Consultor Jurídico

Mensalão trava análise de temas importantes no Supremo Tribunal Federal

31 de julho de 2012, 20h16

Por Rodrigo Haidar

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Os ministros do Supremo Tribunal Federal deverão avaliar, nesta quarta-feira (1º/8), em sessão administrativa, proposta do ministro Marco Aurélio para que o tribunal faça sessões extraordinárias às quartas e quintas-feiras pela manhã durante o período de julgamento da Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão. Marco Aurélio defende que o STF não pode parar por cerca de dois meses para julgar um único processo.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, publicada em maio, o ministro defendeu que o tribunal ache uma fórmula para enfrentar o processo do mensalão sem deixar de lado as outras milhares de ações que aguardam definição. “Até parece que não temos mais nada importante na Corte para julgar, que essa é a primeira ação relevante submetida ao crivo do Supremo”, disse na ocasião.

Em 19 de junho, o ministro enviou ofício ao presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, demonstrando preocupação com o fato de o tribunal se ater exclusivamente a uma ação diante de um resíduo, na época, de 711 processos liberados para a pauta. Ou seja, prontos para julgamento.

A preocupação de Marco Aurélio é corroborada não só pelos números. Há hoje, no Supremo, questões muito mais relevantes do que a Ação Penal 470, do ponto de vista jurídico e institucional, paradas por conta do rito especial planejado para julgar os 38 réus acusados de compor um esquema de compra de apoio político no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pendem de análise no tribunal, por exemplo, três recursos especiais e uma ADPF que definirão quem deve indenizar os poupadores pelas diferenças de correção em cadernetas de poupança provocadas pelos sucessivos planos econômicos editados nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil.

O ministro Dias Toffoli é relator de dois recursos (RE 591.797 e RE 626.307), o ministro Gilmar Mendes é relator de um (RE 632.212) e o ministro Ricardo Lewandowski é o relator da ADPF 165, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). A confederação pede que seja reconhecida a constitucionalidade dos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II. Os recursos foram ajuizados em 2010, e a ADPF em 2009.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes já liberaram os recursos para a pauta. E o ministro Ricardo Lewandowski também já havia sinalizado que concluiria sua análise para que os processos fossem julgados em conjunto, o mais breve possível. Mas foi interrompido pela revisão do processo do mensalão.

De acordo com cálculos dos bancos, mais de 500 mil ações, entre individuais e coletivas, estão suspensas na Justiça estadual e Federal à espera da definição do STF. As ações pedem o pagamento de diferenças de correção de cadernetas de poupança. As estimativas de perda das instituições bancárias variam muito, de R$ 30 bilhões a R$ 100 bilhões, caso os correntistas ganhem a causa. 

Finanças públicas
Há também dois temas de grande repercussão nas finanças públicas que aguardam na fila de julgamentos do Supremo. A desaposentação e o pagamento de precatórios. No primeiro caso, é discutido se o beneficiário da Previdência Social pode renunciar ao primeiro benefício recebido para que as contribuições recolhidas após a aposentadoria sejam incluídas em um novo cálculo. Há dois recursos (RE 381.367 e 661.256) nos quais se reconheceu repercussão geral.

No mais antigo, que começou a ser julgado em setembro de 2010, o relator, ministro Marco Aurélio, entendeu que, da mesma forma que o trabalhador aposentado que retorna à atividade tem o ônus de contribuir, a Previdência Social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O segundo recurso, de relatoria do ministro Ayres Britto, teve repercussão geral reconhecida em novembro do ano passado.

O julgamento da constitucionalidade da Emenda Constitucional 62, apelidada de Emenda do Calote, também deveria ser retomado neste ano, com o voto do ministro Luiz Fux. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.357 proposta pela OAB, AMB, Conamp e diversas outras entidades de classe, começou a ser julgada, mas a conclusão foi adiada por pedido de vista de Fux. Antes, em junho de 2011, o julgamento foi adiado por falta de quorum no STF.

O relator da ADI, ministro Ayres Britto, votou contra a constitucionalidade da emenda que criou um regime especial para pagamento dos débitos judiciais da União, Distrito Federal, estados e municípios. Pelo novo rito, as dívidas decorrentes de decisões judiciais podem ser pagas em até 15 anos. A estimativa é que haja estoque de R$ 100 bilhões em precatórios a serem pagos pela União, estados e municípios.

A nova regra também fixa limites mínimos da receita corrente líquida dos estados e municípios para serem gastos com precatórios. Os municípios têm que destinar entre 1% e 1,5% de suas receitas para quitar os débitos. Para os estados, o limite é de 1,5% a 2%, corrigidos pelos índices da caderneta de poupança. De acordo com a norma, a quitação dos precatórios alimentares e de menor valor tem prioridade sobre os demais.

