ConJur, ano XV

ConJur surge do encontro de carência com oportunidade

Autor

31 de julho de 2012, 8h08

Spacca
A Consultor Jurídico nasceu do encontro casual de uma necessidade com uma oportunidade. À época, era evidente o pouco espaço que a imprensa dava a assuntos jurídicos. Havia a necessidade óbvia de uma publicação voltada para a área jurídica, que desse uma cobertura melhor aos profissionais de Direito e à Justiça e ao Direito. Todo mundo falava, mas ninguém fazia. Afinal, produzir uma revista — cuja existência passava por fotolitos, impressão, distribuição — era economicamente inviável.

Eis que surge a internet. Sua popularidade cresce no Brasil e o portal Universo Online, que se tornaria conhecido como UOL, sai de uma salinha, ocupada por duas pessoas, para um andar inteiro no prédio do jornal Folha de S.Paulo. Havia mais boa vontade do que boa tecnologia: o CD de instalação que mandaram a este repórter para abrir uma conta no UOL não funcionou.

Fui ao UOL buscar outro. O então diretor comercial, Índio Brasileiro, pediu desculpas pessoalmente e, para compensar a inconveniência, me fez uma pequena palestra sobre o portal. E mencionou que estava buscando parceiros de conteúdo. Esse foi o momento do “eureka”. A ideia de criar uma revista jurídica eletrônica estalou. Por que não? Lá se vão os fotolitos, os custos da gráfica, as agruras da distribuição.

O jornalista Márcio Chaer sentiu um misto de entusiasmo e de preocupação: “É muita responsabilidade”, ele disse. Mas topou. A primeira tarefa foi batizar o empreendimento. Vários nomes começaram a pipocar na pequena sala de um velho edifício na Rua Conselheiro Furtado, na Liberdade, em São Paulo. O nome “Consultor Jurídico” era um deles, mas só se consolidou depois de passar pelo crivo do advogado Raul Haidar, o primeiro incentivador do projeto. A bem da verdade histórica, o nome tem uma conotação de consultoria da qual jamais se livrou: no início, leitores nos enviavam “toneladas” de e-mails, na esperança de que solucionássemos seus problemas jurídicos no papo. Ainda hoje, pedidos de orientação jurídica que chegam à redação são, gentilmente, descartados.

Decidido o nome e feito o acordo com o UOL para o fornecimento de notícias, só faltava o resto. Esquentamos nossos computadores de 16 e 32 megabytes de memória RAM, no escritório, e começamos a escrever nas horas vagas. Não havia praticamente nada na internet para ser pesquisado. Foi uma peregrinação incansável por escritórios de advocacia, tribunais, Ministério Público, associações de classe, editoras de livros jurídicos, em busca de material. E começamos a trabalhar por dinheiro nas áreas vagas.

Foi um esforço incansável de duas pessoas correndo atrás de decisões judiciais, petições ganhadoras, notícias, artigos e muito mais, porque havia muitas “páginas” a preencher. O projeto previa uma seção para cada área do Direito, mais comunidade, eventos… Enfim, era bastante pretensioso. Em casa, noites, sábados, domingos e feriados foram passadas em frente a computadores de 4 MB de memória, que haviam sido deserdados do escritório. Um escrevia, o outro revisava, interminavelmente. No final, Márcio Chaer convocou dois jornalistas amigos para ajudar na edição.

Primeira hospedagem
Pelo menos, estávamos convencidos de que tanto trabalho valia a pena, porque a ConJur estava destinada a ser uma publicação grandiosa — embora não soubéssemos exatamente em que estávamos nos metendo. Por exemplo, em uma reunião em um escritório de advocacia para explicar sobre a revista, um advogado nos perguntou por que estávamos falando em página na internet, se a internet não tinha páginas. Não soubemos responder. Tentei explicar, mas não convenci. Na saída, Chaer me ensinou uma lição: “Dá próxima vez, diga que não sabe e pronto”. Fiquei na esperança de que o futuro admitisse que site tem páginas.

Não era só isso que não sabíamos. Os amigos do UOL nos informaram que todos os textos tinham de vir em formato HTML. Todos eles com negritos, itálicos, sublinhados, parágrafos etc. já formatados em HTML. Não sabia o que era isso, mas também não me pareceu apropriado anunciar minha ignorância ao pessoal do UOL. Uma visita a uma livraria resolveu o problema. Estava lá um livro maravilhoso, o primeiro a ser lançado no Brasil, com um título “fantástico”: HTML. Assim, fomos <b>fazendo e aprendendo </b> a linguagem, com o <u>valioso</u> livro sempre ao lado — e muita concentração para não errar no que um dia iria se popularizar com o nome de <i>tag</i>.

