Embargos Culturais

Louis Brandeis e o realismo jurídico norte-americano

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

10 de junho de 2012, 10h27

O jurista norte-americano Louis Dembitz Brandeis nasceu em 1856 e faleceu em 1941. Brandeis destacou-se com ousada advocacia, bem como posteriormente foi nomeado juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

Descendente de judeus de Praga, Brandeis nasceu na cidade de Louisville, no estado de Kentucky. Estudou em escolas públicas de seu estado natal, deu continuidade a sua educação na Alemanha, em Dresden, e posteriormente estudou direito em Harvard. Bacharelou-se em 1877, obtendo as notas mais altas até então outorgadas pela instituição. Advogou um pequeno período em St. Louis e posteriormente montou escritório em Boston com um antigo colega de faculdade. A banca Warren & Brandeis concentrava-se na defesa de pequenos comerciantes (cf. STRUM, 2002, p. 70).

Brandeis aproximou-se de sindicatos e a advocacia em prol de trabalhadores começou a tomar seu tempo e sua atenção, o que lhe suscitou um permanente e crescente engajamento político. Desenvolveu uma série de trabalhos pelos quais nada cobrava, defendendo trabalhadores, concebendo sistemas populares de poupança, adiantando-se na proteção de recursos naturais e enfrentando judicialmente o monopólio do transporte (cf. STRUM, 2002, loc.cit.).

Intensa atividade em prol de interesses populares granjearam a Brandeis o epíteto de Advogado do Povo- People´s Attorney. Em 1908, no caso Muller v. Oregon, no qual se discutia a limitação de horas de trabalho para mulheres, Louis Brandeis inovou no direito norte-americano ao protocolar petição de mais de 600 páginas, com pouquíssimo referencial jurídico tradicional, porém com denso material sociológico e fático; trata-se do Brandeis Brief. Brandeis havia encetado extensa pesquisa, de modo que suas petições consubstanciam riquíssimo material que concentrava entendimentos dos mais variados campos do conhecimento. Inspetores de fábricas, médicos, sindicalistas, economistas, assistentes sociais, havia todo tipo de impressões e depoimentos (cf. WOLOCH, 1996, p. 28). Brandeis inaugurava a interdisciplinariedade no modelo norte-americano.

As petições de Louis Brandeis representam um avanço na linguagem jurídica norte-americana, até então centrada no modelo CREAC, que ainda é utilizado onde não haja necessidade de incursões mais profundas sobre matéria de fato. O CREAC consiste em seis passos que o advogado deve rigorosamente seguir. Em inglês, a sigla indica Conclusion, Rule, Evidence, Analysis e Conclusion.

Isto é, o advogado deve começar imediatamente identificando a conclusão que irá alcançar. Ato contínuo, enuncia as regras de direito ou os precedentes que pretende explorar, e nos quais se baseiam sua causa de pedir e o próprio pedido. Em seguida, apresenta as provas que detém em favor das conclusões que pretende chegar. Subseqüentemente, apresenta uma análise das matérias de fato e de direito, preparando o passo final, que se reporta à primeira idéia, isto é, aproximando a conclusão final da idéia lançada logo no início do texto.

Brandeis concentra-se na análise e encaminha ao julgador amplo material que vincula a regra do direito à vida real. O argumento jurídico não passa de duas páginas, a única parte concisa da petição que protocola. No caso específico de que trato, Muller v. Oregon, Brandeis apresentou uma seção que denominou de A Experiência Mundial- The World´s Experience, na qual concentra-se em demonstrar as vantagens que há em se determinar que mulheres tenham jornadas de trabalho mais curtas. Comprova também as desvantagens que há em se determinar jornadas de trabalho longas. Toca em temas médicos e sanitários, a exemplo de maternidade, doenças pélvicas, problemas menstruais, abortamentos, nascimentos prematuros, mortalidade infantil, problemas com a prole (cf. WOLOCH, 1996, p. 29).

