Ideias do Milênio

Na Rio 92 havia mais vontade política que hoje em dia

Autor

22 de junho de 2012, 8h00

Entrevista concedida pelo consultor do governo chinês para economia verde Maurice Strong, à jornalista Sônia Bridi, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

Reprodução/Globo
Os olhares do mundo estão voltados para o Rio de Janeiro. Delegações chegam à cidade para discutir como equacionar desenvolvimento econômico e uma relação sustentável com o meio ambiente. O momento não parece bom. Estamos em meio a maior crise econômica desde 1929, bilhões de pessoas querem atingir níveis de consumo que apenas um sétimo da população mundial possui, e nos deparamos com a ameaça cada vez mais real de mudança climática. A questão agora: que futuro queremos construir? O planeta entrou na agenda internacional na conferência sobre meio ambiente em Estocolmo em 1972. O secretário geral Maurice Strong, emblematicamente já de bicicleta, dizia em seu discurso de abertura: Há poucas chances de o homem ter sucesso na sua relação com a natureza a menos que no caminho ele aprenda a administrar melhor as relações entre homem e homem. Quarenta anos depois a pergunta continua atual: Como resolver um problema global por meio de lideranças divididas por fronteiras e soberanias? O debate ganhou os contornos atuais na Rio 92, de novo, sob a liderança de Maurice Strong, quando sinalizou a necessidade de se criar caminho para uma economia verde, diferente da economia de consumo tocada pelos combustíveis fósseis. A economia verde é de baixo carbono, eficiente no uso de recursos naturais, e faz bens para durar, além disso, é socialmente inclusiva. Mas há vontade política para mudar o cenário? Como incluir os custos ambientais no preço final dos produtos? São muitas as questões que exigem urgência e vontade política. Encontramos Maurice Strong em Pequim, onde hoje é consultor do governo chinês para economia verde. O homem que há mais de 40 anos se dedica a transformar a percepção das lideranças globais sobre a importância do meio ambiente começou sua carreira no setor de petróleo e gás, no Canadá, sua terra natal. Na Rio 92 teve um papel decisivo como secretário-geral forçando um maior compromisso dos líderes mundiais. "A responsabilidade está em suas mãos." Pela primeira vez formava-se uma estrutura institucional para a proteção do planeta. E o que se espera agora da Rio+20?

Maurice Strong — Os olhos do mundo estarão no Brasil, para determinar como o país administra seus problemas e como seu sucesso econômico afeta seu meio ambiente e suas perspectivas de sustentabilidade.

Sônia BridiQual é a lembrança mais forte que o senhor tem da Rio92?
Maurice Strong — Bem, tenho lembranças muito positivas, é claro. Foi a maior reunião de chefes de Estado e de governo que já aconteceu, então foi muito animador. E ter Fidel Castro e George Bush na mesma reunião foi incomum. Foi um momento histórico, e os ânimos estavam bons. As decisões tomadas foram muito impressionantes. Já a implementação das decisões desde 1992 não foi tão impressionante. Foi, na verdade, decepcionante. É claro que algumas foram implementadas, mas, no geral, foi decepcionante. Se os governos tivessem feito tudo o que concordaram em fazer, o problema estaria perto de ser solucionado.

Sônia BridiA Rio 92, provavelmente, foi a primeira vez que muitas pessoas ouviram expressões como efeito estufa, aquecimento global, mudanças climáticas, e um sentimento de esperança estava presente em tudo.
Maurice Strong — Verdade.

Sônia BridiO senhor acha que a falta de implementação das decisões acabou com essa esperança?
Maurice Strong — Bem, não podemos abandonar esperança, mas as pessoas me perguntam se estou pessimista ou otimista, e tenho que dizer que, analiticamente, estou pessimista, por causa da falta de avanços e implementação de decisões, e as coisas estão piorando, não melhorando. Mas, operacionalmente, eu estou otimista, porque, enquanto for possível mudar para um estilo de vida sustentável, nós devemos continuar tentando fazê-lo. Nós temos que entender que estamos falando do futuro da vida em nosso planeta. Nós temos que entender que, ao longo da História da Terra, o período em que foi possível abrigar a vida humana é muito curto, em um espaço de tempo muito pequeno, e nós estamos tendo um impacto nisso, nós estamos mudando as condições que tornaram a vida possível, e nós estamos colocando a vida em risco. E a Rio+20 precisa revitalizar a conscientização do que estamos fazendo conosco. O planeta Terra não irá acabar, mas as condições que permitem a vida na Terra estão em risco, porque a condição natural da Terra não é propícia à vida humana. Na verdade, eu acredito e espero que a Rio+20 veja o lançamento de um movimento mundial popular que pressione os políticos que devem satisfação ao povo e têm que fazer o que o povo quer, e não defender apenas alguns interesses específicos. A meu ver, esse movimento é a esperança. Nós precisamos conscientizar mais as pessoas do que está em risco, do que pode acontecer. A realidade é que, hoje, há menos vontade política do que em 1992, e o problema está maior, mais agudo, mais urgente, do que naquela época. Então estamos vivendo um verdadeiro dilema, e a maior esperança da Rio+20 será fornecer um novo ponto de partida para um movimento mundial que nos coloque no caminho da verdadeira sustentabilidade. Os sobreviventes na Terra não serão necessariamente humanos. Serão outras formas de vida. Os insetos serão os grandes sobreviventes, porque a Terra não irá acabar, mas as condições de vida humana irão acabar. O risco é esse, e as pessoas precisam estar cientes dele, e os políticos devem ser responsabilizados pelo que realmente estão fazendo. A Rio+20 não pode fazer isso, mas pode traçar um novo caminho, dar um novo estímulo e lançar esse movimento. Eu não acredito que devemos ver a Rio+20 apenas como duas semanas, deve ser um processo contínuo.

