Trincheira no Supremo

Veja argumentos dos 33 advogados do mensalão

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31 de julho de 2012, 5h59

No início de junho, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo e ao sociólogo Antonio Lavareda, veiculada no programa Ponto a Ponto, da emissora de TV por assinatura BandNews, o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos desabafou contra o que classificou de “publicidade opressiva da imprensa em casos de grande repercussão”. O mote da entrevista era a “CPI do Cachoeira” e o fato de Bastos defender o explorador de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. “[…]O único a segurar a mão do réu no fim da escada, crucificado e contra o vento”, disse o criminalista ao descrever o que é ter toda a opinião pública contra si quando teve — e tem — que defender réus impopulares, geralmente vindos do universo político e que encarnam as mazelas da vida civil do país.

No calor da CPI que resultou na cassação do senador goiano Demóstenes Torres, o criminalista teve até mesmo seus honorários advocatícios questionados quando um procurador do Rio Grande do Sul resolveu acusá-lo de “receptação culposa”, uma vez que o pagamento pelos seus serviços teria origem "ilícita", já que a receita de seu cliente, segundo o procurador, era "fruto de contravenção".

Márcio Thomaz Bastos também é advogado do ex-vice-presidente operacional do Banco Rural, José Roberto Salgado, integrante do Comitê de Prevenção de Lavagem de Dinheiro do banco e réu na Ação Penal 470, o processo do mensalão. No processo, Salgado é acusado de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas. Junto dos advogados dos outros 37 acusados, a função de Bastos, que foi ministro da Justiça durante o primeiro mandato do presidente Lula, tem sido descrita como a de criar manobras para retardar o julgamento ou então enfraquecer, amparado em tecnicismos jurídicos, uma provável condenação.

Com o início do julgamento marcado para a próxima quinta-feira (2/7), os criminalistas que cuidam da defesa dos réus chegam, sob os olhares da mídia e da opinião pública, às trincheiras do caso. Maior esquema de corrupção da história recente do país, arremedo dertupado de denúncias ou qualquer coisa entre esses dois extremos, as acusações colocam os 33 advogados do caso sob a alça de mira da imprensa e do crivo popular. Para aqueles que vêm o julgamento como uma chance histórica de se fazer Justiça num país onde grassa a impunidade, o papel da defesa é reduzido a levantar pretextos para evitar que se cumpra o que é justo. Para aqueles que temem o grau de polarização presente no julgamento, a atuação dos advogados tem uma função crucial.

Primeiro movimento
Diferentemente de muitos países, a sustentação oral no Pleno do Supremo Tribunal Federal não se dá em audiência prévia marcada antes de os julgadores firmarem juízo e formularem seus votos. Ainda assim, a participação dos advogados, que devem se revezar entre os dias 3 e 14 de agosto falando aos ministros, está longe de ser meramente protocolar.

Originalmente, a defesa dos outros três ex-dirigentes do Banco Rural estava sob os cuidados do renomado criminalista José Carlos Dias, ex-secretário de segurança do estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça, que depois de substabelecer a responsabilidade a outros colegas, cuida apenas das acusações contra Kátia Rabello, ex-presidente do banco, em colaboração como sócios do escritório Campos Júnior Pires & Pacheco, de Belo Horizonte.  A defesa da vice-presidente de Suporte Operacional do banco, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, é do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Vinícius Samarane, ex-diretor estatuário, é também defendido pela banca Campos Júnior Pires & Pacheco.

Assim como no caso de Salgado, as defesas dos outros ex-dirigentes do Banco Rural pretendem questionar a competência do Supremo para julgar os 34 réus que não dispõem de foro privilegiado. Apenas os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) têm prerrogativa de foro. Apesar de ser improvável que os ministros acolham o pedido, como informou a revista Consultor Jurídico, a Questão de Ordem levantada por Márcio Thomaz Bastos com o argumento não se limita a uma solicitação de desdobramento do processo, mas diz que o julgamento de réus no STF sem prerrogativa de foro fere pelo menos dois princípios amparados numa perspectiva constitucional: a do juiz natural e o direito ao duplo grau de jurisdição. Os réus, se condenados, não terão o direito de recorrer da decisão.

