20 anos

"Pequenos serviços mantêm o cliente no escritório"

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28 de julho de 2012, 3h12

Spacca
Caricaturas Lacaz Martins - 27/07/2012 [Spacca]Os últimos 20 anos fizeram o Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados deixar de ser uma sociedade de apenas três membros para se tornar uma potência em ascensão. O escritório possui hoje 17 sócios, 41 associados, 30 advogados, 51 estagiários e 57 funcionários do administrativo, totalizando um batalhão de 196 pessoas. (A ilustração representa os sócios Miguel Pereira Neto, Luiz Eduardo Schoueri, Ricardo Lacaz Martins e Eduardo Isaías Gurevich.)

Cerca de 30% dos estagiários do escritório são efetivados. A média do tempo de casa dos sócios e associados é de sete anos. A cola dessa estrutura é o sócio fundador Ricardo Lacaz Martins, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, conhecido pelos sócios e amigos como persuasivo negociador. A entrada dos demais fundadores, contemporâneos do curso de Direito na USP, veio não só pela amizade, mas também pela persistência dele, cujo sobrenome aparece à frente dos demais na placa de entrada do escritório.

Depois do primeiro ano, Lacaz se uniu a Luiz Fernando Amaral Halembeck, que ficou na sociedade até setembro de 2011, e foi atrás de Miguel Pereira Neto, que topou o desafio de deixar seu plano de ir a grandes escritórios para entrar no time que iria ajudar a construir. Em seguida, eles foram à caça de Eduardo Isaías Gurevich, mestre em Direito Internacional pela University of Pacific, MC George School of Law, então responsável jurídico pela construtora Odebrecht no Brasil, e que entendia de Direito e Infraestrutura. Depois veio Luiz Eduardo Schoueri, que voltava da Alemanha com um doutorado na área tributária que lhe daria preço de ouro. Contratado como sênior, topou o desafio depois de alguns almoços com Lacaz.

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Os 20 anos foram completados exatamente no dia 6 de maio. No dia 7, os sócios ofereceram aos seus advogados um brinde, dentro do próprio escritório. Uma festa para clientes e amigos ainda é planejada. Pela primeira vez, a banca está investindo em comunicação interna. (Na foto ao lado, a equipe do escritório comemora o aniversário, no dia 7 de maio)

Mercado desprezado
A meta sempre foi ser grande, mas o planejamento para o crescimento do escritório 

full service foi mínimo: se um cliente chega com um problema que os advogados nunca trataram, eles estudam, entendem e resolvem. Se obtêm sucesso, muito provavelmente inauguram uma área para tratar apenas do assunto. 

Os quatro sócios principais gostam da estrutura que ganharam ao longo das duas décadas. A parte ruim, diz o sócio Luiz Eduardo Schoueri, professor titular de Direito Tributário da USP, é a menor proximidade devido ao tamanho. “Ganha-se em estrutura, mas perde-se um pouco do contato humano que tínhamos quando éramos menores.”

As relações interpessoais parecem ser um dos focos do escritório que começou com três amigos com a intenção de oferecer consultoria tributária a empresas de médio porte, pequenas demais para as grandes consultorias e fora da mira dos escritórios de advocacia. Os advogados têm até mesmo um conjunto musical, cujo bem humorado nome é Jurisprudance. A ideia assimilada e apregoada pelos fundaores é que o cliente confia em seu advogado e, por isso, recorrerá primeiro a ele, antes de procurar outro. Por isso, é preciso estar preparado para amparar e oferecer soluções a qualquer hora.

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Por isso, as chamadas boutiques não seduzem os atuais sócios da banca. Ricardo Lacaz Martins diz que, a longo prazo, uma boutique não se sustenta. “É preciso participar do dia a dia do cliente, e não se especializar para esperar alguém chegar até você quando estiver exatamente com o problema no qual seu escritório se especializou.” (Na foto ao lado, Lacaz no escritório)

De tributação a crimes, passando por Direito Trabalhista, os sócios, até hoje, buscam ficar o mais próximo posível dos casos. Lacaz, por exemplo, costuma fazer sustentação oral em todos os processos de Direito Tributário em que isso é necessário. Miguel Pereira Neto, também fundador, lembra de alguns casos que estão mais para "causos".

