Mão invisível

Conflitos com Ecad justificam agência reguladora

Autor

  • Helder Galvão

    é advogado sócio do escritório Candido de Oliveira Advogados e secretário-geral da Comissão de Direitos Autorais da OAB-RJ.

15 de junho de 2012, 8h00

Spacca
Já defendia Adam Smith no século XVIII que os indivíduos normalmente tomam melhores decisões se deixados a agir por conta própria, sem a mão opressiva do governo conduzindo suas ações. Segundo o teórico do liberalismo econômico, os participantes da economia são motivados por seus próprios interesses e que a “mão invisível” do mercado conduz esses interesses de maneira que seja promovido o bem-estar geral.

Guiada, portanto, na defesa de seus interesses, afinal suas obras musicais eram executadas nos teatros, sem nada receber, Chiquinha Gonzaga fundou a primeira associação do gênero no país e, em seguida, no embalo, foram criadas diversas outras associações musicais. Numerosas, porém com interesses convergentes pela cobrança da execução pública das músicas de seus filiados, essas associações resolveram criar um escritório central, o Ecad, de modo a concentrar nele todos os poderes de arrecadação e distribuição dos valores obtidos por cada execução pública da música.

A mão invisível, assim, passa a organizar o setor, tornando o sistema de arrecadação de direitos autorais robusto e eficiente, atingindo, a cada ano, altas cifras. Porém, o preço cobrado e o critério estabelecido pelo Ecad contra cada executante, sejam eles rádios, TVs, motéis e consultórios médicos, afeta o equilíbrio do mercado, onerando-os excessivamente e culminando na bizarra situação de que hoje o Ecad é um dos maiores litigantes do Judiciário em razão da desobediência desses estabelecimentos no pagamento dessas cobranças.

Sem qualquer freio, a mão invisível do Ecad tendeu, ainda, para a insatisfação dos seus beneficiários, os próprios músicos e legítimos interessados pelo recebimento de valores pelo uso de suas obras. O sistema, então, é desvirtuado, arrecadando-se muito, mas distribuindo-se muito pouco, num autêntico gargalo.

O recente clamor dos artistas no Congresso Nacional transborda a tensão vivida pelo setor, numa espécie de efeito colateral desta falha no mercado de arrecadação de direitos autorais no país. A externalidade gerada pelo Ecad, portanto, é negativa, ou seja, provoca um impacto no bem-estar de quem deveria ser o beneficiado por esse sistema. Assim, a atuação do governo, por meio da recém-encerrada CPI, tem por objetivo modificar essa externalidade, internalizando-a, ou seja, corrigindo essa falha decorrente do poder de mercado do Ecad.

Logo, é positiva a conclusão da CPI no sentido de se criar uma instância própria, administrativa, para mediar os conflitos do sistema de arrecadação de direitos autorais no país. Sugere-se, também, a supervisão estatal, por mais que isso cause náuseas aos mais liberais. Neste sentido, a criação de uma agência regulatória para o setor pode ser o caminho para atingir o ótimo social. Por fim, não se negue a importância do Ecad. No entanto, que se faça bom uso da mão invisível.

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