Sentido inverso

Para MP, é preciso mais órgãos investigando crimes

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22 de junho de 2012, 16h55

“As instituições policiais são mais suscetíveis a violência. Não vamos generalizar, mas ou falamos isso com clareza, ou vivemos na terra do faz de conta”. Foi com esse tom que Luiz Antonio Guimarães Marrey, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, se manifestou contra a Proposta de Emenda à Constituição 37, de 2011, que pretende limitar o poder de investigação do MP. A crítica foi feita durante palestra que discutiu o poder de investigação do órgão, na sede do MP paulista, nesta sexta-feira (22/6). 

A PEC já recebeu aval da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Enviada a comissão especial que estuda o tema, será analisada em seguida pelo Plenário da Casa. A rapidez da tramitação mereceu menção do procurador de Justiça Lênio Streck, que atua no Rio Grande do Sul, em sua coluna semanal na revista Consultor Jurídico: "Em um momento de virada paradigmática, de início do fim da impunidade de pessoas próximas ao poder, nada mais inoportuno que a PEC 37/2011, que aqui denomino de a PEC da Insensatez", ironizou.

No debate organizado pelo Ministério Público paulista e a Escola Superior do MP, enquanto alguns dos expositores afirmaram que a proposta é, antes de tudo, política, e não jurídica, outros disseram que sua tramitação contém vícios processuais.

De autoria do deputado Lourival Mendes (PT do B-MA), a proposta, caso aprovada, vai acrescentar um novo parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal, definindo, de forma exclusiva, a competência da Polícia Judiciária nas investigações criminais. Ou seja, só poderiam colher provas, por exemplo, as Polícias Federal e a Civil.

A premissa principal que justifica a proposta é a de que “quem investiga não pode acusar”. “Onde está escrito isso? Na Bíblia? No Alcorão? Onde está a verdade científica disso? Não sejamos ingênuos”, indaga Marrey. Marcio Fernando Elias Rosa, procurador-geral de Justiça de São Paulo, lembrou que é preciso evitar o corporativismo, que pode ser abusivo.

O deputado federal Alessandro Molon, professor de Direito da PUC-RJ, criticou o posicionamento da comissão especial que analisa a PEC. Segundo ele, os principais interessados na mudança — ONGs de defesa dos Direitos Humanos e vítimas da violência praticadas por agentes do Estado — não foram ouvidos. Ele conta que chegou a submeter um convite para aprovação pela comissão, mas o possível requerimento foi negado por falta de quórum.

Além de acreditar que a PEC não tem utilidade, porque se propõe a resolver um problema que, segundo ele, não existe, Molon afirma que a tramitação da proposta contém vícios. De acordo com ele, a CCJ não foi ouvida em relação a um acréscimo sofrido pelo texto. “Há um problema de processo legislativo aí.”

Ele também refutou a tese de que, com a exclusividade nas investigações, a Polícia Judiciária seria prestigiada. “Fingimos que o policial trabalha 24 horas por dia e nós fingimos que remuneramos 24 horas por dia. É dever nosso que o policial possa exercer sua carreira de forma plena, mas, a longo prazo, a PEC vai se mostrar insatisfatória para isso. Além da valorização policial, temos que melhorar a perícia. Nós não precisamos de menos órgãos investigando, mas sim de mais investigação”, diz.

Papel do MP
Hoje, a atuação do Ministério Público na investigação criminal é norteada pela Resolução 13, de 2006, do Conselho Nacional do Ministério Público. A norma estabelece que o membro do MP pode promover a ação penal cabível, instaurar procedimento investigatório criminal, encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo, promover fundamentadamente o respectivo arquivamento e requisitar a instauração de inquérito policial.

Em relação à fase instrutória, o promotor, enquanto condutor das investigações, pode, por exemplo, fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral.

Corte Suprema
O procurador de Justiça aposentado Carlos Frederico Coelho Nogueira comentou os dois julgamentos que começaram nesta quinta-feira (21/6) no Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. As duas ações questionam a legitimidade de atuação do MP. Como noticiou a revista ConJur, dois ministros já votaram no sentido de restringir as hipóteses de investigação penal pelo Ministério Público aos casos em que há membros do próprio MP investigados, autoridades ou agentes policiais e terceiros, desde que a Polícia seja notificada do crime e se omita.

Para os ministros Cezar Peluso, relator de um dos casos, e Ricardo Lewandowski, a Constituição Federal não conferiu ao MP a atribuição de fazer investigações penais.

Peluso afirmou que “a Constituição não conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las extrair a fórceps essa interpretação. Seria uma fraude escancarada à Constituição”. O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Peluso. Apenas os dois votaram nesta quinta.

“Espero que seja reconhecida a possibilidade de o MP investigar”, disse Coelho Nogueira. “Não estamos desmerecendo o inquérito policial. Não queremos copiar a Itália, por exemplo, onde o promotor preside a investigação e a Polícia fica subordinada a ele. Queremos apenas mais uma alternativa”, explica.

Um dos maiores empecilhos para concentrar as investigações nas mãos do MP, acredita Coelho Nogueira, é o fato de policiais não terem as mesmas prerrogativas, “infelizmente”, que promotores e procuradores. “Eles deveriam ter essas garantias, para atuar com mais isenção. Quando o suspeito é uma figura poderosa, o promotor não sofre canetada”, conta.

Segundo o procurador aposentado, “exigir que o MP só se inspire em outros órgãos é castrá-lo, tornando-o um eunuco processual. Caso isso aconteça mesmo, o MP será o único titular de direito de ação que não poderá colher provas”. Vale lembrar que a competência do órgão nos inquéritos civis, como no caso de problemas sobre meio ambiente, não é questionada pela PEC.

Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, José Levi de Mello do Amaral Junior lembra que a PEC também acrescenta um artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que convalidas as decisões penais nas quais o MP atuou como investigador. “Como se isso fosse preciso.”

“Aprovar essa proposta é esvaziar o MP e outros órgãos que promovem investigações. Falta eficiência e finalidade à proposta.” O professor frisou: a limitação do poder desestrutura a organização constitucional de separação dos poderes. “Nossa Constituição não admite essa concentração na investigação.”

Alexandre de Moraes, chefe do departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP e professor de Direito Constitucional no Mackenzie, diz que o projeto é inconstitucional. “A máxima de que quem investiga não pode acusar é falsa”, diz. E acrescenta: “Há um desbalanceamento claro na separação dos poderes, na medida em que hipertrofia o Executivo, em detrimento da prestação jurisdicional”.

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