Cicatrizes do Obamacare

Suprema Corte dos EUA encerra ano judiciário em discórdia

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21 de julho de 2012, 6h31

“Todos aqui sabem que a instituição é muito mais importante do que os nove indivíduos que ocupam seus assentos provisoriamente e, por isso, entendem que não devem fazer nada que deixe a casa em pior estado do que ela estava no momento em que entraram”. As palavras são de um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, um dos nove “justices”, que falou em condição de anonimato numa conversa ocorrida às vésperas do término do ano Judiciário do tribunal, que encerra com a chegada do verão no hemisfério norte. As férias da Suprema Corte duram quatro meses.

O depoimento foi feito a dois veteranos da cobertura jornalística da Suprema Corte, Tony Mauro e Marcia Coyle, correspondentes em Washington para a publicação The National Law Journal e dois dos mais respeitados repórteres de Justiça nos Estados Unidos. A conversa foi revelada esta semana pelo tablóide semanal à medida que as cicatrizes deixadas pela decisão judicial envolvendo a reforma do sistema de saúde pública nos Estados ainda gera polêmica na mídia norte-americana.

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Suprema Corte Americana - 20/07/2012 [Wikimedia Commons]

Ainda estão tensos os ânimos nos gabinetes do edifício construído na década de 1930 em estilo neoclássico localizado no centro administrativo do governo federal em Washington D.C. e considerado o endereço mais renomado da Justiça no país. Jornalistas que apuram o clima de inimizade que restou do julgamento do chamado Obamacare garantem que a surpresa com o voto favorável do presidente da corte em favor da manutenção da nova lei da saúde ainda não foi “assimilado” pelos juízes da ala conservadora, que se consideraram “traídos pelo voto técnico de [John] Roberts”.

O conflito acabou reabrindo uma antiga discussão sobre a natureza política da Suprema Corte nos EUA. Parte dos analistas e estudiosos da Suprema Corte afirma que a “dissidência de Roberts” é indício inequívoco de que enxergar o tribunal como se fosse dividido entre um pólo conservador e outro liberal passou a ser insuficiente para se explicar a dinâmica política por trás da alta corte. Outra parte avalia que a atual composição do tribunal é essencialmente conservadora e que isso é possível de se averiguar por meio de estudos baseados no histórico das decisões e em análise estatística.

“O final do mandato 2011/12 foi difícil”, contou o juiz anônimo ao NLJ. “Meu palpite, contudo, é que quando voltarmos com a audiência de abertura no outono, tudo terá voltado ao normal. Ficaria surpreso se as coisas não acontecessem nessa linha”, disse.

Outro justice, também falando sob a condição de anonimato, tratou de dar menos importância ao mal-estar na “ala conservadora”. “Geralmente o mandato começa descontraído e vai ficando mais tenso conforme os casos mais difíceis se acumulam na reta final [como ocorreu neste ano]. Mesmo sendo um colegiado, sempre há um crescente de frustração mais para o fim do mandato”, avaliou.

Racha permanente
No entanto, desde então, uma série de reportagens subsidiadas por fontes em off tem mostrado que a discórdia é grave e provocou um rompimento sério entre o presidente da Suprema Corte e os outros quatro juízes conservadores. A discórdia é “profunda e pessoal” com “efeitos duradouros”, afirmou a correspondente de Justiça da rede CBS, Jan Crawford Greenburg , autora do best-seller Supreme Conflict (Conflito Supremo). Para a jornalista, a decisão de Roberts teve um efeito de punhalada nas costas não só dos colegas de tribunal mas de toda a magistratura norte-americana de orientação conservadora.

O mal-estar, de acordo com Crawford, ocorre porque Roberts, no caso do julgamento da Lei de Proteção ao Paciente e da Saúde Acessível, se alinhou inicialmente com os colegas conservadores para depois apoiar a manutenção da chamada “obrigação individual”, ponto da lei que torna compulsória a cobertura médica nos Estados Unidos e definitivamente o aspecto mais odiado por aqueles que se opunham à nova legislação.

De acordo com o The National Law Journal, que conversou com pelo menos dois dos juízes da Suprema Corte em condição de anonimato, acima da disputa pessoal está o orgulho de manter a reputação de ser esta uma das composições mais objetivas quando o negócio é “superar atritos”. Os juízes ouvidos pelo NLJ disseram que tanto a gestão anterior — a corte sob a presidência de William Hubbs Rehnquist, que dirigiu o tribunal por quase 19 anos a partir de 1986, quanto o “tribunal de Roberts” são considerados "os mais colegiados" dos últimos tempos. Indicado pelo presidente Ronald Reagan, Rehnquist também era do “time conservador”.

“De todos os pontos do espectro ideológico, os juízes [ouvidos em off] garantiram, sem hesitarem em nenhum momento, que nunca ouviram alguém levantar a voz ou proferir palavras grosseiras tanto nas audiências quanto em encontros privados”, diz o NLJ.

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