Colarinho branco

Novo Código melhora definição de crimes financeiros

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8 de junho de 2012, 3h23

É da década de 1980 a percepção de que os crimes contra o Sistema Financeiro não são punidos. Desde então, cogita-se da necessidade de uma legislação mais dura. No final de maio, a comissão de juristas convocada pelo Senado para elaborar um novo Código Penal atendeu à demanda e aprovou um novo tipo. O novo crime de gestão fraudulenta cria um escalonamento na pena.

“O tipo é semelhante à gestão fraudulenta anterior, mas é mais bem descrito, eliminando a insegurança jurídica”, opina o especialista em Direito Penal Econômico Luiz Fernando Siqueira Ulhôa Cintra, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados. Segundo ele, a nova norma chega em um momento propício. “Hoje, a Polícia Federal está bem aparelhada e o Ministério Público tem mais conhecimentos sobre esses crimes. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central estão mais rigorosos com as infrações”, diz.

Com isso, segundo ele, o espaço para a interpretação do juízes será menor. "Será levado em consideração, por exemplo, se a conduta coloca em risco e causa prejuízo a terceiros ou se é habitual", diz. Assim, a pena, que antes era de três a 12 anos, vai ser dosada segundo o grau de lesividade de cada conduta. O tipo básico é a mera fraude na gestão, cuja pena é de um a quatro anos.

De acordo com o projeto, a habitualidade também passa a ser considerada. “As mudanças vão aumentar as punições, já que a lei fica mais clara”, diz o advogado. 

Para Mauro Arjona, professor de Direito Penal na PUC-SP e sócio responsável pela área penal do Salusse Marangoni Advogados, o crime de gestão temerária, previsto na Lei 7.492, de 1986, é inconstitucional, pois fere o princípio da legalidade. “A lei tem que prever o crime. Do jeito que está, não sabemos ao certo o que é uma gestão temerária”, explica. Segundo ele, houve um avanço na nova redação. 

“De um lado, esse tipo penal aberto dificultava a condenação, porque, na dúvida, o réu é favorecido. De outro, também podia prejudicar. Como é um tipo muito amplo, qualquer coisa serve para configurar o crime. Cria insegurança jurídica”, opina.

Rafael Tucherman, criminalista do Cavalcanti e Arruda Botelho Advogados, concorda que a legislação atual sobre crimes financeiros é ruim. “Ela tem o texto confuso e vários tipos penais em aberto. Dependendo da interpretação do juiz ou do promotor, pode levar a absurdos. Com a mudança, pode ser que não existam tantos processos e condenações absurdas. A tendência é de maior investigação e, se for o caso, punição.”

Para ele, os novos tipos penais criminalizam condutas em caso de perigo concreto, ao contrário da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro. “A nova redação do crime de gestão fraudulenta é importantísisma. Em tese, continua sendo possível a punição por só um ato fraudulento, e não por toda a gestão. Se for assim, é um equívoco”, explica.

Informação privilegiada
O caso paradigma de insider trading no Brasil é da condenação de Luiz Gonzaga Murat Filho, ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, e Romano Alcelmo Fontana Filho, ex-membro do conselho de administração da companhia. Na prática, o crime de uso de informação privilegiada no mercado é cometido por toda pessoa que tenha acesso e divulgue informações relevantes de uma empresa, influenciando a cotação dos valores mobiliários e a decisão de outros investidores.

Foi o juiz federal substituto Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, que condenou a dupla. Murat foi condenado ao pagamento de multa de R$ 349.711,53 e a pena de um ano e nove meses de prisão. A pena foi convertida na prestação de serviços comunitários e na proibição de exercer função de administrador ou conselheiro de companhia aberta pelo mesmo prazo de cumprimento da pena.

O novo Código Penal também vai consolidar as normas esparsas que tratam do assunto. A maior novidade é a previsão de uma conduta omissiva. É o caso, exemplifica Cintra, de uma fusão negada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O executivo não divulga a informação e vende as ações antes que o anúncio seja feito. A pena é de dois a cinco anos.

Evasão de divisas
Embora houvesse coro contrário, o crime de evasão de divisas foi mantido no projeto de novo Código. Para o advogado Marcelo Leal, trata-se de delito deslocado da atual realidade. “Operações de câmbio não demandam autorização especial e todo brasileiro pode livremente transferir seu patrimônio”, diz.

Arjona explica que não há bem jurídico a ser tutelado pelo tipo. “A remessa ilegal poderia ser punida de forma administrativa, por meio de multa, e não por meio de um crime”, defende. A pena também não mudou: vai de dois a seis anos, mais multa.

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