Constrangimento de autoridade

Punição pra publicidade opressiva é bem-vinda

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8 de junho de 2012, 19h30

Vemos por meio de estudos que o início da reforma do Código Penal de 1940 deu-se em 1961 onde o então Presidente Jânio Quadros nomeou determinada Comissão presidida pelo Ministro Nelson Hungria que apresentou o anteprojeto elaborado no ano de 1963 e ato contínuo foi promulgado no ano de 1969 passando a vigorar apenas em 1970.

Relatos nos mostram que houve sucessivas prorrogações da vacatio legis, vez que surgiram diversas emendas, revogando-se finalmente no ano de 1978. Um ano após, em 1980 o então ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel constituiu uma nova Comissão que foi presidida pelo professor Assis Toledo, sendo que esta foi destinada especialmente para rever a Parte Geral do Código Penal de 1940. Após as formalidades de praxe o referido projeto transformou-se na Lei 7.209, de 11 de julho de 1984.

Satisfeito com o resultado e sabedor da necessidade, o mesmo ministro formou uma nova comissão incumbindo-a de rever a Parte Especial do Código, isso com o mesmo presidente em exercício.

Ocorre que o ministro Ibrahim Abi Ackel teve que afastar-se do cargo por motivos particulares sendo substituído naquela ocasião pelo douto desembargador Luiz Vicente Cernicchiaro.

Constituiu-se uma nova comissão no ano de 1997, por meio do então ministro de Justiça na Íris Rezende Machado, seguindo-se o esboço do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal em todo o governo do Presidente Itamar Franco, que foi conhecido e passou-se a chamar Esboço Evandro Lins em homenagem ao ilustre presidente daquela Comissão.

A referida comissão presidida pelo ministro Vicente Cernicchiaro trabalhou por dois incessantes anos contando com a participação de 10 renomados juristas de todo o país.

O primeiro projeto foi publicado no Diário Oficial da União e na Internet no mês de março de 1998 recebendo sugestões de toda a sociedade até o mês de outubro do mesmo ano, como deveria ser.

Pois bem, calha-nos dizer que o anteprojeto sugere em seu bojo diversas modificações em relação ao código atual trazendo vários pontos controversos que deverão ser objeto de deliberação no Congresso Nacional.

Por fim, observa-se que a comissão trabalhou com completa autonomia, não sendo o anteprojeto necessariamente coincidente com o pensamento do Ministro e tão pouco do próprio governo à época.

Das diversas inovações sugeridas pela última comissão constituída, a que mais nos interessa para efeito do presente trabalho é a que trata da chamada publicidade opressiva disposta no anteprojeto em questão.

Um artigo incluído no projeto do novo Código Penal pune com pena de detenção o jornalista que divulgar notícia que contribua para influenciar ou induzir juízes, testemunhas e jurados, antes da decisão judicial definitiva de um processo.

O professor de Direito Penal Ney Moura Teles, integrante da comissão, considera que o objetivo da proposta se deu para assegurar o direito dos réus a um julgamento imparcial e isento, livre de pressões da imprensa e de entidades de classe.

Vale registrar que a punição para a chamada publicidade opressiva no curso do processo judicial já existe no Código Penal francês, de onde foi retirado o modelo para o projeto brasileiro. O dispositivo prevê uma punição de três meses a um ano de detenção, mas ainda poderá haver mudança no quantitativo da pena em virtude de uma próxima revisão a ser feita de todas as penas para estabelecer um critério de proporcionalidade de acordo com a gravidade dos crimes.

Imprensa e liberdade
Doutrinas relatam que nos primórdios havia uma vulgarização do conceito de imprensa uma vez que definia-se a palavra imprensa englobando em um mesmo conceito todos os produtos das artes gráficas, das reproduções por imagens e por processos mecânicos e químicos, envolvendo livros, gravuras, jornais, impressos em geral, hodiernamente, em virtude de seu grande desenvolvimento, essas mesmas artes se subdividiram, esgalhando-se em planos distintos, formando cada qual uma nova especialidade, o que tornou impossível jungir a imprensa ao conceito dos velhos tempos.

Urge, portanto, emancipá-la dos anexos, dando-se a conceituação moderna de jornalismo, desvinculando-a do conceito genérico de impressos.