Ele conta ter despachado com um ministro do Superior Tribunal de Justiça durante o enterro da mãe de outro ministro. De outra feita, esperou um ministro do Supremo Tribunal Federal, relator de um processo que defendia, fazer o check-in no aeroporto para só então entrar com um pedido de Habeas Corpus, para ter certeza de que a petição seria distribuída para outro ministro, mais garantista.

Mosaico lucrativo
O crescimento da banca é creditado pelo sócio Schoueri a esforços e coincidências. Coincidências como o fato de seu livro sobre tributação internacional Planejamento Fiscal através dos Acordos de Bitributação: Treaty Shopping ter sido publicado — com atraso de dois anos — justamente no período em que o Brasil sancionava a Lei 9.249, que inseriu questões internacionais na legislação do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, em 1995.

O sucesso também se deve à perspicácia. Além de levar em conta a falta de atendimento a companhias de médio porte para abrir o escritório, os advogados prestaram atenção a necessidades do mercado. Um exemplo claro está na entrada de Eduardo Isaías Gurevich na banca, em 1996.

Gurevich fora chamado para criar a área de Direito e Infraestrutura do escritório enquanto se observava a falência do Estado e a chegada da era das privatizações. “À época, o Estado estava sofrendo com a ausência de recursos orçamentários. Havia a necessidade de remodelar seu papel na infraestrutura. Não havia mais recurso para obras novas. Foi a era das concessões e privatizações”, lembra ele. Com isso, a banca participou da privatização da Telebrás, o que lhe abriu diversas portas.

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Atentos aos ventos dos bons negócios, os fundadores aproveitaram a pouca atenção que médias empresas nacionais recebiam há duas décadas e se dedicaram a esse filão. "As consultorias estavam prestando serviço para grandes empresas estrangeiras. Os outros escritórios estavam focados em grandes ações e grandes empresas nacionais ou grandes empresas estrangeiras também", diz Martins. "O escritório teve algumas vitórias em casos importantes, que foram chamando atenção, porque realmente era um escritório muito jovem. Depois, com o número de clientes crescendo, outras bancas e consultorias passaram a olhar os clientes de médio porte e a gente também passou a olhar para os clientes de porte maior." (Na foto ao lado, a placa com o nome dos sócios na entrada do escritório)

A entrevista a seguir mostra que atuações em casos de repercussão também foram responsáveis por saltos de crescimento, como a entrada do escritório na defesa de investigados na operação Anaconda, da Polícia Federal — deflagrada em 2003 para investigar venda de sentenças —, e a corrida por um prêmio do setor imobiliário, que deram visibilidade ao escritório.

Leia a entrevista: 

ConJur — Como foi o começo?
Ricardo Lacaz Martins — Começamos com três advogados. Ao final do nosso primeiro ano, nos separamos e, em seguida me associei ao Halembeck. Logo veio o Miguel Pereira Neto, seguido pelo Schoueri e o Gurevich. Ao final de dois ou três anos tínhamos formado o núcleo do escritório de hoje.

Miguel Pereira Neto — Nós estudamos na São Francisco [Faculdade de Direito da USP]. Eu era amigo do Halembeck e do Lacaz. Eu sempre fui de contencioso, guerreiro de processo. Fazia algumas coisas com o Halembeck quando ele trabalhava no Pinheiro Neto e eu estava trabalhando com o professor José Cretella Junior. O Halembeck me convidou para almoçar em uma época que eu pensava em sair do escritório. Tinha necessidade de ganhar mais e sair, e a vontade muito grande de trabalhar num escritório maior. Fiz o teste para alguns escritórios bem grandes e passei. Conversei com a minha esposa sobre as oportunidades: eram alguns grandes e esse pequenininho de dois colegas da faculdade. Vimos o potencial para crescer nesse e cá estou, realizando o meu sonho de ter um escritório exatamente como somos hoje.

