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Ex-chefe do MP deve ser indenizado, decide Justiça gaúcha

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13 de junho de 2012, 15h36

O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, deve indenizar em R$ 20 mil o ex-procurador-geral de Justiça do Estado, Mauro Renner, por crime contra a honra. A condenação foi confirmada pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sessão de julgamento no dia 28 de março.

Nos dois graus de jurisdição, ficou decidido que o médico ‘‘desbordou dos limites do direito à crítica’’ durante debate num programa jornalístico. Ao se exceder no direito à livre manifestação e opinião, ele extrapolou o âmbito da liberdade de expressão, denegrindo a reputação do procurador — o que ensejou o pedido de reparação moral.

Argollo deu a entender que a decisão de arquivar a investigação sobre a governadora Yeda Crusius aconteceu por “troca” da sua nomeação ao cargo de procurador-geral do Estado — cargo ocupado durante o biênio 2007-2009. E mais: disse que o Ministério Público é subordinado ao Poder Executivo estadual e que o então ex-procurador era ‘‘afilhado’’ de Yeda — ‘‘pois é quem o nomeia’’.

O processo-crime instaurado para apurar irregularidades na aquisição do imóvel no bairro Petrópolis, na capital, avaliado em R$ 750 mil, acabou arquivado em dezembro de 2008, depois do parecer do procurador-geral de Justiça Mauro Renner. O MP entendeu que a compra foi feita com recursos pessoais da governadora.

O caso
As manifestações do líder classista foram feitas durante a apresentação do programa ‘‘Guerrilheiros da Notícia’’, editado por uma TV de Porto Alegre, no dia 16 de janeiro de 2009. Num dado momento do programa, ao justificar as razões de por que não foi atendido pelo ex-procurador-geral, Paulo de Argollo Mendes saiu-se com várias ilações. No momento, ele foi apertado — e contestado — pelo desembargador Túlio de Oliveira Martins, do TJ-RS, convidado do programa. O comando do programa era do jornalista Antônio Carlos Baldi.

Alguns trecho polêmicos foram assim transcritos pela Justiça, ipsis literis:

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – eu queria lembrar de duas coisas aqui, só para não passar, que é o papel de três ministérios. O ministério da educação, eu entendendo de alguma forma, é fiador, quer dizer, se eu entro numa faculdade que ta reconhecida, fiscaliza e autoriza pelo Ministério da Educação. (…) Diante de tudo isso que tava acontecendo e entendendo que havia um direito difuso da população em jogo, eu pedi para conversar com o Dr. Renner, Mauro Renner, que não pôde me atender, imagino que estivesse ai às voltas com a casa da Dona Yeda, que foi quem indicou ele, afinal, para ser o chefe do Ministério até porque ele é candidato de novo. Tava ocupado. Bom, nos protocolamos lá um pedido de providência, fizemos a mesma coisa no Ministério Público Federal e até agora..

(…)

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – não vi nada. E agora já resolveram o problema da governadora. Então, o dr. Mauro Renner poderia, quem sabe, ter tempo agora para resolver essa questão que, afinal, é de cento e quarenta e três mil alunos, cento e quarenta e três mil alunos. Fizesse lá um termo de ajustamento de conduta. Eu sempre digo, brinco o seguinte, ó. Quem quer fazer alguma coisa ilegal, chama o Ministério Público e faz um termo de ajustamento de conduta, que aí tu pode ir levando a ilegalidade mais um tempo né.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, não. Pára um pouquinho, Argollo, eu não posso concordar com essas…com as duas coisas.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – diga as duas.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – primeiro lugar, o termo de ajustamento de conduta, ele não chancela nenhuma ilegalidade, o que ele faz é o seguinte, ele orienta e estabelece determinadas metas para aquilo que está irregular se torne regular. Não é o ilegal. Não é o ilegal.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – ele estabelece prazo para que o ilegal se torne…

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, não…nao. Não o ilegal.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – vou te dar um exemplo. Aqui, aqui na prefeitura. A prefeitura terceiriza os médicos do PSF. Saúde é atividade primordial da instituição publica, ela não pode terceirizar a sua função fim. Eu ponho uma fábrica de salsicha e terceirizo a produção de salsicha. A lei proíbe, a lei proíbe. Bom, ao o que ele faz? Ele diz: “olha, mas não posso fazer isso de um dia para o outro”. Chama o Ministério Público, faz um termo de ajustamento de conduta e continuam os médicos lá com o contrato laranja.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, não, mas há um prazo para que ele…

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – não, há um prazo, há um prazo, não é indefinido. É isso que eu digo. Se tu que fazer alguma coisa ilegal…

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, não.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – tu não vai poder fazer para o resto da vida, tu tem que fazer por um tempo. Para fazer um tempo, chama o Ministério Público.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, não, isso aí, está sendo maledicente. E a outra coisa é em relação ao Dr. Mauro Renner.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – eu não to sendo maledicente.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – está, em relação…

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – eu to até aqui com esses termos de ajustamento de conduta que faz, o Ministério Público.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – tá. Bom…bom…

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – E que acaba protegendo quem descumpre a lei.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – em relação…em relação ao Dr. Mauro Renner, eu quero dizer o seguinte, o Procurador-Geral de justiça do estado do Rio Grande do Sul, ele é escolhido através de uma votação direta de procuradores e promotores, que elaboram uma lista tríplice. Os três mais votados são submetidos ao governador do estado. E já, de muito tempo, existe uma tradição que o governador do estado escolhe o mais votado, e mais uma vez foi o doutor…

(…)

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – ela escolheu entre três.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, mas ah, pára Argollo.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – mas podia ter escolhido outro. Ainda mais a nossa governadora, ela diz que a característica dela é fazer ..