Há muito o povo acostumou-se a considerar a imprensa como a publicidade através de jornais e revistas. Estas publicações é que constituem os órgãos da imprensa, aqueles que exprimem, definem e também plasmam a opinião pública.

Pois bem, não existe palavra que tenha recebido significados dos mais diversos e que tenha afligido pessoas de tantas maneiras como a liberdade, observava Montesquieu. Cada qual procura afeiçoá-la à sua vontade, aos seus costumes ou às suas inclinações.

É bem certo que a liberdade de imprensa não pode ter maior elastério que o daquela que se outorga ao cidadão, como condição de harmonia social, nos regimes democráticos.

O princípio de isonomia é necessário e indispensável para uma lei, pois se dentro do corpo social houver uma liberdade excessiva permitida a uns em detrimento de outros, o desequilíbrio abre brechas as dissensões e à desordem, e a licença invade o campo da liberdade.

Conforme pensamento de Montesquieu:

“O princípio da democracia se corrompe, não somente quando desaparece o espírito de igualdade, mas ainda quando se adota o espírito de igualdade extrema, em que cada um quer ser igual àqueles que escolheu para governar. Assim o povo, não podendo suportar o poder que ele mesmo confiou, quer fazer tudo por si próprio, deliberar pelo Senado, executar pelos magistrados, e despojar todos os juízes.”

A sociedade como o indivíduo, tem os seus direitos condicionados a um mínimo necessário à convivência pacífica. A liberdade emoldura-os, nos regimes democráticos. A lei informa-os, o poder assegura o seu exercício e a norma pela estabelece sanções para os abusos.

Nélson Hungria ressalta:

“Liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação do pensamento pela imprensa; mas, como todo o direito, tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios. A ordem jurídica não pode deixar de ser um equilíbrio de interesses: não é possível uma colisão de direitos, autenticamente tais. O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação do direito alheio. Em quase todo o mundo civilizado, a imprensa, pela relevância dos interesses que se entrechocam com o da liberdade das idéias e opiniões, tem sido objeto de regulamentação especial.”

Maurice Hauriou, por sua vez adverte:

“A liberdade da imprensa é o complemento indispensável da organização do Estado fundado sob o sufrágio; esta é outra maneira de elaboração da vontade nacional e serve de corretivo ao sufrágio popular. Este traduz a vontade do país, mas, no modo com que é organizado, freqüentemente a falsifica; a intervenção dos grupos eleitorais, a pressão administrativa, a consideração do indivíduo na escolha dos candidatos, o defeito de caráter dos eleitos são, constantemente causas de desvios. A imprensa se é livre, traduz muito mais exatamente a vontade nacional.”

Na opinião de Darci Arruda Miranda:

“A verdadeira missão da imprensa, mais do que informar e de divulgar os fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade.”

Mas, para que a imprensa alcance a plenitude de seu valor e represente, na vida de cada país, o seu verdadeiro papel de guia e fulcro dos interesses nacionais, há de seguir, irrestritamente, a sábia lição de Rui Barbosa, vejamos:

“Três âncoras deixou Deus ao homem: o amor da pátria, o amor da liberdade, o amor da verdade. Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara; mas a verdade mais cara que tudo. Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade. Porque este é o mais santo de todos os amores. Os outros são da terra e do tempo Este vem do céu, e vai à eternidade.”

A intimidade e a liberdade de imprensa
O direito à intimidade, conforme disposto por Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (pág.63):

“[…] consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.”

Nos textos das Constituições anteriores a 1988 o direito à intimidade sempre esteve presente, embora de forma implícita, enquanto a Constituição Federal de 1988 o traz de maneira expressa determinando no art. 5º, X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Este dispositivo faz a diferenciação entre o direito à intimidade e à vida privada, consagrando-os autônomos, daí não se poder utilizá-las como sinônimos. Todavia, há autores, como José Cretella Júnior, que não vislumbram tal divergência.

Os conceitos de intimidade e vida privada, constitucionalmente consagrados, apresentam grande interligação, porém, diferenciam-se por ser, o primeiro, menos amplo que o segundo, encontrando-se, portanto, no âmbito de incidência deste. Destarte, o conceito de intimidade refere-se às relações subjetivas e de foro íntimo das pessoas, como as relações familiares e de amizade. Já o conceito de vida privada engloba todos os relacionamentos das pessoas, inclusive os objetivos, como relações de trabalho, estudo etc.