ConJur  O que o escritório tem de diferencial?
Eduardo Isaias Gurevich — Agilidade, compreensão dos problemas do cliente e a possibilidade de ser bastante criativo na formulação de honorários. Fazemos parcerias com clientes, combinamos pagamentos êxito. Entendemos a necessidade do caso e a posição financeira do cliente. Antes desta entrevista, eu estava, inclusive, rediscutindo uma proposta de honorários. Fizemos uma proposta semestral com avaliação de horas. Um cliente que tem budget fixo e disse não querer surpresas. Fizemos correlação de quantidade de trabalho e remuneração e estabelecemos um valor fixo mensal por seis meses. Depois, somaremos as horas trabalhadas e, caso o valor pago mensalmente seja menor que o valor do tempo trabalhado, cobraremos as horas a mais com desconto. Só cobraremos essas horas se a diferença for maior do que 30%. No próximo semestre, revisaremos a base do valor mensal, de acordo com o balanço desse primeiro período.

ConJur Com um escritório grande se mantém próximo ao cliente?
Ricardo Lacaz Martins 
 Eu não acredito em boutique. Acho que um escritório precisa de estrutura. A atenção ao cliente faz parte da nossa história. É preciso contextualizar para entender. Há 20 anos, havia seis ou sete grandes escritórios — que eram excepcionais escritórios, como o do Hamilton Dias de Souza. Havia ausência de escritórios que oferecessem esse produto mais complexo e mais estruturado como planejamentos tributários e reestruturação societária e tributária. As próprias ações tributárias e a assessoria em investimentos estrangeiros, que hoje são bem conhecidas, na época não eram. Vimos que havia uma série de empresas que não tinha acesso a esse tipo de produtos, principalmente empresas de médio porte, de muito bom tamanho, mas que não eram o público das grandes consultorias, que faziam esse tipo de serviço.

ConJur — E como surgiu a ideia de chegar a esse mercado?
Ricardo Lacaz Martins 
— Foi uma ideia que eu tive e um pouco de sorte, nada foi calculado. Quando eu estava na Arthur Andersen [hoje Accenture], fui atender a um cliente, ele gostou muito da reunião, mas não interessou à Arthur Andersen fechar o negócio. Depois, participei de reunião com outros dois possíveis clientes, mas que também eram de um tamanho menor do que os que a consultoria costumava atender. Uma era uma distribuidora de bebida que já fechou, era a principal distribuidora da cerveja Cerpa no Brasil. Era uma grande distribuidora de bebidas. A outra era a Brasilcote, que produz papéis. Esse foi o gatilho que me fez chamar mais duas pessoas que trabalhavam comigo na Arthur Andersen e falar que havia um mercado que não era atendido. Se esses caras não querem atender, eu quero. No primeiro ano, fazíamos basicamente esse serviço de consultoria. Ao cabo do primeiro ano, achei que a gente tinha que ampliar nosso leque de serviços, os sócios eram advogados formados. Foi quando começamos a desenvolver o que o escritório é hoje. Começamos a fazer contencioso tributário, contratos, societário e outras áreas. Esse é o DNA do cliente brasileiro. Ele confia no advogado, na pessoa e no escritório. Se ele for seu cliente na área tributária e precisar de alguém da área criminal, vai querer que você faça, antes de procurar outro escritório.

ConJur  As consultorias e escritórios de advocacia da época tinham outro foco?
Ricardo Lacaz Martins  À época, eles não pegavam esse middle market de empresas nacionais. As consultorias estavam prestando serviço para grandes empresas estrangeiras. Os outros escritórios estavam focados em grandes ações e grandes empresas nacionais ou grandes empresas estrangeiras também. Era surpreendente quando explicávamos o que se poderia fazer com uma reestruturação societária, um planejamento sucessório, um planejamento tributário, uma ação tributária, uma análise onde se poderia ter uma maximização de resultados. Os clientes ficavam abismados. O escritório teve algumas vitórias em casos importantes, que foram chamando atenção, porque realmente era um escritório muito jovem. Depois, com o número de clientes crescendo, outras bancas e consultorias passaram a olhar os clientes de médio porte e a gente também passou a olhar para os clientes de porte maior.