Sônia BridiO senhor é consultor do governo chinês para práticas sustentáveis, práticas menos agressivas. A China, hoje, é a maior emissora de gases de efeito estufa, mas também é o país que mais investe em economia verde. Como o senhor analisa o caminho que o governo chinês escolheu?
Maurice Strong — Na verdade, a China, originalmente, como a maioria dos países industrializados, deixou o meio ambiente em segundo lugar. A economia era o mais importante. Mas, hoje, a China está na liderança. A política é a da economia verde. E não se trata apenas de palavras. Por exemplo, a China tem exigências relacionadas às emissões de automóveis, etc., maiores do que os EUA. Mas o problema é que a economia cresce tão rápido que às vezes, ela anula os ganhos. Eu estou muito envolvido na construção civil, em prédios ambientalmente corretos. A China se comprometeu em construir 500 novas cidades de pelo menos 1 milhão de habitantes, e todas ambientalmente corretas, e eles já estão fazendo isso. Há incentivos para isso. A China está agindo, e o que a China faz tem um grande peso. Eu trabalho com a China desde o começo, desde Estocolmo. A Conferência de Estocolmo, de 1972, foi a primeira com a participação da China depois que ela assumiu seu lugar na ONU. Como resultado da conferência, o país criou sua Agência de Proteção Ambiental, e eu trabalho com eles desde então. Portanto, tenho uma longa relação com a China. É claro que, no começo, essa agência era muito fraca, como muitas outras. Hoje, ela se tornou um ministério muito forte, e o compromisso da China com a economia verde é um dos melhores do mundo. O problema é que se trata de uma das maiores economias, com um crescimento tão rápido que é difícil gerenciar os problemas, mas eles estão conseguindo fazer isso bem.

Sônia Bridi — Algumas agências fizeram as contas e dizem que, se todos os chineses tiverem o padrão de vida dos americanos, não haveria lugar para outros povos além do chinês na Terra. O senhor acha que eles têm ciência de que os padrões de consumo na China não podem ser iguais aos EUA, que eles precisam agira de outra maneira?
Maurice Strong —
Há essa conscientização, sim, mas eles também sabem que as pessoas que mais prejudicam o meio ambiente são as que vivem nos EUA, no Canadá e em outros países, países mais desenvolvidos. Na verdade, são eles que mais prejudicam, e são eles que devem assumir a liderança para melhorar a situação. Não se pode dizer que, como os EUA se recusam a mudar seu estilo de vida, a China não pode progredir. Isso não seria justo nem realista. O mundo todo precisa adotar um caminho de desenvolvimento mais sustentável. E é mais difícil justamente para os países que eram as maiores economias. Hoje, é claro, há novas economias. A China não é a única. Há o Brasil, que teve um grande crescimento econômico e está vivenciando tanto os benefícios quanto alguns dos problemas desse crescimento econômico. Sua agricultura está afetando sua preciosa floresta tropical. Enfim, o mundo irá se conscientizar de muitas coisas por causa da Rio+20. Porque o mundo estará de olho: "O Brasil é o anfitrião dessa conferência, mas o que o país está fazendo?" O mundo ficará de olho, e o mundo irá perceber que o Brasil, hoje, é um dos maiores países do mundo.