A proibição de violar a intimidade decorre da exposição, cada vez mais crescente, a que estão sujeitas as pessoas.

O poder que a mídia exerce sobre as pessoas através da imprensa é grandioso e, muitas vezes, devido à arbitrariedade com que se apresenta, causa danos irreparáveis, pois não há um código de ética que defina os limites de sua atuação.

Damásio Evangelista de Jesus classicamente sintetiza o seguinte:

“Suponha-se que um sujeito lance ao vento as penas de um travesseiro do alto de um edifício e determine a centenas de pessoas que as recolham. Jamais será possível recolher todas. O mesmo ocorre com a calúnia e a difamação. Por mais cabal que seja a retratação, nunca poderá alcançar todas as pessoas que tomaram conhecimento da imputação ofensiva.”

Sendo assim, necessário se faz afirmar que a publicidade opressiva é, em última análise, um “julgamento” antecipado da causa realizado pela imprensa, que muitas das vezes conduz a um veredicto condenatório, prejudicando sempre o réu que acaba se tornando vítima da mídia como um todo.

Como se não fossem suficientes os ilimitados poderes que a imprensa confere a si, existem casos de informações falsas, forjadas, que expressam claramente a manipulação política da mídia, que além de exagerar fatos, falseia-os. Exemplo disso foi uma matéria sensacionalista publicada por repórteres de um jornal de larga circulação do estado do Rio de Janeiro, mostrando um casal que se diziam evangélicos vivendo em condições de miséria e que durante a entrevista, por serem dependentes de cocaína consumiam a droga em cima de uma Bíblia e na presença do filho de 8 anos. A simulação foi desvendada por colegas de profissão dos repórteres, tendo algumas testemunhas afirmado que o pó era maizena e o casal tinha sido pago para tal encenação.

Um outro exemplo dentre inúmeros divulgados na mídia foi o caso do ex-deputado estadual José Carlos Gratz (PFL-ES) que disse ter sido vítima do jornal Folha de S.Paulo que em certa oportunidade publicou matéria dizendo que o pefelista tinha um plano de fuga da polícia.

O referido deputado defendeu-se dizendo que estava indo de Brasília para Vitória de carro para evitar um "constrangimento de imprensa" no aeroporto. Ele afirmou que iria se entregar à polícia de Vitória e que já havia combinado isso com o delegado responsável pela investigação. Apesar de afirmar que não queria se submeter a um constrangimento com a imprensa, ele fez questão de conceder uma entrevista coletiva em Ribeirão Preto (SP) com intuito de tentar amenizar a sua própria situação.

Chegando à sede da Polícia Federal de Ribeirão ao ser abordado por jornalistas que o aguardavam, ele perguntou aos delegados da PF que o acompanhava se poderia dar declarações naquele momento, e incontinenti o ex-deputado tentou esconder, com a manga do paletó, as algemas dentro do carro. Sua preocupação era não se deixar ser fotografado.

O ex-parlamentar disse que queria evitar o assédio da imprensa porque ele estaria sofrendo uma "publicidade opressiva". Disse ele: "Sou vítima de uma publicidade opressiva, talvez das mais vergonhosas deste país. Tenho tentado evitar isso e não consegui".

Declarou ainda: "As acusações, o ônus da prova cabe a quem acusa. Eu posso garantir a todo o Brasil que eu não cometi nenhum ato criminoso em toda a minha vida", Gratz que poderia ter armado um plano de fuga para a Itália, como chegou a ser noticiado pela maldosa imprensa.

Pois bem, vemos ao longo dos tempos que na ânsia de divulgar notícias que consideram, de acordo com a sua conveniência, ser de interesse público, os jornalistas acabam invadindo a intimidade dos indivíduos, num total desrespeito aos direitos constitucionalmente consagrados. Isto posto, devemos questionar até que ponto é lícito à imprensa tornar público e publicar com relatos tendenciosos determinados atos e principalmente crimes cometidos por pessoas sob pretexto de levar a informação aos diversos setores da sociedade.

