Transferência de tecnologia

IRRF não incide sobre toda prestação de serviço

Autor

  • Fábio Martins de Andrade

    é advogado doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.

5 de junho de 2012, 5h30

Em 1º de junho de 2012 foi publicado o acórdão do Recurso Especial 1.161.467, no qual a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou provimento ao recurso da Fazenda Nacional. O julgamento é relevante sob variados aspectos.

Cuidava-se de saber se era legítima a pretensão da Fazenda Nacional de tributar, na fonte, a remessa de rendimentos oriundos da prestação de serviço a serem realizados no exterior sem transferência de tecnologia, especialmente à luz da Convenção para evitar a dupla tributação da renda firmada pelo Brasil com o Canadá e com a Alemanha.

A Receita Federal autuou a empresa contribuinte sob o argumento de que a renda enviada ao exterior como contraprestação por serviços prestados não se enquadraria no conceito de “lucro da empresa estrangeira”, previsto no artigo 7º das Convenções, vez que tal só aperfeiçoaria no fim do exercício financeiro, após as adições e deduções determinadas pela legislação pertinente. Segundo a Receita Federal, a renda deveria ser tributada no Brasil, ao entendimento de que se cuidaria de rendimento não expressamente mencionado nas duas Convenções (artigo 21).

O artigo 7º, que trata dos “lucros do negócio”, estabelece que os lucros de um estado contratante só são tributáveis nesse estado. Trata-se de um ato de soberania de cada um dos Estados signatários no qual pactuam que um deles abre mão do direito de tributar em razão da competência exclusiva do outro. Sob um ponto de vista prático, com a aplicação do artigo 7º seria indevido o recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

O artigo 21, quando cuida dos “outros rendimentos”, se refere aqueles não contemplados na lista de rendimentos que o antecedem e prevê que: “Os rendimentos de um residente de um Estado Contratante provenientes do outro Estado Contratante e não tratados nos artigos precedentes da presente Convenção são tributáveis nesse outro Estado”. Verifica-se, portanto, que não se trata de um tipo específico de “rendimento” (como ocorre com cada um daqueles previstos nos artigos antecedentes), mas de uma categoria residual, ou seja, há uma renda que não se enquadre em qualquer um dos artigos da Convenção que enumeram os seus diferentes tipos passiveis de tributação, aí o caso de aplicar o artigo 21. Sob um ponto de vista prático, com a aplicação do art. 21 caberia à tomadora dos serviços a sua retenção na fonte.

A questão jurídica que se colocou no julgamento referiu-se a correta aplicação da Convenção: aplicar-se-ia o artigo 7 (afastando a incidência do IRRF) ou o artigo 21 (legitimando a referida incidência)? Se a tese ousada do Fisco viesse a prevalecer causaria enorme estranheza aos que militam na área da Tributação Internacional. O Brasil sinalizaria ao mundo que está, mais uma vez, na contramão. O STJ, com acerto, decidiu no sentido de rechaçar a cobrança equivocada e indevida da Receita Federal e defendida pela Fazenda Nacional.

Além disso, o STJ confirmou a orientação do Poder Judiciário no sentido de que a antinomia supostamente existente entre a norma da Convenção e a da legislação doméstica resolve-se pela regra da especialidade, ainda que essa seja posterior aquela. Trata-se da aplicação do art. 98 do CTN à luz do princípio lex specialis derrogat generalis, havendo apenas a suspensão de eficácia que atinge as situações que envolvem as relações jurídicas abarcadas pela Convenção.

Consta na ementa que “a norma interna perde a sua aplicabilidade naquele caso específico, mas não perde a sua existência ou validade em relação ao sistema normativo interno. Ocorre uma ‘revogação funcional’, na expressão cunhada por Heleno Torres, o que torna as normas internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, envolvendo determinadas pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a revogação stricto sensu, da norma para as demais situações jurídicas a envolver elementos não relacionadas aos Estados contratantes”.

Nesse ponto, se prevalecesse a visão do Fisco, no sentido de que a legislação doméstica se sobreporia às normas do tratado internacional firmado pelo Brasil, então com a sua sanha arrecadatória o efeito prático seria a inaplicação de tais instrumentos, em completa afronta à tendência atual experimentada em todo o mundo civilizado, com a celebração de cada vez mais Convenções por cada país, com vistas a ampliar a sua rede de países parceiros nas suas relações comerciais.

Felizmente, alinhando-se com o resto do mundo, o STJ decidiu que o artigo 7º das Convenções Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no artigo 7º da Lei 9.779, de 1999, já que a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre o Brasil e os dois outros países signatários.

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