ConJur  A estrutura do escritório conta hoje com quase 200 pessoas. Qual o critério para o aumento?
Ricardo Lacaz Martins — A gente é superconservador na organização interna do escritório. Nunca ampliamos por ampliar. Aumentamos o escritório segundo a demanda do cliente, somos reativos.

ConJur — Esse tamanho permite aproximação com o cliente?
Ricardo Lacaz Martins — O escritório gosta do dia a dia da empresa, do cliente. A gente não é um escritório só de operações e grandes estruturas e grandes operações especiais. Fazemos muita auditoria, reestruturação, transações grandes. Só que a gente não faz só isso. Acompanhamos o dia a dia da empresa. A gente faz a consulta de PIS/Cofins, atende questões de certidão negativa, mandados de segurança.

Miguel Pereira Neto  Esses dias atendemos em um acidente de veículo na madrugada. O filho do dono da empresa bateu o carro, machucou alguém. O pessoal da área criminal foi atender. Temos custos e estruturas para fazer isso. A gente, óbvio, faz os grandes trabalhos. Mas acreditamos que esse dia a dia é o que dá base de confiança entre nossos clientes. 

ConJur  Não dá lucro, mas segura o cliente?
Ricardo Lacaz Martins  É o que importa. A gente não consegue saber se o lucro vem daqui ou dali, isso é até um pouco complexo demais. Mas é o que dá a confiança de que o cliente está aqui. 

ConJur  E funciona?
Ricardo Lacaz Martins  A Brasilcote, é nossa cliente até hoje. Na semana passada, eu estava lá. O pai, que era o dono, morreu e a filha continuou tocando a empresa, que é uma indústria bem conceituada em Diadema (SP).

ConJur  Não há contradição em planejar o mercado de atuação, mas apenas reagir em relação à estrutura necessária?
Ricardo Lacaz Martins  O nosso planejamento é prestar um serviço de qualidade. Eu acredito muito na advocacia como uma maneira de não medir esforços para prestar serviços de qualidade. Os escritórios não são empresas, eles têm uma faceta de empresa, sim, mas trata-se de um serviço pessoal e de qualidade. Eu penso como o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) nesse aspecto. Acho que tem muito advogado que se coloca como empresa, mas isso não é a cara da advocacia que a gente acredita. Eu acredito na advocacia com perfil de prestação pessoal de serviços. E tem facetas de empresa, porque você tem de ser um empresário, mas, primordialmente, o seu tempo tem que ser dedicado à advocacia. Eu dedico 90% do meu tempo, invariavelmente, a advogar, a cuidar dos clientes, a atendê-los em reunião.

ConJur  Como lidaram com a concorrência no início?
Ricardo Lacaz Martins  A concorrência percebeu que o mercado era promissor, mas demorou. Existe uma barreira de entrada, que todo mundo conhece. O principal conceito de barreira de entrada era o conhecimento de tributação, com conceitos contábeis, com conceitos de Imposto de Renda. Que não era válido para o advogado da época, que não se comunicava com contador. A gente sabe que o tributarista hoje está ligado ao contador, com o diretor financeiro etc. Naquele tempo, advogado falava com o jurídico, que não se comunicava com a controladoria financeira. As empresas de auditoria faziam um pouco esse elo. Como elas contratavam não só contadores, não só administradores, mas também advogados, o advogado passava a ter essa versão de conversar com conceitos financeiros, conceitos contábeis. O primeiro curso que se fazia numa empresa de auditoria era o curso básico de Contabilidade, chama-se CBC. Essa barreira de entrada que era o conhecimento da contabilidade que os profissionais egressos dessas empresas de auditoria tinham aliados aos conceitos jurídicos que tínhamos da faculdade, da vida de advogado. Houve um tempo até as pessoas abrirem outros escritórios que trilhassem esse caminho. 

ConJur — Quais são as áreas mais fortes do escritório em faturamento e clientela?
Luís Eduardo Schoueri —
Nós não temos nenhuma área que sozinha ultrapasse 30% do faturamento do escritório.

Miguel Pereira Neto  Aqui, cada uma das áreas prima por dar o atendimento pessoal aos nossos clientes em ramos diferentes. Mas com uma estrutura que permite atendimento em todas as áreas.