Diante do caso da divulgação, por jornalistas, de conversas entre dois servidores públicos interceptada e gravada por um desconhecido, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu — em maio de 2001, por uma maioria de 6 x 3 —  que tal divulgação não era ilícita, pois a gravação não foi feita pelos jornalistas nem por eles estimulada. Seis integrantes da Corte entenderam que há, no caso, conflito de interesses: de um lado o interesse público na divulgação da conversa (liberdade de imprensa) e de outro o interesse privado dos servidores (direito de ter sua intimidade preservada), prevalecendo o primeiro, tendo em vista que os servidores tratavam de assuntos públicos.

Consideraríamos tal posicionamento sensato e útil à informação pública se a nossa imprensa não fosse tão sensacionalista e despreparada a ponto de forjar situações chocantes e causadoras de impacto em quem lê ou assiste a notícia como a que citamos acima (maizena passando-se por cocaína).

Para que o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos seja aplicado pela nossa Corte Maior com o fim de levar a informação à sociedade (liberdade de imprensa), seria necessário termos uma imprensa, no mínimo, isenta e respeitadora dos direitos fundamentais do cidadão, caso contrário seria comum ver parentes e amigos, senão nós mesmos, envolvidos em situações aparentemente reais, mas que, na verdade, são simuladas.

Temos um caso muito conhecido da chamada publicidade opressiva e sensacionalista que mitiga a liberdade das pessoas impedindo-as de viver como seres humanos normais, como o que resultou na morte da Princesa Diana. Perseguida pelos paparazzi, a mulher mais fotografada do mundo foi vítima de um trágico acidente, que foi causado por tal perseguição, ficando provado o malefício que a imprensa pode provocar em determinados casos quando age de forma descompromissada com o próximo. Sabemos não ser este exatamente o parâmetro ora abordado, no entanto necessário se faz observar que a publicidade opressiva é mais ampla que a princípio pode-se imaginar.

O repórter especial do Jornal do Brasil, Luiz Orlando Carneiro cita no livro Jornalismo, Ética e Qualidade o seguinte:

“O que se espera da imprensa é um honesto e permanente esforço de isenção. Certa dose de subjetivismo, inevitável na seleção das notícias, não justifica operações de engajamento editorial. Omissões gritantes e promoções artificiais conspiram contra a credibilidade da mídia. Antipatias ou simpatias devem estar longe das redações. A matéria-prima do jornalismo é a informação. Seu único compromisso deve ser com a verdade. Há uma linha divisória clara entre o direito à informação e o direito à privacidade: o bem comum, o interesse público. O relacionamento entre os governantes e a mídia não pode ficar condicionado pelos esquemas de um show. As figuras públicas precisam superar a tentação do espetáculo. E os meios de comunicação social, independentemente do virtuosismo dos atores, não podem ser pautados pelo brilho da passarela política. A imprensa tem relevante papel de denúncia. Por isso, é cada vez mais importante debater e aprofundar os contornos éticos que envolvem o mundo da informação.”

As relações entre o direito à informação e o direito à privacidade não se podem entender adequadamente sem fazer referência a um dado muito importante: a necessidade de salvaguardar a liberdade pessoal. Se qualquer ação humana tivesse de ficar submetida à publicidade, não se poderia já falar de liberdade.

Bem como dizia Von Ihering:

“Aquele que for atacado em seu direito deve resistir; é um dever para consigo mesmo. A conservação da existência é a suprema lei da criação animada, porquanto ela se manifesta instintivamente em todas as criaturas; porém, a vida material não constitui toda a vida do homem; tem ainda que defender sua existência moral, que tem por condição necessária o direito: é, pois, a condição de tal existência que ele possui e defende com o direito.”

A publicidade
Temos que publicidade surge com o fato de dar conhecimento ao público de quanto se contém no escrito ou na exposição transmitida pelo rádio ou televisão. A publicidade, para as agencias noticiosas, ocorre com a distribuição da noticia.

