Ofendícula perigosa

Cerca elétrica precisa ser disciplinada por lei

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21 de junho de 2012, 15h46

Como se sabe a violência é um dos problemas existentes nas grandes cidades. Daí porque, numa tentativa de minimizar o risco de agressão externa, em muitas moradias, com maior incidência em condomínios, são instaladas cercas elétricas.

Entretanto, em municípios como São Paulo, onde não existe uma legislação que regulamente objetivamente o tema, a instalação de cerca elétrica pode trazer transtornos. 

Com efeito, em que pese a enorme e legítima preocupação de aumentar a proteção das moradias localizadas nos grandes municípios, muitos deles, dentre eles São Paulo, não possuem legislação para disciplinar objetivamente o assunto, diferentemente do que ocorre em alguns municípios onde há legislação específica. Aliás, também não há lei federal.

A importância de existir legislação sobre o tema caminha no sentido de fazer prever parâmetros objetivos, de modo possibilitar aos administrados a prévia ciência e a adequação da eventual postura legalmente exigida, visando evitar alegações quanto ao abuso do exercício regular de um direito.

Assim, se existissem parâmetros objetivos e, fossem eles cumpridos na instalação de uma cerca elétrica, em tese, o proprietário da respectiva moradia estaria albergado por excludente na hipótese de alguém vir a sofrer grave lesão ou mesmo viesse a óbito.

Como exemplo de referidos parâmetros, cito: previsão de uma altura mínima do muro; potencia da carga elétrica; distanciamento de propriedade vizinha, etc.

Por outro lado, não existindo tais parâmetros objetivos como ocorre no município de São Paulo, eventual discussão judicial decorrente de eventual dano causado a integridade física de uma pessoa residiria no campo subjetivo.

A discussão da licitude no campo subjetivo é muito perigosa, posto que algumas pessoas pode aguentar determinada carga elétrica, outras não. No mesmo sentido subjetivo, determinada altura de um muro pode ser vista como imprudência no caso de alguma criança na simples irresponsabilidade de sua infância venha a subir no muro e sofrer uma descarga elétrica. Em ambos e, em muitos outros casos, fatalmente haverá discussão judicial quanto a eventual imprudência, no campo subjetivo, justamente porque não existem parâmetros legais e objetivos a serem seguidos.

Convém lembrar que a primeira vista o confronto existente é o da proteção do patrimônio com o da proteção da vida. Não havendo regras legais objetivas de modo disciplinar o que seria razoável, ou melhor, lícito exercício de um direito, evidente que o resultado do balanceamento resultante da aplicação da proporcionalidade resultará na prevalência do segundo bem jurídico, qual seja a vida.

Destarte, a energização de uma cerca elétrica, também conhecida no meio jurídico como “ofendículo”, ou, “defesa mecânica predisposta”, embora seja um exercício regular de direito, uma vez que atua em legítima defesa (autotutela), pela ausência de parâmetros legais objetivos, de modo prever os limites desse exercício de forma objetiva, pode vir a configurar abuso desse direito.

Nesse sentido, ou seja, demonstrando a insegurança jurídica decorrente da discussão no campo subjetivo, cita-se:

“(…). A colocação da cerca eletrificada na propriedade, se resultar ferimento ou dano a uma pessoa, fará com que o proprietário responda por crime de lesão corporal, o qual, em tese estaria acobertado pela excludente da legítima defesa. Entretanto, se a intensidade da corrente elétrica for tal que provoque a morte de alguém, o proprietário responderá por homicídio culposo, em razão do excesso dos meios empregados, com grande probabilidade de ser condenado. (…).”[1].

No mesmo sentido, cito também:

“A eletrificação de muro residencial com corrente de 220 watts, que ensejou a morte de uma criança ao tentar penetrar para apanhar uma bola, não constitui legítima defesa nem exercício regular de direito, configurando homicídio culposo, face à manifesta imprudência.” [2]

Diante disso, até que o Poder Público regulamente esse tema por meio de lei, reputo haver elevado grau de risco a colocação de uma cerca elétrica.

É bem verdade que hodiernamente tramitam na Câmara de São Paulo dois projetos de lei visando delimitar os parâmetros objetivos.

O primeiro deles, trata-se do Projeto de Lei 236, de autoria do vereador Paulo Frange. Referido projeto encontra-se tramitando perante as comissões.

Dentre as justificativas contidas nesse projeto de lei, observa-se justamente a preocupação em delimitar sobreditos parâmetros de modo objetivo. Confira-se:

“JUSTIFICATIVA

(…).

A instalação destas cercas elétricas, apesar de ser um meio utilizado para garantir a segurança das propriedades, pode causar sérios prejuízos, inclusive colocando vidas em perigo. (…).”

Quanto ao outro Projeto de Lei, trata-se do PL 657/2007, de autoria do vereador Aurelio Nomura. Referido projeto também encontra-se tramitando perante as comissões.

Nas justificativas desse projeto também observa a mesma preocupação em fixar-se os parâmetros objetivos. Confira-se também:

“JUSTIFICATIVA

(…).

Mas o método é polêmico, já que, pode ter consequências letais, exigindo medida de proteção a serem adotadas, devendo ser motivo de preocupação por parte desta Casa.

Por não existir no Brasil uma lei específica sobre o assunto, induz as pessoas, por falta de orientação, a instalarem o equipamento de forma irregular, colocando em risco a vida de terceiros. (…).”

Portanto, embora não precise caminhar muito, em especial por São Paulo, para verificar a enorme quantidade de cercas elétricas, reputo extremamente perigosa a sua colocação antes da edição de alguma lei que discipline parâmetros objetivos.

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