ConJur  Tratar o cliente de forma pessoal não é um clichê?
Ricardo Lacaz Martins — Parece uma loucura falar isso hoje, mas era muito comum o advogado não retornar a ligação. As pessoas iam consultar o advogado e não tinham retorno. Não eram tratadas como hoje. Eu tive essa briga, internamente, inúmeras vezes com vários advogados do escritório. Era uma cultura que se tinha, de que o advogado era mais importante que o cliente. Acho que a visão da consultoria trouxe isso para o escritório, e isso era, sim, um diferencial quando começamos.

ConJur — Como é o nível de autonomia entre as áreas?
Luís Eduardo Schueri —
Enorme. Eu posso negociar com outra área dizendo: “olha, esse cliente é importante, é estratégico para minha área, então, vamos fazer isso”, e fico com o compromisso de compensar em outro lugar.

ConJur — A divisão de ganhos é por área? 
Luís Eduardo Schoueri —
Hoje em dia, as áreas fazem suas divisões, suas metas. O sistema é complexo. Existem resultados globais do escritório, mas tem muito do individual da área. Se uma área tiver muito advogado e não tiver faturamento suficiente, alguma coisa está errada. 

ConJur — Procurar trabalho na área de infraestrutura foi um tiro certeiro?
Eduardo Isaias Gurevich  Fui chamado em 1996, pelo Lacaz, para criar a área de Direito de Infraestrutura. Tratamos de obras de água e esgoto, teles, energia, com ou sem a administração pública. Atualmente, eu diria que temos 70% dos trabalhos com a iniciativa privada. O setor é forte dentro do escritório em faturamento e representatividade em número de advogados. À época, o Estado estava sofrendo com a ausência de recursos orçamentários. Havia a necessidade de remodelar seu papel na infraestrutura. Em 1994, 1995 e 1996 vimos a falência do Estado. Não havia mais recurso para obras novas. Foi a era das concessões e privatizações. Nesse novo modelo, o Estado deixa de ser investidor, busca iniciativa privada que tem know how e vira fiscalizador e gestor de serviços. 

ConJur  Por que o setor cresceu tanto?
Eduardo Isaias Gurevich  Nos adiantamos à Lei de Concessões e todo o programa de privatização de iniciativas em que o Estado achou que a presença dele não era mais fundamental, numa mudança de paradigma. Atuamos na privatização do sistema Telebrás. Todas as empresas de telefonia de hoje decorrem da modelagem da privatização do sistema Telebrás. Trabalhamos também na concessão das rodovias estaduais e federais. Fomos assessores da iniciativa privada na maioria dos casos, mas também assessoramos a Administração Pública recentemente na maior concessão de esgotamento sanitário do país, com orçamento de mais de R$ 1,2 bilhões. A AP-5.

Miguel Pereira Neto  Na época das privatizações, fizemos uma pasta com estudos sobre privatização de aeroportos.

Ricardo Lacaz Martins  Quando assessoramos as empresas sobre as privatizações, já prevíamos isso.

ConJur  De onde veio a ideia de ter uma área criminal?
Ricardo Lacaz Martins  A gente é um dos poucos escritórios full service que tem criminal. Sempre nos questionamos se estávamos no caminho certo. O criminal surgiu um pouco por causa da questão tributária, mas depois acabou tendo uma série de ações, porque as pessoas têm problemas. É um empresário que bate o carro, é o problema de crime econômico ou furto dentro da empresa de um cliente.

Miguel Pereira Neto  Até desvios, até os próprios crimes financeiros, que na época em que começamos estavam acontecendo, muito ligados à atividade empresarial, como sonegação na Receita Federal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Ricardo Lacaz Martins  Começamos a atender os clientes com esse tipo de demanda e vimos que era uma atividade absolutamente convergente com a que vínhamos desenvolvendo.

Miguel Pereira Neto  Eu pensei que caberia montar uma área criminal, mas como formar uma equipe? Acabei montando uma equipe no Cível com os olhos voltados para o Criminal. Começaram a surgir alguns casos e, de repente, começamos a ter muitas ações, que fizeram valer montar uma equipe. O que gerou um boom na área criminal foi a coordenação que fizemos para atender clientes na operação Anaconda, da Polícia Federal.

