do bullying

Autores

  • Luiz Flávio Gomes

    é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983) juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Fundou a rede de ensino LFG.

  • Natália Macedo Sanzovo

    é advogada pós graduanda em Ciências Penais coordenadora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes.

22 de junho de 2012, 5h35

Criminalizar o bullying é uma das propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código Penal. De acordo com a inovação, o bullying, com a denominação de “intimidação vexatória”, passaria a constituir o parágrafo segundo do artigo 147, do Código Penal, conforme segue:

Ameaça
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – prisão de seis meses a dois anos.

Intimidação vexatória
§2º Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial.

Pena – prisão de um a quatro anos.

O bullying foi elencado pela Comissão como um dos assuntos de relevante discussão, dado seu conceito, peculiaridades e gravidade. Isto porque, o fenômeno, analisado dentro do contexto escolar, não se trata de uma violência qualquer, visto que compreende atitudes agressivas de todas as formas, praticadas de forma intencional e repetida, sem motivação evidente, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação de desigual poder[1].

Portanto, o que diferencia o bullying escolar de outros conflitos ou desavenças pontuais é seu caráter repetitivo, sistemático, doloroso e intencional de agredir (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente) alguém notoriamente mais vulnerável, evidenciando um desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos.

Desta forma, trata-se de uma subcategoria de violência bem específica que abrange muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis. O bullying representa um verdadeiro processo maléfico aos envolvidos, podendo, inclusive, ser fatal. Veja mais em Bullycídio: mais grave do que você imagina!.

Diante de tais características, a Comissão prontamente incluiu a figura do bullying como novo tipo penal, sob a justificativa de que a criminalização do fenômeno garantirá maior seriedade ao tema.

Os argumentos são pertinentes. Em razão do estrangeirismo da expressão, e da ausência de estudos sobre o tema no Brasil, o conceito de bullying é constantemente deturpado ou banalizado no país, reduzido a meras brincadeiras ou agressões pontuais de crianças e adolescentes.

Basta mencionar que 60% das matérias divulgadas na internet e passíveis de localização pelo canal de busca Google do Brasil com o nome Bullying, não expressam, nem representam, de fato, casos de bullying, de acordo com a pesquisa realizada pela educadora e especialista no assunto Cléo Fante. Veja a pesquisa.

Ou seja, o conceito de bullying, suas peculiaridades, bem como a gravidade do fenômeno são absolutamente desconhecidos pela população brasileira. No entanto, a inclusão do bullying como tipo penal é somente uma medida (muito tímida) de combate ao fenômeno, visto que longe está de ser a solução.

O enfrentamento e o combate ao fenômeno do bullying demandam, prioritariamente, ações e programas preventivos (chamados de anti-bullying) desenvolvidos e direcionados especificamente para cada estabelecimento de ensino, atendendo às particularidades de cada comunidade escolar (ou seja, todos os envolvidos direta ou indiretamente no fenômeno). É o exemplo do Bully Free Program (programa preventivo americano) e Olweus Bullying Prevention Program Overview (programa preventivo norueguês).

A efetividade destes programas ficou comprovada pelos números que as escolas piloto apresentaram: redução de 26% nos casos de bullying, quando aplicado o programa da OBPP (Olweus Bullying Prevention Program Overview) e 20,2%, nos casos nas das escolas que utilizaram o Bully Free Program.

Desta forma, embora o escopo da criminalização seja conferir ao bullying a devida magnitude e relevância que o tema carece, esta iniciativa não pode e não deve ser conduzida isoladamente. Por se tratar de questão absolutamente interdisciplinar (comum a diversas disciplinas), o fenômeno deve extrapolar o âmbito jurídico e ser amparado por medidas de outras esferas, como a psicologia e a pedagogia, por exemplo. Mesmo porque, a criminalização do bullying não atingirá as causas desencadeadoras do evento agressivo, mas tão-somente suas consequências.

Assim, a iniciativa é bem vinda se com ela não emergir a crença de que a tipificação penal se traduz como solução para o combate ao bullying. Interpretar as mudanças e inovações legislativas como atalho (caminho mais rápido) para o enfrentamento de qualquer enigma é renegar a própria complexidade do tema.


[1] FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz, 2ª ed, Campinas: Verus, 2005.

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    é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.

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    é advogada, pós graduanda em Ciências Penais, coordenadora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes.

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