Núcleo financeiro
No que toca ao mérito do processo, os advogados dos quatro réus do Banco Rural, que procedem com os trabalhos de defesa de forma separada, lembram que as acusações contra os ex-dirigentes se amparam tão somente na incerteza sobre a regularidade dos procedimentos bancários que envolveram os três empréstimos concedidos, respectivamente, em 2003, em favor da SMP&B Publicidade, da holding Graffiti — ambas do grupo de Marcos Valério — e do Partido dos Trabalhadores. No caso dos ex-dirigentes do Banco Rural, as defesas não entram no mérito da existência ou não do chamado mensalão, uma vez que não pesam contra os executivos as acusações de compra de apoio político, razão de ser da Ação Penal. A defesa do nomeado núcleo financeiro do escândalo do mensalão irá se ater, portanto, apenas nas acusações de crimes financeiros.

Os advogados querem demonstrar que as denúncias contra os ex-dirigentes do banco não mostram qualquer evidência, já que os empréstimos foram considerados legítimos por laudo produzido em perícia técnica do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, a pedido do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Segundo a defesa, não só havia razões formais e financeiras suficientes para a concessão dos empréstimos, como seus trâmites foram regulares, como atestam os laudos. Segundo os advogados, a liquidação da dívida pelo PT na instituição financeira e uma decisão favorável ao banco na Justiça de Minas Gerais, no processo de execução da dívida das empresas do publicitário Marcos Valério, também confirmariam a normalidade das condições sob os quais os empréstimos foram autorizados.

Para os advogados, nem mesmo por gestão temerária podem ser responsabilizados os dirigentes do banco. Ao contrário do que afirma o Ministério Público — que os saques não foram informados ao Banco Central —, o advogados garantem que os saques foram, sim, comunicados ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras dentro das normas estabelecidas pelo Banco Central, que na época exigia a indicação do CNPJ da empresa e não o CPF da pessoa autorizada a sacar. Os advogados também rejeitam a tipificação como “lavagem de dinheiro”, uma vez que os recursos movimentados nas contas das empresas de publicidade de Marcos Valério tinham origem conhecida, não havendo razão para se dissimular sua natureza.

Quanto à evasão de divisas, os advogados apontam que o Ministério Público desconsidera o fato de que a remessa de dinheiro para uma conta do publicitário Duda Mendonça foi efetuada entre instituições sediadas no exterior, não ocorrendo, dessa forma, a saída de recursos do país. A defesa ainda observa que instituições financeiras responsáveis pelo depósito listadas pelo Ministério Público como filiais do Banco Rural não são, de fato, filiais do banco, tendo administração independente. O vínculo apontado pela Procuradoria-Geral da República seria, portanto, inexistente.

Núcleo político
Já a estratégia das defesas dos réus do chamado “núcleo político” terão de se deter no mérito da existência ou não de articulação da compra de apoio de parlamentares por membros do governo durante o primeiro mandato do governo Lula.

Um exemplo é a defesa do então deputado Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PL e hoje presidente de honra do PR, que está a cargo do advogado Marcelo Luiz Ávila de Bessa.

A defesa aponta a ausência de ato de ofício praticado pelo parlamentar, ou seja, questiona onde a “vantagem indevida” concedida pelo político e fruto da compra de apoio pode ser comprovada. Valdemar Costa Neto é acusado dos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

A defesa do político sustenta que o Ministério Público Federal “deixou de especificar, tanto na peça inicial acusatória como nas alegações finais, qual (ou quais) ato(s) funcional(is) teria(m) sido praticado(s) pelo denunciado Valdemar Costa Neto em troca de alguma vantagem indevida”. A defesa tentará demonstrar que as relações do político com personagens do escândalo se deram por questões envolvendo a composição de um caixa de campanha conjunto entre o PT e o PL e por eventuais dívidas, pagamentos e movimentações financeiras naturais da administração do caixa de campanha. Para a defesa, não há qualquer evidência que sustente a versão da lavagem de capitais ou associação entre agentes políticos para o cometimento de atos ilícitos que visassem vantagens para o governo Lula.