ConJur  A operação estimulou a estruturação da área criminal?
Miguel Pereira Neto  A gente já estava com o Criminal estruturado, mas foi a primeira grande operação da Polícia Federal e os escritórios não sabiam muito que fazer. Nós tivemos um bom destaque. Até a estrutura que temos auxiliou os escritórios criminais pequenos, que eram boutiques e não tinham estrutura para atender. Como que eles iriam fazer aquele monte de petições, atender aquela turma toda? A gente tinha como fazer isso. Acabaram passando os casos para anós. Aprendemos muito nesse caso, tivemos uma atuação muito bacana, com impetração de Habeas Corpus no Supremo em véspera de feriado, com logística na distribuição. 

ConJur  Como a operação Anaconda caiu no colo do escritório?
Miguel Pereira Neto  Meu filho jogava tênis e, em um torneio, calhou de jogar contra o filho de um homem que chegou para mim e disse que tinha sido pego na operação. Eu o vi no Jornal Nacional e recebi um telefonema. Nessas horas, ninguém vai visitar o sujeito, mas eu fui à custódia da Polícia Federal ver do que ele estava precisando. Fui lá e me coloquei à disposição dele.

ConJur  Há algum período áureo para o escritório em termos de faturamento e clientela?
Ricardo Lacaz Martins  Não, porque somos um escritório do dia a dia do cliente. O escritório tem uma sazonalidade menor em matéria de receita. Ele sempre teve um crescimento orgânico. Não fizemos incorporações, não trouxemos sócios de fora, não fizemos movimentos que tiveram picos de crescimento. Já houve alguns momentos de crescimento no Brasil bons para todos os advogados, mas nosso crescimento é linear.

Luís Eduardo Schoueri  Quando perguntam qual foi a guerra que eu me lembro de ter lutado, respondo que foi a guerra de preço de transferência, quando saiu a Lei 9.430. Eu voltei da Alemanha com doutorado na área tributária internacional. Defendi a tese em 1993, quando o Brasil não tinha nada em tributação internacional, não se falava em internacionalidade no Brasil. Eu era acadêmico e havia conhecido isso lá fora. Em 1995, saiu a Lei 9.249, que foi a primeira sobre tributação em bases mundiais e, por uma coincidência, trouxe minha tese da Alemanha em 1992, e a defendi em 1993. Como eu não era conhecido, levou quase dois anos para que fosse publicada. Ou seja, em 1995, quando chega a Lei 9.249, o meu livro na área de tributação internacional tinha acabado de sair. Com isso, já começamos, com algum conhecimento, a atuar com tributação internacional. Em 1996, saiu a Lei 9.430, que é a Lei do Preço de Transferência. Abre-se, então, no Brasil, uma delegacia de assuntos internacionais da Receita Federal, em São Paulo. A primeira fiscalização que aconteceu foi em matéria de preço de transferência. Escolheram uma empresa do ramo farmacêutico, que estava muito em evidência por diversas razões. Essa empresa, por sua vez, procura uma empresa de auditoria na qual eu já tinha trabalhado — e tinha um bom nome — e perguntam sobre mim e minha tese. Eles vêm a nós para que assessorássemos a empresa nessa fiscalização.

ConJur  Os escritórios estrangeiros seriam uma ameaça no Brasil?
Ricardo Lacaz Martins  Entendo que os escritórios brasileiros sabem como atender as empresas aqui estabelecidas. Não é fácil e nem automático abrir um escritório e competir em uma cultura de serviços e jurídica bastante particular. Claro que os escritórios estrangeiros poderiam atender as empresas internacionais que tenham negócios no Brasil, mas, mesmo assim, teriam que passar por um processo de aculturação. O fato é que hoje os escritórios estrangeiros não podem operar no Brasil e a norma tem que ser observada.