A emenda também fixa que 50% dos recursos dos precatórios serão usados para o pagamento por ordem cronológica e à vista. A outra metade da dívida deverá ser quitada por meio de leilões, onde o credor que conceder o maior desconto sobre o total da dívida que tem a receber terá seu crédito quitado primeiro. Esse é um dos pontos mais contestados pelas entidades de classe. 

Dinheiro nas eleições
Do ponto de vista de moralidade política, seria mais efetivo o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil contra as regras que permitem a empresas doar dinheiro para campanhas eleitorais.

De acordo com a OAB, a permissão para que empresas façam doações para campanhas eleitorais “compromete a higidez do processo democrático, promove a desigualdade política e alimenta a corrupção”. 

Segundo o estudo elaborado pela entidade, a participação de empresas em campanhas prejudica a capacidade de sucesso eleitoral dos candidatos que não possuem patrimônio expressivo para suportar a própria campanha e tenham menos acesso aos financiadores privados.

Para a OAB, a doação de dinheiro por empresas “cria perniciosas vinculações entre os doadores de campanha e os políticos, que acabam sendo fonte de favorecimentos e de corrupção após a eleição”. A doação de pessoas físicas continuaria permitida. Na prática, seria a única forma de doação eleitoral regular, caso a ação fosse acolhida.

Os ministros também planejavam julgar em conjunto as diversas ações que contestam o pagamento de pensão para ex-governadores de estado. A ministra Cármen Lúcia, relatora do processo que contesta a Constituição do Pará, que institui o benefício para ex-governadores do estado, votou no ano passado pela derrubada do benefício. O julgamento do caso foi adiado por pedido de vista do ministro Dias Toffoli e há diversas ações contra Constituições de outros estados distribuídas entre os ministros do tribunal.

Poder de investigar
Outro tema relevante que terá de esperar o desfecho do mensalão, caso a proposta do ministro Marco Aurélio não seja aceita, é o poder de o Ministério Público conduzir investigações penais. O tema é discutido em dois processos (RE 593.727 e HC 84.548) e divide o Supremo. Em junho, os ministros adiaram a definição da matéria por pedido de vista do ministro Luiz Fux, com seis votos e três diferentes correntes formadas a respeito o tema.

A primeira corrente, formada pelos ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski, é a mais restritiva. Para os dois ministros, o Ministério Público pode conduzir investigações penais em três hipóteses: em casos de membros do próprio MP investigados, autoridades ou agentes policiais e terceiros, mas apenas quando a Polícia seja notificada do crime e se omita.

A segunda corrente é formada pelos ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, que ampliam as hipóteses em que se permite a condução de investigações penais pelo Ministério Público. Para os dois ministros, o MP tem, sim, o poder de conduzir investigações de matéria penal também em casos de crimes contra a administração pública, por exemplo. E também pode conduzir investigações complementares.

De acordo com o ministro Celso de Mello, o MP não pretende, e nem poderia pretender, presidir o inquérito policial. Mas cabe ao Ministério Público atuar em situações excepcionais, como casos que envolvem abusos de autoridade, crimes contra a administração pública, inércia ou procrastinação indevida no desempenho de atividade de investigação policial.

Os quatro ministros são unânimes em um ponto: é necessário que o procedimento obedeça às mesmas normas que regem o inquérito policial, por analogia. Ou seja, o MP tem de publicar formalmente a abertura da investigação e garantir aos investigados o acesso às provas juntadas aos autos. Além disso, o procedimento tem de ser público e submetido ao controle judicial.

A terceira corrente de pensamento é formada pelos ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, que alargam ainda mais as hipóteses de investigação penal pelo MP. “Assim, o Ministério Público exerce melhor sua função de defender a ordem jurídica”, disse Britto, que antecipou o voto, como explicou, porque pode não mais compor a Corte quando o ministro Fux trouxer seu voto, já que completa 70 anos em novembro e terá de se aposentar.

Para o presidente do Supremo, há uma diferença clara entre investigação criminal como gênero e o inquérito policial como espécie. O inquérito policial não suprime a possibilidade de outros órgãos conduzirem investigações penais. O Supremo sinaliza, nos debates, que deverá reconhecer o poder de o MP comandar investigações criminais, mas que será estabelecida uma espécie de código de conduta para a atuação do Ministério Público.

Há, ainda, temas como a constitucionalidade da Lei Seca, a ocupação de terras por comunidades remanescentes de quilombos e a legalidade de se fixar horário uniforme de funcionamento para os tribunais do país que terão, provavelmente, de esperar que o Supremo defina uma ação que, na visão de muitos advogados, deveria ser julgada em primeira instância. Nunca por uma corte constitucional.