Sônia Bridi — A Rio+20 está muito focada no desenvolvimento humano, no combate à pobreza. Qual é a importância disso, e isso pode desviar a atenção de outros temas, como uma economia mais verde e a redução das emissões?
Maurice Strong —
Isso tudo precisa andar junto. O combate à pobreza é um dos maiores problemas hoje em dia, e sinceramente, o Brasil, com tudo o que tem de bom, ainda tem uma diferença entre ricos e pobres maior do que a maioria dos países. Os ricos são muito ricos — e isso é verdade em todo lugar — mas também é verdade que, no Brasil, há uma grande diferença entre ricos e pobres. E os países em desenvolvimento sempre se preocuparam sempre se preocuparam que o meio ambiente tirasse recursos do combate à pobreza, que continua sendo um dos maiores desafios mundiais, até mesmo nos países industrializados. E há diferença entre ricos e pobres em todos os países, até nos EUA. Vimos os protestos em Wall Street, a questão do 1% etc. Mas há uma lacuna crescente entre ricos e pobres. E eu falei na ONU em dezembro de 2011, e alguém no público perguntou: “E os pobres?” E eu respondi: “Você conhece algum período na História em que os ricos e privilegiados tenham aberto mão da riqueza para ajudar os pobres de maneira voluntária? Isso só acontece com uma revolução e com os movimentos de massa. Isso não acontece de maneira voluntária.” Não foi uma resposta muito popular, mas é verdade. E, mesmo nos EUA, vimos o movimento Occupy Wall Street, que demonstra a enorme lacuna entre ricos e pobres naquele país. E essa lacuna está aumentando, e está aumentando no Brasil, está aumentando em todo lugar. E os países em desenvolvimento têm seus problemas, mas os países industrializados também têm cada vez mais problemas. Então, o combate à pobreza é extremamente… Os pobres do mundo não vão ajudar a proteger o meio ambiente, a menos que demos a eles mais ajuda financeira e maior acesso às tecnologias. Esse era um problema já presente em Estocolmo e na Rio 92, a Cúpula da Terra. E, mais uma vez, na Rio+20, os países em desenvolvimento precisam ter segurança de que receberão ajuda na luta contra seus problemas ambientais na forma de novos recursos — que são recursos financeiros novos e adicionais — e do acesso às melhores tecnologias. Nós temos interesse em fazer isso, não é apenas caridade. Temos interesse porque os países em desenvolvimento são a maior parte dos países do mundo, e, se eles não adotarem um caminho sustentável, não haverá vida sustentável para nenhum de nós. Então isso não deve ser visto como uma doação caridosa, e sim como um investimento em nosso próprio futuro.

Sônia Bridi — Qual é a importância do crescimento populacional sustentável, neste momento, para a sobrevivência do planeta?
Maurice Strong — O crescimento populacional é um problema importante, mas o verdadeiro problema é o que a população consome dos recursos naturais, e os chineses consomem muito menos per capita, produzem muito menos gases de efeito estufa per capita do que os países tradicionalmente desenvolvidos. Então, é um problema, mas a política do filho único na China… A maioria dos chineses, ainda que quisesse mais filhos, entendem que limitar a população serve ao bem da China. E, na verdade, a China tirou mais pessoas da pobreza do que qualquer outro país ao longo da História. Os chineses vivem muito melhor hoje que nunca. É verdade que os chineses querem uma vida melhor, mas eles não irão dizer: “Nós vamos esperar, porque, nos EUA e nos demais países ocidentais, as pessoas não querem mudar de vida. Não podemos mudar nossa vida porque eles não mudam a deles.” Esquecemos que a grande mudança deve partir daqueles que criaram o problema, que somos nós.

Sônia Bridi — Mas qual é a importância do tamanho da população mundial no momento?
Maurice Strong — O que acontece é que alguns países, como o Japão… O Japão já está vivendo um declínio populacional. Muitos outros países vivem um declínio populacional. A questão demográfica não é igual no mundo todo, e o crescimento populacional é maior nos países em desenvolvimento e nos países pobres. E esses países não são tão capazes de suportar tamanho crescimento. Então, isso é um problema, sem dúvida. A questão é que não aprendemos a cooperar nessa área. O mundo ainda é um sistema de países individuais perseguindo, cada um, seus próprios interesses, muitas vezes, sem se preocupar com o custo disso para o resto do mundo. Nós precisamos cooperar mais do que jamais estivemos dispostos a fazer. Temos que cooperar para ter um futuro garantido, e há muito poucas provas de que isso ocorre de maneira suficiente. O grande desafio da Rio+20 é dar a esse movimento um novo ímpeto.

Sônia Bridi — Uma das lembranças mais fortes que eu tenho da Rio 92 é do senhor, na Aldeia Global fumando o cachimbo da paz. Se fizesse de novo, quem o senhor gostaria de ver sentado em volta da fogueira com o senhor?
Maurice Strong — Bem… Não é tanto quem eu gostaria de ver, porque eu gosto dos indígenas, gosto das tradições deles e os convidei para a conferência no Rio. Mas eu gostaria de ver pessoas do mundo industrializado, que são as que precisam mudar. São eles que devem liderar a mudança e que deveriam se sentar em volta da fogueira e até se queimar se não mudarem.

Sônia Bridi — Se o senhor tivesse que dar um conselho aos governos agora, qual seria ele?
Maurice Strong — As decisões que tomarem aqui, no Rio, serão mais importantes para o futuro da sua população do que qualquer coisa que vocês façam em casa, sozinhos. As pessoas precisam trabalhar juntas, e hoje temos mais competição, mais conflitos — conflitos por territórios, conflitos por recursos —, e nós ainda não aprendemos a trabalhar juntos da maneira que deveríamos trabalhar juntos para garantir o futuros de todos. E a maior questão é que não devemos fazer isso por idealismo, mas por absolutar necessidade, para a sobrevivência da nossa civilização.

Sônia Bridi — Muito obrigada.
Maurice Strong — Obrigada. Agradeço seu interesse.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!