Ofensa moral

RBS deve indenizar policial rotulado em reportagem

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19 de junho de 2012, 16h56

O jornal Zero Hora e a RBS TV, do Grupo RBS, devem pagar R$ 30 mil de indenização ao policial militar gaúcho Cláudio Kehrwald Júnior, por apresentá-lo à opinião pública como ‘‘chefe de quadrilha’’. A condenação por abalo moral imposta na primeira instância foi confirmada, por unanimidade, pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul — que, no entanto, reduziu substancialmente o quantum indenizatório de R$ 72 mil para R$ 30 mil.

O incidente, que culminou no reconhecimento da responsabilização civil, teve início com a desobediência em filmar uma audiência judicial militar e desembocou num erro de edição jornalística, que se espalhou em efeito cascata nos veículos da RBS – TV, internet e jornal.

A relatora do caso no TJ-RS, desembargadora Marilene Bonzanini, lembrou que a liberdade de imprensa, mesmo se constituindo em direito fundamental, não é absoluta. O exercício do jornalismo encontra limitação em outros direitos fundamentais, principalmente os que garantem a proteção da intimidade e da imagem. ‘‘Necessário é que se exercite um jornalismo responsável’’, frisou, ao reconhecer que o autor foi exposto à situação vexatória.

Ela advertiu que a RBS, como a maior emissora do Estado e filiada à maior do país, deveria ter cuidado ao expor a imagem de cidadãos, principalmente em situações de maior gravidade ou delicadas. ‘‘Não agindo desta forma, entendo que o jornalismo e o direito à informação não foram exercidos com responsabilidade, restando caracterizado o ato ilícito’’, concluiu. O acórdão é do dia 30 de maio.

A coincidência e a filmagem oculta
Segundo o acórdão, no dia 9 de março de 2009, o autor se dirigiu à Justiça Militar, em Porto Alegre, para ser ouvido num processo de pequena gravidade — foi acusado de prestar de segurança particular no ano de 2007.

Naquela data, no mesmo local, estava prevista a audiência de outros policiais militares, acusados de crimes gravíssimos no Vale do Sinos — formação de quadrilha, peculato e tráfico de drogas, além de assassinato. No entanto, para frustração dos jornalistas que cobriam o fato, a audiência foi cancelada, permanecendo apenas a designada para ouvir o autor.

O autor disse, então, que vários jornalistas e fotógrafos que fizeram fotos e filmaram a audiência do seu processo, lhe garantiram que não seria publicada qualquer imagem. Entretanto, não foi o que aconteceu, pois sua imagem foi vinculada à notícia que informava a prisão do chefe da quadrilha.

Sustentou que o fato teve grande repercussão, já que também foi divulgado pela TV, e lhe trouxe inúmeros aborrecimentos pessoais e profissionais. Além do sofrimento moral, alegou prejuízos materiais, pelo cancelamento de três contratos de consultoria que mantinha até então.

As empresas da RBS apresentaram contestação. Alegaram impossibilidade de exibição das gravações, pois decorrido o prazo legal para sua guarda. Afirmaram que os fatos foram noticiados tais como informados pela juíza que atua na Justiça Militar, sem qualquer conotação ao autor, nem trazendo inverdades. Em síntese, teriam cumprido com o seu dever de informar.

A Justiça Militar informou a 6ª Vara Cível, do Foro Central da Capital, onde foi ajuizada a demanda, que não permitiu imagens e fotos na audiência em que o autor se encontrava — embora admitisse a presença dos profissionais na sala.

Informou a juíza Eliana Almeida Soares: ‘‘Este Juízo foi claro e incisivo aos profissionais da imprensa, presentes ao ato, que poderiam apenas tomar as imagens do prédio e das instalações internas da 2ª Auditoria Militar, mas mesmo assim alguns repórteres/fotógrafos tentaram obter imagens da sessão através de janelas da área externa do prédio, o que gerou a necessidade de fechamento das cortinas para prosseguimento do ato.”

