Denúncia suspeita

Mutirão contestado no CNJ acelerou processos em vara

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18 de julho de 2012, 8h41

Marcos de Vasconcellos/ConJur
Veny Junior - 17/07/2012 [Marcos de Vasconcellos/ConJur]A força tarefa que resultou no exame de 108 dos 153 processos envolvendo réus presos e julgou Medida Cautelar que tramitava há sete anos em uma vara federal frequentemente criticada por atrasos é considerada suspeita pelo Ministério Público Federal e pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Os números são resultado de trabalho determinado no ano passado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região na 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS), que agora é investigado em sindicância e pode se transformar em Processo Administrativo no Conselho contra um desembargador e um juiz.

No próximo dia 31 de julho, o CNJ votará o relatório assinado pela corregedora nacional da Justiça, ministra Eliana Calmon, que diz que o desembargador Nery da Costa Júnior (foto), então corregedor substituto do TRF-3, e o juiz Gilberto Rodrigues Jordan, que atuou na força tarefa, podem ter agido "de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”, de acordo com reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo.

A representação do MPF que deu origem à sindicância acusa o juiz e o desembargador de favorecerem um frigorífico cobrado por sonegação estimada em R$ 184 milhões. O relatório da ministra diz que Nery Júnior e Jordan podem, "de fato, ter agido com violação dos deveres impostos aos magistrados".

O suposto privilégio teria sido o julgamento de Mandado de Segurança do Grupo Torlim durante a força tarefa na vara federal de Ponta Porã, ocorrida entre 17 de janeiro e 2 de fevereiro de 2011. O Mandado de Segurança, julgado entre os processos, estava em tramitação desde 2004.

A criação da força tarefa foi determinada pelo então presidente do TRF-3, Roberto Luiz Ribeiro Haddad. O desembargador diz, em documento enviado à ministra Eliana Calmon, ter se baseado em ofício do desembargador Luiz de Lima Stefanini, da 5ª Turma do tribunal, “solicitando providências quanto aos atrasos na prestação jurisdicional da juíza Lisa Taubemblatt [titular da vara de Ponta Porã], que estava acarretando em apreciação de grande número de Habeas Corpus no TRF-3”.

O ofício de Stefanini foi encaminhado a Haddad por Nery Júnior, que, à época, era corregedor substituto do tribunal e ocupava a corregedoria interinamente devido a ausência temporária da titular, a desembargadora Suzana Camargo. Nery Júnior ficou responsável por instalar a força tarefa.

Haddad afirma que, à época, havia recebido, além do ofício, reclamações informais de advogados sobre a jurisdição de Ponta Porã. Ele diz acreditar que o trabalho foi bem sucedido, uma vez que não recebeu mais nenhuma reclamação depois de sua conclusão.

No entanto, a representação do MPF afirma que Nery Júnior teria interferido no processo do Grupo Torlim de propósito. As relações entre o desembargador e o frigorífico se dariam, segundo os procuradores, porque o dono do escritório contratado pelo Grupo Torlim em Ponta Porã, Sandro Pissini, foi assessor do desembargador entre 1999 e 2001 e chegou a negociar terras com ele. Outro advogado que havia trabalhado no escritório de Pissini, André Ferraz, foi nomeado chefe de gabinete de Nery Júnior dois meses depois da força tarefa.

“São conjecturas cerebrinas, ligações que só podem ser feitas com muito esforço mental”, diz Nery Júnior. “Além de tudo, não faz o menor sentido. Se eu tivesse favorecido o escritório, o pagamento por isso seria eu contratar um advogado que trabalhou lá para ser meu chefe de gabinete? E o que eu ganharia com isso?” questiona.

Retaliação por terceiros
Segundo o desembargador, a representação do MPF, assinada por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, à época procuradora-chefe do MPF em São Paulo, foi feita depois de uma união entre ela e a juíza de Ponta Porã Lisa Taubemblatt, que atuaram em “unidade de desígnios” para envolvê-lo.