As peças de Brandeis eram efetivamente inovadoras. A ligação entre o direito dos livros e o direito da vida real, sob fortíssima argumentação social, fornece a tônica de suas linhas de raciocínio, o que matizam Brandeis como o grande advogado do realismo jurídico, tudo antes de sua ida para a Suprema Corte.

Em 1916 Brandeis foi indicado para ocupar vaga na Suprema Corte norte-americana, posição que ocupou até 1939. Brandeis foi indicado pelo Presidente Woodrow Wilson. Como juiz Brandeis desenvolveu extensa jurisprudência baseada em fatos sociais. Repetidas vezes votou contra o grande capital. Defendia o poder dos estados no sentido de produzirem legislação que fosse ao encontro dos problemas sociais localizados. Defendia minimalismo judicial, na medida em que acreditava que ao judiciário não era adequado apropriar-se de todos os problemas sociais, que poderiam ser resolvidos pelo legislativo e pelo executivo (cf. STRUM, 2002, p. 71).

Brandeis destacou-se também como sionista, embora reconhecesse que ao longo de sua trajetória vivera afastado dos problemas judaicos (cf. STRUM, 1984, p. 248). No entanto, quando fora cogitado para a Suprema Corte, para a vaga aberta como falecimento de Joseph Lamar, o fator de ser judeu lhe causou relativa oposição (cf. STRUM, 1984, p. 294). Ao que consta, a posse de Brandeis causara deleite em Oliver Wendell Holmes Jr., outro advogado partidário da jurisprudência sociológica, que iria auxiliá-lo no combate contra os demais juízes da Suprema Corte, que sistematicamente interferiam nos experimentos sociais que a nova legislação vinha propondo (cf. STRUM, 1984, p. 309). Holmes e Brandeis com freqüência votavam de modo igual. A notícia de que Holmes e Brandeis foram votos vencidos tornou-se uma característica da Suprema Corte norte-americana (cf. STRUM, 1984, loc.cit.).

Brandeis levou o realismo jurídico para um ponto de equilíbrio, na defesa de um liberalismo moderado que assegurasse liberdades individuais, em prol da comunidade:

Uma das maiores contribuições de Brandeis para o direito e para a teoria política se deu no campo das liberdades civis. Ele entendia a liberdade de expressão e o direito à privacidade como necessários para o desenvolvimento do indivíduo, bem como para a criação de cidadãos educados, circunstâncias necessárias para um Estado democrático. Livre expressão, privacidade, educação e democracia são elementos de um sistema político ideal. Conseqüentemente, a democracia deve ser definida como a regra da maioria com proteção total para direitos individuais (STRUM, 1993, p. 116).

Brandeis apoiou as iniciativas legislativas de Franklyn Delano Roosevelt, ao longo do programa de intervencionismo estatal que caracterizou o New Deal (cf. MURPHEY, 1983, p. 152). A associação do realismo jurídico com o programa anti-depressivo de Roosevelt, o New Deal, é uma das marcas mais características do movimento, que, nesse sentido, deve a Brandeis a ligação que se implementou. Louis Brandeis caracteriza a inserção do realismo jurídico na política judicial, realizando, sem traumas ou desconfianças, a previsão de que o direito é o que os juízes querem ou dizem que o direito seja.

BIBLIOGRAFIA:

MURPHY, Bruce Allen. The Brandeis/Frankfurter Connection. Garden City: Anchor, 1983.

STRUM, Philippa. Brandeis-Beyond Progressivism. Lawrence: University Press of Kansas, 1993.

STRUM, Philipa. Louis D. Brandeis- Justice for the People. New York: Schoken, 1984.

WOLOCH, Nancy. Muller v. Oregon- A Brief History with Documents. Boston: Bedford, 1996.

STRUM, Philipa. Brandeis, Louis Dembitz, in HALL, Kermit L., The Oxford Companion to American Law. New York: Oxford University Press, 2002.

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