A sentença
O juiz Oyama Assis Brasil de Moraes afirmou que os documentos trazidos ao processo mostram que o autor, tanto no jornal impresso Zero Hora, quanto no site do ClicRBS, foi acusado de integrar uma quadrilha de policiais militares. As imagens também foram divulgadas às 19h, naquele dia, pelo Jornal da RBS, fato amplamente confirmado por testemunhas — uma vez que a emissora não anexou as imagens ao processo.

Além dos vários depoimentos de testemunhas, o julgador citou como emblemático o relato da ex-companheira, Maria de Lourdes Nicola. Em face da gravidade dos fatos dos quais tomou conhecimento, ela chegou a se separar do autor.

O pedido de indenização, discorreu o juiz, foi embasado pela violação do artigo 5º., inciso X, da Constituição Federal. A norma diz que a imagem da pessoa é inviolável, assegurando direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente. Afinal, o direito de imagem é exclusivo e personalíssimo.

‘‘O fato do autor ter contratos rescindidos em função do episódio também é fato ensejador de dano moral, pois rompidas suas expectativas quanto a trabalho, notadamente por ter sido afastado da Brigada Militar. Ademais, o fato de ter sido vinculado a processo criminal do qual não era parte, por si só, caracteriza dano moral, ainda mais quando qualificado como o chefe da quadrilha’’, completou o julgador.

Considerando a gravidade da conduta e os princípios de razoabilidade, o juiz Oyama Assis Brasil de Moraes condenou os veículos da RBS a pagarem indenização de R$ 72 mil por danos morais. As empresas também foram condenadas pagar ao autor a quantia de R$ 1.200,00 mensais, por contrato. O valor deverá ser corrigido monetariamente mês a mês, desde abril de 2009, até o prazo final dos contratos, março de 2014, em parcela única.

Redução da indenização
As empresas e o autor recorreram da sentença ao Tribunal de Justiça. As empresas alegaram que, em nenhum momento, foi afirmado que o autor havia sido preso. Admitiram, porém, que este foi filmado de costas e de perfil por alguns segundos.

De sua parte, o autor pediu o aumento do valor indenizatório para os danos materiais, destacando o quanto deixou de ganhar na rescisão dos contratos firmados com seus clientes.

A desembargadora Marilene Bonzanini, que relatou a dupla Apelação na 9ª Câmara Cível, após discorrer sobre a necessidade de conciliar o direito de informação com o respeito aos demais direitos fundamentais, analisou as particularidades do caso concreto.

Segundo ela, a controvérsia trazida aos autos tem relação tanto com a veracidade da notícia quanto em relação à forma pela qual os elementos informativos foram concatenados e que ensejaram o dever de indenizar por danos morais. ‘‘Neste caso, o problema está muito mais quanto à forma da divulgação, já que a matéria refere a decretação da prisão de ‘um dos 59 policiais do Vale do Sinos denunciados por diversos crimes’, além de referir que os ‘PM’s usariam estrutura da Brigada para bico’, trazendo a foto do autor. Evidente a abusividade na matéria, inclusive porque a magistrada condutora da audiência na ocasião não permitiu a tomada de imagens’’.

Com este quadro, enfatizou, qualquer pessoa que assista à reportagem chega à inexorável conclusão de que o autor, fotografado, foi efetivamente condenado pela acusação mencionada.

Entretanto, a julgadora decidiu baixar de R$ 72 mil para R$ 30 mil o valor da reparação moral, por entender como suficiente na compensação dos prejuízos desta ordem. E negou, por fim, o pedido material, pois é vedado a policiais militares exercer atividade de segurança privada.

A relatora justificou: ‘‘Aliás, era exatamente por isso que o demandante respondia na ocasião dos fatos, sendo inclusive considerado culpado pelo Conselho de Disciplina da Instituição (fls. 247-251). Enfim, se lhe é vedado exercer a atividade, não se justifica receber valores pela respectiva prestação, motivo pelo qual estou provendo o apelo da ré para julgar improcedente a pretensão pelos danos materiais’’.

Participaram do julgamento, seguindo o entendimento da relatora, os desembargadores Tasso Caubi Soares Delabary e Leonel Pires Ohlweiler.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.
 

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