Luiza Frischeisen já foi companheira do irmão de Lisa, entre 1994 e 1997. Ela diz ser amiga do ex-companheiro, mas não próxima da ex-cunhada. “A representação foi feita por colegas que atuavam em Ponta Porã e foi encaminhada a mim por envolver ato de juiz que lá estava (Jordan)”, diz a procuradora.

Nery Júnior se diz levado a acreditar que Lisa foi o pivô da representação por causa das atitudes hostis da juíza durante a força tarefa. “Quando chegamos a Ponta Porã, ela foi extremamente rude. Sua primeira fala foi para dizer que já havia contatado o Ministério Público e perguntar se iríamos chamar a imprensa, como se estivéssemos ali para incriminá-la de algo e não para ajudá-la com a quantidade de processos parados na vara”, conta.

As atitudes da juíza não são criticadas apenas por Nery Júnior. Em documento, o desembargador Roberto Haddad diz que “a juíza Lisa é de difícil trato”. Questionado pela revista Consultor Jurídico sobre o motivo de ter afirmado isso, Haddad afirma que a juíza foi hostil quando ele foi à cidade discutir a instalação da segunda vara federal em Ponta Porã, inaugurada em setembro de 2011.

O temperamento de Lisa já foi criou outros embates. A Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul entrou com representação contra ela em 2009, depois que ela exigiu que um advogado, que havia se dirigido a ela como “doutora”, a chamasse de excelência. “Os agentes da Polícia Federal e os presos podem me chamar de doutora, mas advogado tem que me chamar de excelência e ficar em pé quando eu entro na sala, entendeu bem doutor?”, disse ela a um advogado durante audiência.

Além da difícil relação com a juíza, o desembargador Nery Júnior aponta em sua defesa prévia seu “histórico” com Frischeisen. Alvo da operação Têmis em 2007, deflagrada pela Polícia Federal e pelo MPF-SP para investigar venda de sentenças no TRF-3, o desembargador teve todas as denúncias contra ele rejeitadas no Superior Tribunal de Justiça por falta de provas.

Em sua defesa, Nery Júnior copia trecho de uma entrevista da procuradora à ConJur, na qual, ao ser questionada sobre a operação, diz que “o ministro [Felix] Fisher reconheceu que tudo o que dissemos que havia ocorrido, de fato ocorreu. O que ele afirmou, no entanto, foi que aquilo não era crime”. A decisão do STJ, porém, diz que a acusação não era verdadeira, conclui a defesa do desembargador, afirmando que a procuradora toma "por verdadeiras o que são meras construções hipotéticas".

Defesa cerceada
Quanto à abertura de processo no CNJ, cuja votação será feita no fim do mês, Nery Júnior diz que não teve garantido o seu direito à ampla defesa. A sessão para votação foi marcada antes de ele apresentar a defesa prévia, prevista pelo regimento interno do CNJ. “A análise da defesa prévia poderia acabar com a necessidade de haver uma votação”, protesta.

O desembargador também reclama que nenhuma das testemunhas que ele indicou na sindicância aberta pela corregedora Eliana Calmon foi ouvida. As provas que foram usadas para fazer o relatório apresentado pela ministra, além da representação do MPF, foram colhidas pela corregedoria do TRF-3, que investigou a atuação do juiz Jordan. Segundo Nery Júnior, tais provas não podem ser "emprestadas".

A defesa estuda entrar com um Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal para garantir a oportunidade da defesa.

Por sua vez, o MPF, além de provocar o CNJ, pediu que o então presidente do TRF-3, Roberto Haddad, tomasse as providências que “entender necessárias e cabíveis”, considerando a indicação de Nery Júnior para a presidência da Banca Examinadora do XVI concurso público para juiz federal substituto. Nery Júnior foi mantido à frente da banca, cujas provas está corrigindo.

A juíza Lisa Taubemblatt não retornou a contato feito pela ConJur até o fechamento dessa reportagem e a ministra Eliana Calmon disse, por meio da assessoria de imprensa do CNJ, que não pode se manifestar sobre o caso.

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