ConJur  O crescimento do escritório já provocou uma mudança de endereço. Como era no início?
Miguel Pereira Neto  No início, era na avenida Faria Lima [zona oeste de São Paulo]. A gente atendia no terceiro andar. Quando eu fui para o escritório, tinha a Ester, que era a nossa secretária e está aqui com a gente até hoje; o Fábio, que era o office boy e hoje virou chefe do arquivo; e uma estagiária paranaense que saiu do escritório e nunca mais vimos. A minha sala não tinha nem janela. Sem exagero nenhum, a sala tinha a porta e a mesa e era tão pequena que não dava para fechar a porta enquanto não sentasse na mesa. Era uma coisa meio sufocante. Eu deixava a porta aberta e coloquei um quadro com uma janela. A gente fazia milagre para atender lá. Era engraçado. Ainda teve cliente dormindo dentro daquele escritório, um atacadista que decretou falência e não cumpriu as obrigações da falência. O juiz mandou prender as pessoas envolvidas e eles não queriam mais sair do nosso escritório, com medo da prisão. Dormiram no escritório no fim de semana. Lembro que, para tirá-los do escritório para ir até Osasco prestar depoimento, foi um sofrimento. Chegaram comigo na audiência. A promotora pediu para reforçar a prisão, achando que iria ser fácil, mas o juiz revogou a prisão. A gente saiu de lá e esse pessoal ficou nosso cliente por muitos anos.

ConJur  Como nasceu a área imobiliária?
Miguel Pereira Neto  Certo domingo, em casa, abri o jornal e vi uma página inteira anunciando o Prêmio Master Imobiliário Jurídico. E a gente com algumas construtoras clientes. O grande problema da construtora é que ela vendia o apartamento, dava a posse ao comprador, o sujeito parava de pagar e ela só iria reaver o apartamento anos depois. O Código de Processo Civil estava, em 1995, sofrendo algumas alterações, inovações. Uma delas era exatamente dando celeridade ao processo, com a antecipação da tutela. Estava no chuveiro e pensei: vou pedir uma tutela antecipada em um caso desses, para concorrer ao prêmio. Só que, para isso, eu precisava de um caso, e a gente tinha vários clientes no ramo. Fui até um dos grandes clientes — que está conosco desde a inauguração — e falei que ia tentar isso, mas precisava de um caso para testar. O juiz de primeira instância negou, e eu fui para o tribunal. Tinha um prazo para entregar o trabalho para concorrer ao prêmio, estava tudo pronto, mas faltava a decisão. Cheguei ao desembargador e falei muito sobre o caso e, no fim, eu disse: “Excelência, já apontei o caso. Se for conceder a antecipação de tutela, capriche na decisão, porque eu vou concorrer a um prêmio com o caso”. Veio uma decisão maravilhosa, eu fiquei até emocionado. Entreguei o trabalho e ganhei o prêmio pela primeira vez. Depois o Ricardo ganhou também.

ConJur  Hoje, como o cliente novo chega?
Ricardo Lacaz Martins  O cliente novo não chega com problemas que a gente não conheça. São os problemas dos nossos clientes, que a gente absorve. Se você tem um problema de Direito Marítimo e precisa de um advogado, não vai chegar para um escritório que não trabalhe com isso para pedir soluções, mas se um cliente nosso tem uma questão que envolve Direito Marítimo, a gente vai fazer. Eu vejo a demanda do cliente como uma exigência. Antigamente, as pessoas não gostavam de falar para o cliente, porque sempre se achavam acima dele. Mas assim começaram todas as nossas áreas. O cliente gostaria, por exemplo, que a gente fizesse a parte trabalhista. Eu peço para ele deixar eu me estruturar, buscar como resolver a questão. Se for uma boa experiência, vou buscar profissionais qualificados para criar uma área.

ConJur — Como é feita a administração do escritório? 
Miguel Pereira Neto 
— É nossa, desde que começamos. É claro que hoje temos departamento administrativo, mas, até hoje, as decisões principais saem de comissões que temos entre sócios.

Ricardo Lacaz Martins — Mais do que administração, tem uma questão de intercâmbio de conhecimento e a interação entre os sócios. Eu chego para o Miguel, para o Schoueri e para advogados da área em questão para discutir os casos.

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