José Dirceu, ao lado de José Genoíno e Delúbio Soares, é apontado como o epicentro que coordenava todo o esquema de compra de apoio político de parlamentares, sendo os três, de acordo com o Ministério Público, o elo entre a cúpula do PT e o grupo do publicitário Marcos Valério.

A defesa do ex-ministro da Casa Civil será a primeira do núcleo a falar aos ministros nesta sexta-feira (3/8). O cerne do argumento do criminalista José Luís de Oliveira Lima, que defende Dirceu, é a ausência de evidências materiais que sustentem a versão da Procuradoria-Geral da República, além da série de depoimentos de Roberto Jefferson, que denunciou, em 2005, o suposto esquema da compra de apoio político. A defesa afirma que apesar de mais de 500 depoimentos sobre o escândalo, ninguém foi capaz de detalhar e amparar com provas as acusações feitas pelo ex-presidente do PTB.

Tanto Dirceu quanto José Genoíno sustentam que não há evidências que demonstrem que sua atuação, à epóca, se desdobrava além do plano essencialmente institucional. O advogado Luiz Fernando Pacheco, que representa Genoíno, a exemplo da defesa de Dirceu, tentará demonstrar que não há subsídio para se entender que a atuação de Genoíno cruzava, além do plano político, com a as atividades do então secretário de finanças do PT, Delúbio Soares.

Por sua vez, a defesa de Delúbio Soares também argumenta que os empréstimos contraídos juntos aos bancos BMG e Rural foram destinados a dívidas de campanha de partidos aliados à coligação que elegeu o PT em 2003. O acordo foi fruto do entendimento de que os custos de campanha deviam ser repartidos, mas não há evidências que o custeio das dívidas estava condicionado à emissão de votos favoráveis a projetos do governo em trâmite na Câmara, afirma a defesa. O advogado do ex-tesoureiro do PT é o criminalista Arnaldo Malheiros Filho, que reclamou em outras oportunidades das dificuldades de acesso aos autos do processo.

Delator do esquema, o ex-deputado federal Roberto Jefferson internou-se, na quinta-feira (26/7), para retirar um tumor no pâncreas e deve passar os primeiros dias do julgamento hospitalizado. O que distingue a defesa do ex-parlamentar da de outros réus é que os argumentos formulados pelo advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que o representa, devem contrariar as declarações do próprio político. A sustentação oral de Barbosa é uma das mais aguardadas por conta da expectativa de que o advogado afirme, como tem feito, que o presidente Lula sempre esteve ciente do suposto processo de compra de apoio parlamentar. Jefferson, que é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, declarou, em outras oportunidades, que o ex-presidente "pode abraçar o pecador, mas não o pecado", dizendo que embora haja discordância entre sua a versão e a do próprio advogado, este tem autonomia para proceder com a defesa. 

Núcleo operacional
Para o advogado Marcelo Leonardo, que representa o publicitário Marcos Valério, o prazo de uma hora para a defesa, no caso do réu, é insuficiente. A defesa irá apresentar a mesma preliminar levantada pelo colega Márcio Thomaz Bastos sobre o problema de se julgar, em uma corte constitucional, réus sem prerrogativa de foro. A exemplo de Bastos, o advogado de Marcos Valério menciona precedentes de oito ministros do STF no sentido de desmembrar o processo, insistindo na afronta ao princípio do direito ao duplo grau de jurisdição.

Acusado dos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Marcos Valério terá a defesa também orientada no sentido de demonstrar que a instrução processual esvazia a tese da existência de um esquema de compra de votos. Para a defesa, faltam evidências do repasse a partidos e tampouco a políticos para que votassem de acordo com o interesse do governo Lula ainda no primeiro mandato.

A defesa deve ainda tentar elucidar que o vínculo de Marcos Valério com alguns dos réus se dava estritamente em termos de sociedade empresarial. E como pessoa jurídica, citando precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal, empresas organizadas regularmente não podem ser tomadas por organizações criminosas quando se verifica relação efetiva de prestação de serviços, aponta o advogado.

