ConJur, ano XV

O prédio que sumiu e o defunto que não assinou

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

29 de julho de 2012, 9h25

Selo 15 anos ConJur
Spacca
Sempre que se comemora um aniversário lançamos um olhar sobre o passado. Como diz a canção popular, recordar é viver. Isso explica a nossa necessidade de esquecermos as coisas ruins. Agora, que estamos comemorando os 15 anos do Consultor Jurídico, confesso que não me lembro de coisas ruins desse período, especialmente em relação a este veículo de informação.

O ano da criação da Conjur – 1997 –  foi um dos melhores de minha vida. Fui eleito conselheiro da OAB-SP na chapa do Rubens Approbato e naquele ano tudo correu maravilhosamente bem, em todos os sentidos. 

Sempre procurei escrever pouco. Aos 13 anos, trabalhando com um advogado, recebi uma lição importante. Quando ele se preparava para contestar uma ação, eu comentei que ia ser difícil, pois a inicial tinha mais de 100 páginas e o escritório mais de 100 advogados. “Quem muito escreve, tem pouco direito”, ensinou-me. Depois respondeu-me sobre a quantidade de advogados: “O número de cabeças só tem importância quando se trata de uma boiada”.

Certa vez fiz razões de apelação em matéria tributária ocupando seis linhas de uma única folha. Como a apelação teve sucesso, acabou sendo mencionada numa reportagem do 198/1994 do Jornal do Advogado. Aqui vai o texto, a título de curiosidade:

“A r. sentença não pode prosperar, pois contraria jurisprudência dessa Corte que, composta de 12 Câmaras, em todas sempre concedeu a segurança que na inicial se pleiteia. Provas disso são as 36 cópias de acórdãos em anexo, 3 de cada uma daquelas Câmaras. Sempre na marcha correta, não pode o E. Tribunal agora afastar-se da lei e do direito, contrariando sua própria jurisprudência. Por isso, pede e espera mais uma vez a desejada Justiça.”

Marcio Chaer era o editor daquele jornal e a reportagem foi uma grata surpresa para mim, pois a petição era de 1990. Telefonei agradecendo a menção e aí nasceu uma grande amizade. 

Quando surgiu o Consultor Jurídico, desde o primeiro momento fiz questão de estar ao lado do novo veículo, de início passando notícias, depois, esporadicamente, enviando artigos. Com isso eu tentava ser um pouco jornalista, nem que fosse apenas para justificar meu antigo registro nessa profissão que não precisa mais de registro algum. Acabei me transformando em colunista, escrevendo semanalmente sobre algo que por aqui não existe: “Justiça Tributária”.

Logo que essa jornada teve início, o pessoal começou a correr atrás de notícias. Uma das primeiras foi de uma solução bem humorada que encontrei para acabar com uma besteira da Secretaria da Fazenda. Resolveram reter documentos pessoais de quem ingressasse no edifício sede, na Avenida Rangel Pestana, devolvendo-os na saída. Quando lá estive, recusei-me a deixar meu documento na portaria, porque a retenção é proibida por uma lei federal. A lei pretende prevenir fraudes, falsificações, extravios etc. Por conta disso, criei uma espécie de carteirinha de uma entidade inexistente, o COPAF –Conselho Federal dos Apedeutas Profissionais, que passei a deixar em prédios onde se exigia a retenção, ou seja, onde se ignorava a lei. O assunto acabou repercutindo, inclusive na revista Veja São Paulo (Vejinha) e foi uma das primeiras notícias do Consultor Jurídico, publicada em 29 de julho de 1997, segundo dia da revista.

Nesses quinze anos aconteceram outras coisas curiosas. Por exemplo: em 5 de janeiro de 1998, a primeira segunda-feira daquele ano, cheguei mais cedo ao escritório depois do feriado prolongado e um repórter me ligou pedindo que eu comentasse decisão sobre rumoroso caso de subfaturamento em importações de veículos. O contribuinte sofrera grande auto de infração e conseguiu sucesso já na primeira instância, o que não é comum.

Eu não podia comentar. Primeiro, porque nada sabia da decisão, da qual nem o contribuinte ainda tivera conhecimento. O assunto era sigiloso, mas a notícia foi divulgada até para a Folha, ao que parece por um funcionário público.  Segundo, porque eu era o advogado do caso, obrigado ao sigilo profissional. O ruim de ser advogado tributarista é isso: os clientes não querem divulgação de nada e nós advogados somos muito vaidosos.

Certo dia o Márcio Chaer teve a brilhante idéia de fazer uma reportagem sobre decisões estranhas ou mesmo folclóricas do poder judiciário. Enviei-lhe duas que aconteceram em meu escritório, ambas ocorridas em São Paulo.

A primeira foi um mandado de prisão contra um depositário infiel, que teria desaparecido com um bem penhorado. A prisão de fato não chegou a ocorrer, pois o bem que garantia a dívida era um apartamento e o advogado conseguiu convencer o juiz que imóveis não saem do lugar e nem costumam desaparecer, principalmente quando se trata de apartamento num segundo andar de um prédio com mais de dez pavimentos.

