Letra morta

Governo de Utah se recusa a processar família polígama

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26 de julho de 2012, 14h59

Nos Estados Unidos, como em muitos países, é normal a existência de leis que "não pegam". O estado de Utah, por exemplo, tem uma lei que proíbe a convivência sob o mesmo teto de casais que não são legalmente casados. E os proíbe, igualmente, de ter relações sexuais. Nenhuma dessas proibições é respeitada. E, enquanto todos os estados americanos têm leis que proíbem a bigamia ou poligamia, em Utah existem pelo menos 30 mil polígamos, segundo o advogado-geral assistente do estado, Jerrold Jensen. As informações são do Washington Post, CBS News e agência Associated Press (AP).

O que é inusitado, no entanto, é a administração pública — no caso o governo de Utah, representado pela administração do condado de Utah — declarar, oficialmente, que não vai executar a lei antipoligamia. O estado desistiu de um processo que havia movido contra a família "Esposas Irmãs" ("Sister Wives"). O caso ganhou notoriedade em todo o país porque a família — formada por Kody Brown e suas quatro mulheres, Meri, Janelle, Christine e Robyn — têm um programa de televisão, do tipo reality show, que é popular no estado e fora dele. 

A família foi processada exatamente por causa da repercussão que o caso traria a todo o estado, se lhe fosse aplicada uma punição exemplar. Em Utah, ter mais de um cônjuge constitui um delito de terceiro grau, que pode ser punido com até cinco anos de prisão. Entretanto, o advogado-geral do estado, Mark Shurtleff, informou recentemente ao tribunal que desistia da ação. Motivo: é contra a política do estado processar polígamos porque eles vivem um relacionamento consensual entre adultos. O juiz federal Clark Waddoups tirou do processo o procurador-geral e o governador Gary Herbert. Manteve apenas a Procuradoria-Geral do Condado de Utah, representando o estado no processo contra a família Brown. 

No entanto, em maio, o advogado-geral do condado, Jeff Buhman, anunciou que estava fechando a investigação criminal contra a família Brown. E que estava adotando a mesma política do estado. Em seguida, informou ao tribunal que, a exemplo do que fez o estado, também desistia da ação judicial. Não havia porque insistir em uma ação contra os membros da família, se eles não estavam realmente sujeitos a um processo. "O condado de Utah não quer processar pessoas pela prática de bigamia. Ponto final", declarou.

Em uma audiência nesta quarta-feira (25/7), o juiz Waddoups declarou que algo não cheirava bem nesse caso. Perguntou repetidamente aos promotores por que não deixavam o caso ir à frente. E declarou que, para ele, a atitude do estado e do condado não passava de uma manobra para evitar que o caso terminasse na Suprema Corte. "É preciso saber o que está por trás dessa política", afirmou.

Na verdade, a família Brown, que pertence à igreja "Apostolic United Brethren" ("Irmãos Apostólicos Unidos"), declarou recentemente que, caso fossem condenados pelo tribunal federal de Utah, iriam levar o caso à Suprema Corte. E isso pode explicar o que está por trás da política do estado. Se o caso for à Suprema Corte, existe uma boa possibilidade de que as leis antibigamia — ou antipoligamia — sejam declaradas inconstitucionais. 

O advogado da família Brown, o professor de Direito Constitucional Jonathan Turley acredita que há uma boa chance da Suprema Corte se manifestar contra essas leis. "A Suprema Corte já decidiu que relacionamentos íntimos, privados e consensuais entre adultos são protegidos pela Constituição", disse. Essa decisão foi anunciada quando a Suprema Corte derrubou uma lei do Texas que proibia a sodomia. 

A especialista em Direito Constitucional da Universidade de Stanford Jane Schacter tem uma visão diferente. Ela considera que, para os americanos, a bigamia carrega um estigma histórico que a torna pior do que a sodomia ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo: o casamento com meninas e o abuso sexual de crianças. Por isso, as leis contemporâneas, mesmo quando submetidas ao escrutínio dos direitos constitucionais de liberdade de associação religiosa, não são muito amigáveis as reivindicações dos polígamos. Todos os processados até hoje, em Utah, estavam envolvidos em casos de abuso sexual de crianças. 

A família Brown argumenta que a prática da poligamia faz parte de sua crença religiosa. E como a maioria dos polígamos, Brown é oficialmente casado apenas com sua primeira mulher, Meri. Casou-se com as outras três em cerimônias religiosas. Eles se consideram "espiritualmente casados". Mas, por via das dúvidas, a família Brown se mudou temporariamente para Nevada, estado vizinho a Utah, que é mais liberal.

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