Segundo a definição de Demortain:

“No sentido geral e corrente a publicidade é a característica daquilo que é público. Assim, quando se fala da publicidade das audiências do Tribunal ou das sessões da Câmara dos Deputados se entende por isso que o público é admitido nas mesmas. Realiza-se um ato de publicidade quando uma coisa se faz pública: tal é o caso de um particular que, possuindo uma obra de arte, autoriza o público a admirá-la. Faz-se também publicidade quando se trata de fazer conhecer do público sua pessoa, suas qualidades ou seu talento. Faz-se publicidade quando se propaga uma idéia, uma crença, uma opinião: um sábio pronuncia uma conferência para tornar conhecidos seus descobrimentos; um homem político organiza reuniões nas quais expõe o programa de seu partido; o governo de um Estado cria serviços de propaganda nos países estrangeiros. Tudo isso é publicidade.”

Ora, sem dúvida a imprensa constitui o maior e mais completo veículo de publicidade. Seja por meio de anúncios, notícias, crônicas, artigos, a publicidade pela imprensa ainda não foi superada pelo rádio ou pela televisão.

A sua maior e mais acentuada difusão em todas as camadas sociais, pela imanência do escrito e facilidade de leitura sem dependência de horário, torna a imprensa o veículo ideal para qualquer tipo de publicidade, de interesse público privado.

Publicação tendenciosa e afrontosa
Sabemos que a ofensa divulgada em jornais ou periódicos pode qualificar a difamação e a injúria, ainda quando a notícia, sendo verdadeira, é exagerada, tendenciosa ou afrontosa.

O exagero inocula-se de dolo, quando altera a verdade, ampliando a parte descritiva com outros condimentos vernaculares que tornem ridícula a pessoa visada, deformando os fatos, ou expondo-a ao desprezo público.

Segundo Ranieri, tendenciosa é aquilo que “embora sendo verdadeira e não exagerada, é, entretanto, difundida e comunicada de modo sugestivo, visando a atingir fim diverso do que aparenta”, o que vem a calhar em seu todo na publicidade opressiva.

Vemos que a publicação afrontosa vem a ser aquela que visa diretamente a uma pessoa, com o fim deliberado de macular-lhe a honra.

Como ensina Von Liszt:

“Quando as instituições mudam, não só novos interesses convertem-se em bens jurídicos, como os bens jurídicos já reconhecidos sofrem íntima transformação. Em matéria alguma do direito penal, essa verdade se faz tão patente como no concernente aos crimes contra a honra.”

A liberdade de manifestação e informação encontra o seu limite na fronteira do abuso. Este consiste no excesso culposo ou doloso daquela liberdade. Sendo assim, tudo quanto exceder ao direito de informar, manifestar-se, criticar, narrar, comentar, descrever, deriva para o abuso e incursiona a esfera de abrangência da licença.

Podemos dizer que o limite da liberdade é o limite do próprio direito. O respeito à lei não difere, em dimensão, do respeito à dignidade humana. Desde que qualquer delas venha a sofrer lesão, a sanção penal há de surgir de forma implacável.

Referido abuso não é analisado à luz de um critério pessoal do julgador, mas sim em conformidade com o Código Penal e o Código Civil vigentes e ainda o Anteprojeto de 1999, se for devidamente aprovado pelo Congresso Nacional.

Sabemos que a extinta lei reguladora da imprensa previa punição para abusos praticados no exercício da profissão, no entanto, mesmo o plenário do Supremo Tribunal Federal tendo decidido pela não recepção da referida lei pela Constituição Federal de 1988, aquele que violar os limites permitidos ao direito de opinião poderá ser punido pelo Código Penal Brasileiro e no caso de reparação de danos, pelo Código Civil Brasileiro.

O direito da personalidade humana à própria integridade moral é uma condição da harmonia jurídica que por sua vez é substancial para a existência do organismo social, entretanto compreende uma interferência nesse direito quando o interesse da sociedade for prevalente.

A doutrina da livre indagação e vulgarização dos fatos pela imprensa encontra limites legítimos no direito individual e no próprio interesse coletivo. Há fatos e coisas que não podem ser divulgados sem prejuízo da coletividade a que a imprensa deve tributo, ressaltando que o anteprojeto do Código Penal de 1999 vislumbra o instituto da publicidade opressiva visando punir quem promover campanha por meio de comunicação ao público antes de transitar em julgado decisão judicial, com o fim de constranger autoridade, parte, testemunha ou ainda, qualquer pessoa que intervenha no processo penal.