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – sinceramente, tu pode mais, tu ta ofendendo uma pessoa sério, que é o mauro Renner, por causa de uma decisão dele com a qual tu não concorda e da qual cabe recurso. Ta. Ele foi votado pelos colegas, foi o mais votado e foi para a escolha da governadora. É uma formalidade. Nenhum governador escolhe o que não é mais votado. Agora, quer saber a minha opinião? Eu acho que deveria ser diretamente o mais votado e devera ser empossado pelo que estava em exercício. É a minha maneira de ver. Agora, é assim que funciona. Agora, ele não recebeu favor de ninguém, não caiu de pára-quedas na função. E é uma pessoa séria e não fez nada errado.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – e veja..e veja.. isto. Mas a lei permitiria que ele recebesse favores. Eu to criticando a lei, não to criticando o Mauro Renner. Eu to dizendo o seguinte.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não, eu acho que tu ta criticando o mauro Renner. Não, eu acho que tu ta criticando o mauro Renner, tu ta dizendo que ele agora vai ter tempo, que ele quebrou o galho da governadora no caso da casa, pára um porquinho.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – não, eu não disse quebrou o galho.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – não.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – eu disse que ele estudou com afinco.

(…)

‘‘Dr. Antônio Carlos Baldi – não é ela que escolhe.

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – é ela que escolhe.

‘‘Antônio Carlos Baldi – não é ela que escolhe. Ela abençoa. A escolha foi feita pelos pares dos procuradores, mas que…

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – então é pior… ele é.. o procurador-geral é um afilhado.

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – afilhado de quem?

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – se ela abençoa..

‘‘Dr. Túlio de Oliveira Martins – ah.

‘‘Dr. Antônio Carlos Baldi – não, mas pára aí. Argollo…

‘‘Dr. Paulo de Argollo Mendes – olha aqui, ó, o fato é o fato. O ministério público é subordinado de certa forma ao executivo, na medida em que seu procurador-geral não é procurador-geral se não tiver, como diz o baldi, a benção da governadora.’’

(…)

Defesa da honra
O procurador Mauro Renner ajuizou uma Ação de Indenização por Dano Moral contra Argollo junto na 12ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Alegou que as manifestações repercutiram negativamente entre os membros do Ministério Público. Deixou o quantum indenizatório ao livre arbítrio da Justiça.

O médico apresentou contestação. Afirmou que participou de um debate relativo à situação da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), manifestando a falta de compromisso do Ministério Público em relação ao pedido de providências protocolado pelo Simers. Garantiu que, em nenhum momento, ofendeu a moral do autor, o que deixou bem claro durante sua explanação. Disse que a transcrição do programa demonstra tal fato.

Críticas com endereço certo
Ao analisar o mérito da demanda, a juíza Vanise Rohrig Monte afirmou que a gravação do programa e as testemunhas demonstram, claramente, que o médico fez críticas endereçadas ao procurador-chefe do MP, na época, candidato à recondução ao cargo. Considerou as declarações lançadas foram ofensivas à conduta do autor. Diante deste reconhecimento, condenou o médico a pagar R$ 20 mil de indenização ao procurador, a título de danos morais.

O médico interpôs recurso no Tribunal de Justiça. Alegou cerceamento da defesa, pois não foi intimado pessoalmente para a audiência, nem seu advogado. Além disso, o juízo não abriu prazo para apresentação de memoriais, nos termos do artigo 454, caput, e parágrafo 3º do Código de Processo Civil (CPC). Discorreu acerca da violação do princípio do contraditório no momento do depoimento das testemunhas.

A relatora da Apelação na 9ª Câmara Civil, desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, inicialmente julgou as questões preliminares suscitadas pela defesa do autor. Citando excerto de julgado na corte, afastou a tese de nulidade da audiência sob o fundamento de que não houve a intimação pessoal do réu. ‘‘Isso porque inexiste previsão legal de intimação pessoal das partes acerca da realização das audiências, excepcionados os casos daquele que deva prestar depoimento pessoal’’.

Sobre a ausência de abertura de prazo para apresentar memoriais, citou as disposições do artigo 545, parágrafo 3º, do CPC, que diz: “quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído por memoriais, caso em que o juiz designará dia e hora para o seu oferecimento”. Ou seja, a abertura de prazo para apresentação dos memoriais é facultativa ao julgador — e não obrigatória. No caso concreto, a magistrada informou que, embora devidamente intimadas, nenhuma das partes compareceu à audiência — o que explica a fala de debates e a oferta do contraditório.

Em relação ao mérito da causa, a relatora disse que a sentença deveria ser mantida por seus termos. ‘‘Indiscutível, no presente caso, a obrigação indenizatória, uma vez que presentes os pressupostos básicos para a caracterização do dever de indenizar, tais: conduta antijurídica, dolosa ou culposa, nexo entre o ato ilícito e o dano e, por fim, o dano.’’

Para a relatora, a crítica ao Poder Público pode ser exercida. ‘‘Contudo, deve sempre respeitar certos parâmetros, certos limites, impostos à intimidade pessoal e a imagem das pessoas públicas – e demais direitos fundamentais, consagrados pela Constituição da República.’’

O entendimento foi seguido, por unanimidade, pelos outros dois desembargadores presentes à sessão de julgamento — Leonel Pires Ohlweiler e Marilene Bonzanini.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

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