Enfim, com todos os textos, já devidamente “HTMLizados” e colocados em disquetes — que à época ainda não eram floppy disks no Brasil —, mais o desenho da primeira logomarca da ConJur, criada por Silvio Ramos, e mais uma tonelada de papel impresso com todos os textos — porque ainda não sabíamos trabalhar, nem sequer viver, sem papel por perto —, e mais uma página que fizemos no antigo software Page Maker com o que seria o design da capa da revista, desembarcamos no UOL.

Instrumentos de trabalho
Sorte do UOL. Pela primeira vez, tiveram a oportunidade de fazer o que nunca tiveram coragem até então: utilizar um novo programa — na época, ainda não era software — chamado “ColdFusion”, que já existia há algum tempo, mas ainda estava à espera da primeira vítima. Deu trabalho, mas a empreitada valeu uma entrevista conjunta, da Consultor Jurídico e do UOL, ao caderno de Informática do jornal Folha de S.Paulo. Afinal, o programa era uma tremenda novidade na área de Informática, sobre a qual não entendíamos nada, mas fornecia formulários para tudo: título, intertítulo, corpo da reportagem, chamadas na capa etc.

No entanto, ele teve o seu momento. Para quem tinha pouca experiência com a linguagem da internet, ele era conveniente: era só preencher o formulário, clicar e pronto: surgia magicamente a “página” e as chamadas na capa, tudo no seu lugar. É claro que faltava um comando de parágrafo aqui — o que deixava o texto "emendado" —, o “fechamento” de um comando de negrito ali — nessas situações, o texto inteiro ficava em negrito —, mas era só voltar ao formulário e refazer tudo.

O programa era fácil de operar, mas havia situações complicadas: exigia horas de programação para se mudar qualquer coisa, por mínima que fosse, na revista. De início, não acreditei que a dificuldade fosse genuína, pensando antes que tudo não passava de uma estratégia da área técnica do UOL para valorizar seu trabalho. Depois que vi que o empreendimento dependia do trabalho de um dos nossos “japoneses”, acreditei. Mais tarde, o "ColdFusion" foi friamente abandonado, em favor de um programa mais prático.

Primeiros contatos
O livro seguinte devorado sobre o assunto, que tratava de marketing na internet, nos trouxe um ensino desalentador: “Fazer sites é fácil, difícil é ser encontrado na internet”. O instrumento de marketing para quem não tinha rios de dinheiro era a mala direta. Seguimos as instruções para fazê-la. Trabalhamos muito para conseguir nomes de escritórios de advocacia, endereços, nomes de pessoas responsáveis e construímos a base de dados para uma mala direta no já velho conhecido Word, da Microsoft. E despachamos cartas impressas em papel vergê, com um envelope distinto — desses que as pessoas não jogam no lixo na hora que recebem — para todos os escritórios e organizações da lista, anunciando ao mundo jurídico o nascimento de nossa obra. Mais de um terço da correspondência voltou, bem mais do que sugeria o livro.

Mesmo assim, a revista eletrônica Consultor Jurídico começou a ficar conhecida, provavelmente graças à velha comunicação boca a boca, acima de tudo. Até porque uma revista jurídica sem papel — como qualquer coisa sem papel — ainda desafiava os usos e costumes da época.

Fomos convidados a participar de reuniões de advogados para explicar o projeto. Em uma delas, com um grande número de pessoas, fomos questionados longamente. Respondíamos praticamente a tudo prontamente. Quando houve certa hesitação, o advogado que contestou a existência de páginas na internet se levantou rapidamente e interveio para nos socorrer. Já convencido, ele, diferentemente de nós, ganhou a discussão sobre as “páginas”.

Na reunião, havia no ar entusiasmo, admiração, curiosidade e, sobretudo, desconfiança. A maioria deles já havia se familiarizado com a internet. Nem todos, porém. Após o encontro, em um coquetel, um advogado disse que nosso projeto era inútil, porque ele sequer usava computador. Tentei falar sobre a utilidade dos computadores, mas ele interrompeu: “Já fiz demais em passar da máquina de escrever para a máquina de escrever elétrica”.

Aos poucos, a resistência foi minguando. Com isso, a responsabilidade foi aumentando. Se estávamos navegando em águas tecnológicas pouco conhecidas, a parte financeira do projeto era uma incógnita cuja resposta era rápida e precisa: “não temos a menor ideia”. Nessa época, Márcio Chaer se despediu de seus cabelos.

Hoje, pode-se dizer que revista estourou desde o princípio. O retorno, na maioria de advogados e outros profissionais da área jurídica, foi estimulante. Íamos a reuniões de candidatos à presidência da OAB, por exemplo, para buscar reportagens e, é claro, promover a revista eletrônica. Quando éramos apresentados como fundadores da Consultor Jurídico, praticamente todos os advogados já a conheciam. Muitos diziam que fizeram dela sua homepage. A ConJur existia, apesar de nossos parcos conhecimentos tecnológicos, sem fotolito, sem impressão e sem distribuição.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!