Opressão estatal

Proibição de fumódromos é uma medida antidemocrática

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11 de junho de 2012, 17h26

Ao contrário do que ocorre na ditadura, que se caracteriza pela existência de mais proibições que liberdades, na democracia, há mais liberdades do que não liberdades, com o reconhecimento de direitos tanto para maiorias como para minorias.

Nas sociedades modernas, o democrático consenso social não se consegue apenas através da unanimidade na aprovação de normas, nem muito menos pela simples submissão das minorias à maioria. Resolve-se a questão assegurando-se sempre o exercício de direitos também às minorias.

Para a proteção dos não fumantes, não precisava o Estado impor sobre os fumantes toda a sua força de opressão, a ponto de ferir-lhes a liberdade, integrante da dignidade humana, impondo-lhes exagerada discriminação.

Todavia, ao invés de apenas restringir o direito dos fumantes, resolveu a Lei 12.546/2011 (art.49, que deu nova redação aos artigos 2º e 3º, da Lei 9.294/96), por via oblíqua, decretar a absoluta proibição de fumar. Aliás, a proibição de fumódromos em espaços internos dos estabelecimentos de uso coletivo e a consequente expulsão dos fumantes para as ruas equivalem a uma verdadeira execração. É como se o Estado, personificado, dissesse: Aquele que quiser continuar praticando essa gravíssima conduta antissocial, que vá fazê-lo na rua, segregado, no lugar onde se encontram os culpados pelas mortes de crianças e idosos por doenças pulmonares.

Fica assim comprometido, como se vê, o direito fundamental à liberdade (CF, art.5º) que, se não pode ser mitigado por Emenda Constitucional (CF, art.60, §4º, IV), muito menos por lei ordinária e, pior ainda, por conversão de medida provisória, com visível vício de iniciativa (Med.Prov.540/2011).

Ora, liberdade é escolha. Escolha da identidade, do ambiente, da profissão, da crença, da filosofia de vida, do comportamento.

Se o cidadão não puder escolher sua posição em relação a uma droga lícita, não terá liberdade. Consiste a liberdade, pois, em poder o indivíduo fazer o que não prejudica outrem. Isso vale para liberdade de fumar e para a liberdade de não fumar, de tal maneira que não pode o fumante prejudicar o não fumante e este não pode prejudicar aquele. A melhor solução seria reconhecer, ainda que com restrições, algum direito aos fumantes, pena de afronta ao princípio da isonomia no tratamento aos cidadãos (CF, art.5º), à dignidade humana e à cidadania (CF, art.1º, II e III).

Em outros termos, no regime democrático, a liberdade da maioria não pode ser legitimada quando prejudicar de modo absoluto a liberdade da minoria.

Não se trata aqui de dar proteção a quem vende ou usa droga ilícita. Cuida-se de impedir que o cidadão que compra e usa droga lícita se sujeite a tão severa censura pública, como se não pudesse encontrar mais espaço para convívio social ou tivesse que ser condenado definitivamente à segregação.

Além disso, se a defesa do consumidor é importante fundamento da ordem econômica (CF, art.170, V), forçoso reconhecer que o fumante é também consumidor a merecer igual proteção legal. É tão cumpridor de obrigações e pagador de tributos quanto o não fumante. Algum direito há de lhe ser reconhecido, tal como admitia a lei anterior, que lhe destinou espaço interno nos estabelecimentos de uso coletivo, adequadamente adaptado, sem afronta ao Decreto Federal 5.658, de 2 de janeiro de 2006, que promulgou a Convenção sobre Controle do Uso do Tabaco.

Delinquentes de toda ordem podem continuar no espaço interno de qualquer estabelecimento, lançando ostensiva ou discretamente suas maléficas influências ao ambiente. Já os fumantes merecem segregação absoluta, como se a discriminação não fosse vedada pela ordem constitucional vigente (CF, art.3º, IV).

Ademais, antes de qualquer alteração legislativa, necessário seria analisar e debater também o grau de influência do uso do fumo ativa ou passivamente no aparecimento de doenças, quando considerados outros fatores, como as mudanças de clima, a poluição do ar decorrente de resíduos lançados pela atividade industrial e pelos veículos no trânsito.

A queima da palha de cana de açúcar no interior de vários estados, por exemplo, continua causando gravíssimas e até mortais doenças respiratórias em crianças e adultos, além de destruir aquíferos, fauna e flora da região, mas os infratores da legislação ambiental nessa área não têm contado com perseguição de igual tamanho por parte do Estado.

A propósito, o Estado nenhuma medida tem adotado contra a construção de subestações e expansão de linhas de alta tensão de eletricidade sem a observância de padrões internacionais de segurança à saúde das populações do entorno. Há comprovação de que filhos de empregados de empresas fornecedoras de energia elétrica, ainda crianças, moradores nas subestações de transformação de força, em grande número, foram acometidos por leucemia, em circunstâncias que confirmam nexo de causalidade com a radiação eletromagnética a que foram ali submetidos.

Há restaurantes e bares próximos a tais áreas, que podem receber a nociva radiação eletromagnética, que atinge quem não bebe e quem não fuma. Mas não podem receber os cidadãos fumantes.

Nas praças centrais de São Paulo, incluindo o Largo São Francisco, em frente à Secretaria da Segurança pública, meninos e meninas entre 10 e 12 anos, já iniciados no vício, fazem uso da droga ilícita pesada a céu aberto e sob o nariz das autoridades policiais. Drogas que levam os jovens à violência, porque lhes tiram a consciência, corrompendo parte física do cérebro, com sequelas permanentes e que, por consequência, não destroem apenas a saúde e a vida dos usuários, mas também a dos familiares.

Isso aponta para o fato de que a lei antifumo não passa de instrumento de falsa campanha, enganosa propaganda de que o governo estaria fazendo tudo pela saúde pública, inclusive destacando a polícia para fiscalizar. Mera tapeação, porque nada funciona no Estado. Nem educação, nem segurança e muito menos a saúde pública.

Sendo possível a manutenção de espaços internos separados e isolados, com ventilação adequada, nos estabelecimentos de uso coletivo, esse deveria ser o caminho ideal a ser adotado pela legislação inspirada na democracia.

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