Sobre as acusações de que o deputado federal João Paulo Cunha, então presidente da Câmara, teria beneficiado a empresa de Valério em uma licitação para prestação de serviços, a defesa cita dirigentes da Congresso Federal, bem como representantes de agências concorrentes, que atestaram a regularidade do processo e que não houve qualquer influência por parte do parlamentar.

Outro ponto abordado pela defesa é que o dinheiro usado nas ações de publicidade do Banco do Brasil vinham da Visanet (atual Cielo), sendo fruto, portanto, de 1% dos valores pagos com os cartões, o que qualifica a origem privada e não pública dos recursos, desmontando a acusação de peculato.

A exemplo da defesa dos ex-dirigentes do Banco Real, a defesa de Marcos Valério aponta, no que se refere aos empréstimos bancários, que o dinheiro sacado tinha origem conhecida e foi sacado por pessoas identificadas, tanto que foi possível incluí-las como réus do processo.

Os advogados de Marcos Valério ainda afirmam que no que toca à acusação de evasão de divisas, a única coisa que foi provada é que ocorreu o que se qualifica por operação dólar-cabo, um meio de compensação entre doleiros e clientes. Para o Ministério Público, é só uma forma de se permitir a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro se servindo de câmbio legal. Para a defesa, contudo, o dinheiro “troca de mão no país”, não incorrendo em saída de recursos e não havendo perda de capital nacional. O empresário Marcos Valério e três dos réus ligados a ele no processo da Ação Penal 470 foram condenados também em primeira instância em ações penais análogas ao processo do mensalão.

Um dos réus, o operador de câmbio Carlos Alberto Quaglia, da empresa Natimar, acusado pelo Ministério Público por formação de quadrilha, vai dispor dos serviços da Defensoria Pública. Por se tratar de matéria criminal, por conta de o réu não ter constituído advogado e em razão de o processo ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o defensor público-geral da União, Haman Tabosa, é quem fará a defesa de Quaglia durante a sustentação oral na alta corte. Por opção, o defensor público-geral não tem dado maiores informações sobre a estratégia de defesa, justamente para se diferenciar do trabalho de consultoria convencional feita por um advogado contratado. A assessoria da Defensoria Pública-Geral da União informou, contudo, que o defensor geral tem se preparado e estudado o caso.

À frente da defesa de Duda Mendonça, publicitário responsável pela estratégia de marketing da campanha presidencial que elegeu Lula em 2002, estão os criminalistas Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Luciano Feldens, que substituíram os advogados Tales Castelo Branco e Frederico Crissiúma. A defesa pretende demonstrar que o publicitário é um personagem alheio ao processo, trazido arbitrariamente ao caso por conta do entendimento equivocado do Ministério Público de que o recebimento de cerca de R$ 10 milhões em uma conta bancária no exterior está ligado ao suposto escândalo.

O pagamento efetuado pelo empresário mineiro Marcos Valério em favor de Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes Silveira, correspondiam pelos serviços de consultoria em marketing prestados na campanha de 2002, diz a defesa. Para os advogados de Duda Mendonça, o vínculo dos publicitários com o PT constitui formalmente uma “relação legal, formalizada em contrato investido de objeto lícito”.

O processo
Trinta e quatro réus, entre os quais políticos da base governista e prestadores de serviços na área de publicidade e marketing são acusados por crimes de corrupção, que envolvem desvio de recursos públicos e/ou de lavagem de dinheiro, tendo como cerne a compra de apoio de parlamentares a propostas de iniciativa do primeiro mandato do governo Lula. Os demais quatro réus, ex-dirigentes do Banco Rural, são acusados de crimes financeiros como gestão fraudulenta e evasão de divisas, por facilitarem empréstimos para subsidiar o esquema.

Para a Procuradoria-Geral da União, houve a compra de apoio de parlamentares com recursos públicos para que políticos votassem em favor de projetos do interesse do governo. Do lado da defesa, carecem evidências e sobram fragilidades técnicas nas acusações de que houve a articulação de um esquema de corrupção desse porte, além da quitação de dívidas de campanha, via caixa dois, sem a utilização de dinheiro público.

Os crimes atribuídos aos réus do mensalão - 30/07/2012

 

Os réus e as acusações

 

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