Em agosto de 2011, o Supremo Tribunal Federal votou pela inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da Lei Complementar 118. Ela previa a retroatividade do artigo 3º da norma, que reduziu o prazo para a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação — como o IPI ou o ICMS — pagos a mais pelo contribuinte. Assim, créditos de antes de 2005, quando a regra entrou em vigor, poderiam ser resgatados em até dez anos, e não apenas em cinco, como previu o novo texto.
Apesar da decisão do STF, especialistas insistem que a questão não foi solucionada. Embora a corte tenha negado a retroatividade, não se pronunciou devidamente a respeito do início do prazo prescricional, ou seja: se o que o inaugura é o pagamento ou a propositura da ação.
Um imposto recolhido a maior em 2004, por exemplo, embora tenha sido anterior à lei, não poderia ser restituído se o processo administrativo na Receita Federal fosse impetrado em 2010, quando a nova lei complementar já vigorava. Antes da lei, o contribuinte teria até 2014 para fazer o pedido. Depois, até 2009.
“Ao votar, a ministra Ellen Gracie [aposentada] declarou a regra parcialmente constitucional. Essa é a consequência prática da decisão”, afirma o advogado Hernani Zanin Junior. Ele e o colega Elsimar Roberto Packer defendem que, embora a relatora tenha se posicionado sobre a matéria, quatro ministros não o fizeram.
A alegação de Zanin é reforçada pelo discurso do ministro Luiz Fux, o último a votar. “O único destaque que faço é que a Lei Complementar 118 criou um prazo prescricional para a propositura de ações de repetição de indébito. Então, o pagamento da ação é que inaugura o prazo prescricional, e não a propositura da ação”, afirmou o ministro. “Eu apenas sugeriria, com essa corrente majoritária, que houvesse um ajuste a termo a quo”.
Em seguida, questionado pelo então presidente do STF, ministro Cezar Peluso, sobre sua decisão, Fux confirmou que negava provimento ao recurso, mas “nos termos do voto do ministro Celso de Mello”.
Celso de Mello foi um dos ministros que explicitou discordância em relação à relatora, pois, embora tenha se posicionado pela inconstitucionalidade do artigo, entendeu que o que inaugura o prazo prescricional é o pagamento indevido. o ministro Ricardo Lewandowski foi da mesma opinião. Como lembra Zanin, entretanto, o voto de Celso Mello não consta nas notas taquigráficas, somente no vídeo oficial do julgamento.
Os ministros que não se pronunciaram sobre o tema foram justamente os que defenderam a validade da retroatividade — Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Marco Aurélio — pois, se a posição deles tivesse sido a predominante, nem sequer teriam de falar sobre a segunda parte. Os magistrados que seguiram integralmente o voto de Ellen Gracie foram Peluso e Ayres Britto.
"O que precisamos difundir é a necessidade de reconhecimento, pelo STF, de que ele não julgou essa questão de maneira válida. E aquilo que, no mundo jurídico, não é construído de maneira válida, não pode produzir seus efeitos”, sustenta o advogado.
“Caso haja reconhecimento, pelo STF, de que a corte não formou coisa julgada em repercussão geral, seria nula a possibilidade de se reavivar o tema em novo julgamento”, complementa Packer. "Trata-se de matéria de índole estritamente infraconstitucional, cuja competência exclusiva é do Superior Tribunal Justiça, que, aliás, já havia colocado um ponto final no tema por meio de Recurso Repetitivo."
O advogado se refere ao Recurso Especial 644.736, em que o STJ decidiu que “a prescrição do direito de pleitear a restituição se dá após expirado o prazo de cinco anos, contados do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos, a partir da homologação tácita”.
Mais problemas
O tributarista Dalton Miranda, do escritório Trech, Rossi e Watanabe, concorda com as afirmações, mas demonstra mais preocupação com os tributos considerados inconstitucionais pelo STF após muitos anos de vigência.
“Pode existir o contribuinte que em momento algum vai se insurgir contra um tributo por entender que a Receita Federal tem razão”, exemplifica. “Mas, e se após 20 anos, uma ação qualquer chega Supremo e ele diz que o tributo não é constitucional? O contribuinte que pagou o imposto indevido por todo esse tempo não tem o direito de ser restituído?”, questiona.
Miranda questiona se a contagem estabelecida pela ministra Ellen Gracie — prazo de cinco anos a partir do pagamento indevido — vale também para essa situação. Em caso afirmativo, ele acredita que a pessoa que quitou os tributos sem protestar será prejudicada. “Faltou ao STF se pronunciar sobre isso.”
O advogado lembra que a LC 118 surgiu em decorrência da tese dos “cinco mais cinco” anos do STJ — cinco anos para o fisco homologar o tributo apurado e declarado pelo contribuinte, mais os cinco anos da prescrição —, firmada no REsp 644.736. Esse, por sua vez, foi motivado pela declaração de inconstitucionalidade do cálculo do PIS/Confins sobre a receita bruta não operacional das empresas. “Por isso, o Supremo teria de ter se posicionado sobre essa questão durante o julgamento do recurso.”
Ao contrário de Packer, porém, Miranda considera ser possível que ambas as discussões voltem ao STF. “Talvez o STJ se veja obrigado a recuperá-las antes, mas são raras as vezes em que uma matéria tributária termina nele”, observa. “Toda matéria tributária, de alguma forma, se relaciona com princípios da Constituição e chegam ao Supremo também por seu alcance e impacto na economia.”
Recurso Extraordinário 566.621