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ADI em tramitação não impede decisão sobre quilombolas

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24 de julho de 2012, 6h19

O desembargador federal José Marcos Lunardelli, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, abriu um precedente importante para a Advocacia-Geral da União e para as comunidades quilombolas. Ainda que temporariamente, o desembargador afastou decisão da Justiça Federal de Campinas (SP) que suspendeu tramitação de processo de desapropriação ajuizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em favor de uma comunidade descendente de quilombolas da região. Na prática, o Incra pode continuar propondo ações de desapropriação em favor dessas povoados.

Na primeira instância, a Vara Federal de Campinas afirmou que o processo não poderia continuar correndo devido à tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239, no Supremo Tribunal Federal. O julgamento da ADI já começou, mas houve pedido de vista da ministra Rosa Weber e a decisão foi adiada. Houve apenas voto do ministro Cezar Peluso, relator, pela procedência da ação.

Ajuizada pelo partido Democratas em 2004, a ADI contesta o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e disciplina o reconhecimento e a titulação de terras pertencentes a comunidades de remanescentes de quilombos.

O Incra interpreta que o decreto lhe dá o poder de propor ações de desapropriação em favor dos descendentes de quilombolas. Mas o Democratas afirma que essa interpretação decorre de uma deturpação, pois o ADCT dá aos quilombolas a propriedade sobre as terras que ocupavam em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada. Não fala de desapropriações.

Diz o artigo 68 do ADCT: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

No plenário
O voto do ministro Cezar Peluso na ADI dá razão ao Democratas. Afirma que o artigo do ADCT deve ser regulamentado por lei formal, e não por decreto. O Executivo, disse o ministro, não pode usar de um decreto para impor obrigações a terceiros, por mais louvável que seja a intenção de proteger as comunidades descendentes de quilombolas.

Peluso entendeu que o texto constitucional leva em conta a acepção histórica de quilombo e de quilombola, mas considerou o território que essas comunidades ocupavam em 1988 de sua propriedade. Afirmou, então, que não se pode desapropriar outras porções de terras para dar aos quilombolas.

Na compreensão do ministro, as desapropriações levam em conta argumentos levantados por historiadores e antropólogos. Esses conceitos, no entanto, são “metajurídicos”, segundo o ministro.

Entretanto, Peluso votou pela modulação dos efeitos de sua decisão. Isso porque declarar a retroatividade da inconstitucionalidade prejudicaria tanto os beneficiados pelas desapropriações quanto os que receberam as indenizações.

Ex tunc
No caso da Justiça Federal de São Paulo, a Vara Federal de Campinas decidiu que, como o único voto na ADI foi pela inconstitucionalidade do decreto, a ação de desapropriação não poderia continuar. O Incra deveria, portanto, esperar a decisão definitiva do STF.

Ao reformar a decisão, o desembargador federal José Lunardelli afirmou que não se pode presumir a inconstitucionalidade de uma lei, ou decreto, só pela existência de uma ADI no Supremo. “Inexistente um posicionamento expresso da Corte no sentido de que o referido decreto é inconstitucional, não há de assim ser considerado, pois no ordenamento jurídico brasileiro, as normas jurídicas gozam de ‘presunção de constitucionalidade’”, entendeu.

E continuou: “A tese da inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003 deve ser rechaçada, sob o fundamento de que o artigo 68 do ADCT deve ser tomado como norma de eficácia plena, a traduzir um direito dos quilombolas e um dever do Poder Público. É dizer: o artigo da Constituição a que se remete o referido decreto não exige lei que o regulamente”.

Presunção
Como o Incra é uma autarquia federal, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, quem o representa judicialmente é a Advocacia-Geral da União, por meio da Procuradoria Federal Especializada do Incra, ou PFE-Incra. O procurador chefe da divisão, Junior Fideles, ressalta que a decisão de Lunardelli abre um precedente “muito importante” para a AGU e para o Incra.

Enquanto não houve decisão definitiva do Supremo, “existe a presunção de constitucionalidade do decreto”, diz Fideles. “Nós da AGU temos orientado o Incra a continuar com essas ações, justamente por conta dessa presunção. E é aí que está a importância desse precedente do TRF-3.”

Clique aqui para ler a decisão do desembargador José Lunardelli, do TRF-3.

Agravo de Instrumento Nº 0017014-55.2012.4.03.0000/SP

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