A segunda história engraçada ocorreu quando, numa ação de anulação de escritura, o juiz mandou colher padrão grafotécnico de um procurador, mesmo tendo sido comprovado nos autos que ele estava morto desde mais de cinco anos antes da lavratura da procuração. Por incrível que pareça, quando o advogado foi reclamar com o juiz, recebeu a clássica resposta: recorra! O recurso de uma só página tinha em seu primeiro item, em letras maiúsculas: DEFUNTO NÃO ASSINA. O juiz achou melhor voltar atrás e por muita coincidência no dia seguinte o réu propôs acordo para encerrar a discussão.

Aqui a coisa quase vira encrenca. Como na notícia do defunto se mencionou a Vara onde a pérola foi encontrada, o juiz imediatamente ligou muito bravo, afirmando que jamais tal fato ocorrera, que se tratava de invenção, que iriam ser tomadas providências etc. e tal. Foi preciso que eu enviasse imediatamente a cópia do despacho e sua publicação no diário oficial e o mais que se relacionava com o caso. Por isso que advogado tem que ter um bom arquivo. O caso não ocorrera com o juiz que reclamou, mas com um que o antecedera no cargo. Não se mencionou o nome do santo, mas apenas o milagre. No caso um bom milagre: ressurreição. Ou, na pior das hipóteses, uma sessão de psicografia.

Nos primeiros anos de atividade algumas pessoas chegaram a confundir o nome do Consultor Jurídico com seu objetivo. Sentia-me um pouco culpado, porque ajudei a escolher o nome. Apesar do nome, em nenhum momento o veículo se propôs a qualquer outra coisa que não fosse informar o grande público, tornando cada vez mais conhecidas as decisões judiciais, as opiniões de colaboradores de alto nível e o que ocorresse na área jurídica, inclusive abrindo espaço para comentários que dificilmente se encontrava na imprensa.

Boa parte de nossos leitores são advogados ou outros operadores do Direito. Assim, é fácil explicar que não podemos responder perguntas sobre casos concretos, pois isso seria infringir normas do Código de Ética da OAB.

O espaço dos comentários, por outro lado, certamente é uma das principais atrações do Consultor Jurídico. Qualquer pessoa pode manifestar sua opinião, que será sempre respeitada, pedindo-se ao comentarista apenas que observe a política de respeito que adotamos. Raramente ocorreram abusos e alguns raros casos tiveram que ser resolvidos com a exclusão do comentário inadequado. Muitos leitores aqui comparecem com frequência, o que nos dá grande orgulho.

Nos primeiros anos quando alguém comentava algum artigo meu, eu logo procurava explicar. Não raras vezes isso acabava se tornando desgastante. Qualquer explicação que eu dava era refutada e a coisa não tinha fim. Fiquei com a exata impressão de que algumas pessoas desejam apenas comentar, criticar, expor seu ponto de vista. Não tinham nenhum interesse na explicação ou no debate. Cheguei à conclusão que o melhor que temos a fazer é respeitar a vontade do leitor, sem pretender fazer qualquer juízo de valor a respeito. Isso é que é democracia. Qualquer pessoa expõe sua opinião como quiser.

Nos meus artigos sobre tributação às vezes chego a “pegar pesado” face a medidas que entendo ruins para o contribuinte. Recentemente recebi uma mensagem de um leitor dizendo que eu deveria ter muito cuidado, pois poderia sofrer algum problema. Na minha idade já não tenho mais o direito de me preocupar com isso. Mas por via das dúvidas, sempre tomei minhas cautelas. Afinal, viver é uma aventura perigosa.

Toda a equipe do ConJur dedica-se a divulgar os fatos da atividade jurídica para o maior número de pessoas. Não se usa aqui o “juridiquês”. Procuramos sempre uma linguagem clara, acessível a qualquer pessoa. Parece-nos que qualquer pessoa pode ter algum problema jurídico. E é muito bom que a informação seja divulgada, para ajudar a todos que dela precisam.

Esse estilo de escrever despojado, mas preciso, onde evitam-se atalhos confusos, foge-se das notas de rodapé que mais confundem do que ajudam e onde sempre se procura ir direto ao ponto, vem dando bons frutos.

Nas diversos mecanismos de busca da internet (Google, por exemplo) os textos da ConJur são divulgadas por muitas pessoas. Alguns se esquecem de citar a fonte, o que não atende às normas éticas do jornalismo ou de qualquer profissão. Mas, mesmo assim, percebe-se que muitos procuram seguir esse sistema: escrever pouco, objetivamente, indo direto ao ponto. Parece já difundida a ideia de que não existe a necessidade de escrever muito, que o importante é escrever bem, de forma que todos entendam.

Participar da equipe do ConJur desde o início tem sido um privilégio. Se o primeiro ano foi o melhor da minha vida, cada um dos dias que se seguiram, mesmo aqueles em que passei por sérios problemas, foram anos de aprendizagem e de crescimento. Aos 70 anos de idade, já não me preocupo com as coisas do futuro. Vivo o dia de hoje, um de cada vez. E ao viver parte deles envolvido com o ConJur, chego à conclusão que estou ficando cada vez mais jovem!

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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