Papel distorcido

"Imprensa faz publicidade opressiva em alguns casos"

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10 de junho de 2012, 18h16

A imprensa faz publicidade opressiva em casos de grande repercussão. A afirmação foi feita pelo advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, ao ser questionado  pela jornalista Mônica Bergamo, em entrevista ao programa Ponto a Ponto, da emissora de TV por assinatura BandNews, sobre o fato de defender políticos acusados de corrupção, sobretudo no processo do mensalão. Ele é advogado de José Roberto Salgado, ex-vice presidente do Banco Rural, no processo do mensalão, e defende também Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O programa foi transmitido na noite sábado (9/6) e tem reprise às 20h30 deste domingo (10/6).

“A grande imprensa tomou partido, elevou tudo a um ponto simbólico muito forte”, disse ele se referindo ao caso do mensalão. "Mesmo integrando um valor constitucional da mais alta nobreza, a imprensa não está livre de sofrer críticas”, ressaltou. O ministro lembrou de casos paradigmáticos onde a opinião pública atropelou o devido processo penal, como no caso Suzane Richthofen, quando a estudante acusada de matar os próprios pais foi julgada em meio ao clamor público.

Lembrando Nelson Hungria, o entrevistado classificou como “publicidade opressiva”, o papel da mídia em casos como o de Richthofen, do casal Nardoni e mesmo o do assassinato da atriz Daniela Perez. “A vigilância da imprensa é fundamental, mas às vezes ela erra”, disse. “É uma máquina que empurra a todos, como uma tragédia grega, em que tudo já aconteceu, cabendo assim a encenação, quando chancela o veredito definido lá atrás”, declarou.

Para o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, quando o assunto é aperfeiçoamento da democracia e consolidação de valores civilizatórios, não há atalho nem saltos evolutivos. Trata-se de um processo longo e gradual que depende mais do fortalecimento de valores sociais e amadurecimento das instituições do que de virtudes individuais. “É um processo, as coisas não dão saltos. Concordo com a ideia de Montesquieu que postula que a sociedade não se constrói sobre a virtude dos homens, mas sobre a força de suas intituições”, disse Márcio Thomaz Bastos, citando o filósofo francês.

Ele também falou sobre sua experiência na advocacia. “Já estive de ambos os lados. Já defendi causas que em tive a opinião pública — e publicada — a meu favor. É uma delícia. Mas já enfrentei a maré, estando absolutamente na minoria, o único a segurar a mão do réu no fim da escada, crucificado e contra o vento”, contou.

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, e ao cientista social Antonio Lavareda, Thomaz Bastos disse que é necessário termos consciência que é imprescindível dispormos de uma Polícia que investigue, um Ministério Público que acuse, um Judiciário que julgue e um sistema penitenciário que, pelo menos “ não alimente a reinscidência”. Mas que não se pode pensar que atropelar esse processo irá nos conduzir a um maior rigor na correção de maus hábitos e no aperfeiçoamento da democracia e da Justiça, segundo ele.

Depois de assistir a uma reportagem, veiculada no programa, que informou que 7 em cada 10 brasileiros são interessados em política, ao contrário da alienação endêmica apregoada pelo senso comum, Thomaz Bastos observou que há uma distorção provocada pelo fato de, no Brasil, a corrupção estar mais exposta e ser mais combatida do que jamais foi.

“Vamos chegar a um ponto em que a democracia, por sua própria prática, vai resolver isso”, disse. “Lembremos que, no início do século passado, na Câmara dos Comuns, no Reino Unido, havia um guichê onde os parlamentares recebiam o dinheiro, uma espécie de mensalão da época. [A depuração gradual de costumes] não impediu que a Inglaterra se tornasse um país altamente democratizado. Isso dá a esperança de que, pela reiteração dos usos, possamos encontrar isso, um outro patamar de regime democrático”, avaliou.

Sobre o aperfeiçoamento das práticas investigativas em contraponto às operações pirotécnicas promovidas por autoridades policiais, o advogado lembrou que o processo de aprimoramento não está livre de “imaturidades”. “A Polícia Federal precisa de tempo. Essas instituições, quando sobem de nível, passam a um novo paradigma, precisam passar pela infância e adolescência. Muitas vezes, são acometidas por doenças infantis, como uma ‘cachumba’. [Isso] é expresso na vontade de vazar documentos, por exemplo”, disse o ex-ministro. “Mas existem mecanismos para coibir isso. Essas coisas vão desaparecer pois terão de ser trabalhadas em um nível de civilização, numa perspectiva de amadurecimento”.

Márcio Thomaz Bastos observou, contudo, que a Polícia Federal vive um período de sofisticação e refinamento de suas práticas em um intenso processo de amadurecimento e transição. Provocado pelo sociólogo Antonio Lavareda, que disse que o sistema político brasileiro compreende quatro vícios graves (o sistema proporcional de lista aberta, coligações nas eleições proporcionais, ligações ad hoc e a falta da cláusula de barreira), o ex-ministro da Justiça ponderou que a reforma política, embora seja importante, na sua visão, não é imprescindível. “A reforma política não é tão fundamental. Tenho muitas dúvidas sobre voto distrital e lista fechada. No mundo inteiro existe essa discussão. Não há um modelo claro”, disse.

O entrevistado ainda argumentou que o aprimoramento das instituições e a correção de maus hábitos é fruto dos tempos e que os valores seguem uma lógica histórica. “Quando comecei a advogar, o imposto de renda era facultativo, pois não havia sanção, não havia repressão. Depois, a Receita criou todo um programa, inclusive de jogar símbolos sobre o cidadão, como o ‘leão’, e todos se viram na obrigação de pagar”, disse. “Os hábitos se refinam. Molhar a mão do corretor, por fora, na compra de um imóvel era muito comum até há pouco tempo. Hoje é cada vez menos frequente.”

Confira a íntegra da entrevista aqui

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