Coincidências de Brasília

Ministro Gilmar fez bem em divulgar encontro com Lula

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1 de junho de 2012, 5h13

Victor Nunes Leal, que foi ministro do Supremo Tribunal Federal e sacrificado pelo golpe de Estado de 1964, juntamente com Evandro Lins e Silva, era, segundo consta, muito amigo de Sobral Pinto. Não conheci pessoalmente o primeiro, mas estive com o terceiro, o Sobral, este com 75 anos, lá no Rio de Janeiro. Enquanto refiro o trio, vem à memória a figura de Pontes de Miranda, cuja casa visitei enquanto eu era bem moço.

Recordo uma biblioteca muito grande, num quase salão, arquivos e mais arquivos encostados às paredes. O jurista tinha fichários preciosos. Dizia-se que recortava tudo, classificando para uso futuro. Não era para menos, porque escrevera, jovenzinho, Doutrina e Prática do Habeas Corpus, reeditando a obra mais tarde, sem lhe modificar uma linha sequer. Privilégio dos gênios.

A introdução parece não ter relação alguma com o título, mas tem. Victor Nunes Leal não confundia afetos e razões jurídicas. Votava às vezes contra Sobral. O amigo era rabugento. Aliás, morreu aos 98 anos. Não se sabe se os dois brigavam antes, durante ou depois dos julgamentos. Pode ser mentira inteira, ou meia verdade, mas faz parte da vetusta crônica forense.

Surge na imprensa uma fofoca jurídica repercutindo nacionalmente: o ex-presidente Lula teria visitado o escritório do advogado Nelson Jobim, encontrando-se com o ministro Gilmar Mendes e procurando meios de adiar o julgamento do “mensalão”. O próprio ministro Gilmar Mendes teria divulgado o fato, provocando, de acordo com o noticiário, ácida manifestação do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello. Ele teria dito: “Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa em que um chefe de Poder tenta interferir em outro”.

Brasília é cidade pequena e repleta de comentários sibilinos. Há na capital federal, faz tempo, restaurantes que sediavam manobras políticas sinuosas e negócios sofisticados. Não se diga o nome de um deles, para não fazer propaganda daquela casa de pasto, bastando dizer que Ulysses Guimarães, sumido num desastre de helicóptero, teve mesa cativa no local.

Não se misturem estalagens grã-finas, o Supremo Tribunal Federal e escritórios de advocacia. Mas há uma certa sintonia em tudo porque, na medida em que a capital federal tem diâmetro pequeno, muitos se encontram em poucos lugares, havendo coincidências não desprezíveis. Daí, certamente, um gabinete profissional ter sido palco de encontro entre um ministro da maior corte da República, outro juiz três vezes ministro, e, por fim, o convalescente Luiz Inácio Lula da Silva.

Às vezes cruzo com um ou outro, incógnito, mas não tanto, na feira de antiguidades do Masp, não tão desconhecido assim, mas o povo, intelectualizado, finge não ver para não incomodar. Isso acontece. Certa vez, jantando numa lanchonete badalada em São Paulo, reconheci antiga atriz de teatro. Aquela senhora comia sozinha. Não havia quem a cumprimentasse. Larguei o guardanapo sobre a mesa e fui lá. Elogiei-a. Ela quase chorou.

A recente regulamentação da chamada “Lei de Acesso à Informação”, diploma legislativo muito mal produzido e dependente, ainda, de conflito judicial a surgir, deve estar servindo de parâmetro à publicização das intimidades. Se assim for, o ministro Gilmar Mendes bem fez ao contar o que aconteceu no gabinete do agora advogado Nelson Jobim.

De tudo isso, resta o ex-presidente Lula sem a barba. É esquisito, mas o depilamento o transformou num homem comum. Perdeu o carisma, ou o equilíbrio. Aconteceu o mesmo em Sansão e Dalila.

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