A livre manifestação de pensamento
Muitos profissionais da imprensa, principalmente os jornalistas que lidam com a escrita de relatos diariamente não viram com bons olhos o dispositivo ora estudado, alegando que ficariam tolhidos de escreverem de forma aprofundada sobre determinado acontecimento na órbita penal, receosos de que poderiam responder pelo crime de publicidade opressiva, o que sabemos não ser bem assim, pois o presente dispositivo foi criado discernindo o lícito do ilícito.

Temos que a manifestação livre se perfaz como sendo a ausência de peias legais na enunciação do pensamento, ou na emissão de idéias, seja via jornais ou periódicos, seja pela radiodifusão ou das agencias noticiosas.

Recuando na história, vamos encontrar o princípio evangelizador já na Constituição do Império, cujo artigo 179, parágrafo 4°, assim dispunha:

“Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito nos casos que a lei determina.”

Consubstancia-se destarte o mesmo preceito no artigo 150, parágrafo 8°, da Constituição do Brasil que entrou em vigor a partir de 15 de março de 1967, que dispunha:

“É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação, sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.”

Vemos que encontra-se o mesmo sentido, entretanto com outra redação, o artigo 220 e parágrafos da Constituição de 1988 vigente.

Na lição de Pontes de Miranda:

“A livre manifestação ou emissão do pensamento é direito de liberdade do indivíduo em suas relações com outros, no que distingue da liberdade de pensamento, que é direito do indivíduo sozinho, de per si, e da inviolabilidade da correspondência, que é a liberdade de não emitir o pensamento.”

Sampaio Dória por sua vez ressalta:

“Entende-se por liberdade de pensamento não apenas a faculdade de pensar livremente, o que seria fenômeno puramente individual, mas o direito de manifestar em público o que se pense, ou sinta, seja sobre o que for. É a liberdade de opinar, de criticar, de discutir, de propagar crenças, de publicar ou pregar opiniões.”

É essa a liberdade conhecida em todos os tempos, em todos os quadrantes desde Sócrates até a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em agosto de 1789, hoje bandeira de todos os povos cultos, fruto sazonado do liberalismo francês e que ao ser analisada em seu inteiro teor, chega-se à conclusão de que o dispositivo introduzido no Anteprojeto de 1999 que trata da publicidade opressiva é perfeitamente compatível, não obstacularizando de forma alguma a livre manifestação de pensamento.

Dispositivo bem-vindo
Vemos ao longo de todo estudo que é muito bem-vindo o dispositivo da publicidade opressiva relacionado no Anteprojeto do Código Penal de 1999, que prevê punição com detenção para quem promover campanha por meio de comunicação ao público antes de transitar em julgado decisão judicial, com o fim de constranger autoridade, parte, testemunha ou ainda, qualquer pessoa que intervenha no processo penal.

Diariamente acompanhamos noticiários que referem-se a crimes relatando-os de forma aleatória e por vezes irresponsável, baseados no “ouvir dizer”, o que acaba desenvolvendo um pré julgamento por parte da sociedade que assiste indignada os relatos ali expostos e que ato contínuo acaba “pressionando” as autoridades a proceder uma condenação exemplar daquele crime, ressaltando que isso tudo muitas das vezes ocorre antes mesmo de concluir-se o inquérito policial, o que é lamentável, sendo este o motivo pelo qual deve ser a medida bem recebida por todos e principalmente aceito e compreendido pelos profissionais que lidam com notícias, devendo ficar claro que o referido dispositivo não visa tolher a liberdade de imprensa amplamente amparada pela nossa Carta Magna, mas sim moralizar determinada questão que há muito já deveria ter sido feito.

Vimos por meio de relatos e comentários que vários profissionais da imprensa, principalmente aqueles que lidam com a escrita não viram com bons olhos o dispositivo ora estudado, uma vez que acreditam que tal dispositivo acabará restringindo-os de escreverem de forma mais complexa sobre determinado fato constante na órbita penal, causando receios de que acabariam por responder pelo crime de publicidade opressiva, o que não condiz com a verdade, pois o presente dispositivo não foi criado de maneira aleatória, tendo sido feito um estudo altamente aprofundado até chegar-se ao artigo citado no Anteprojeto, fazendo-se destarte a separação do lícito e do ilícito.


Bibliografia

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