Lei Antitruste

Novo diploma deve reduzir número de notificações

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18 de julho de 2012, 7h00

Em 29 de maio de 2012, no primeiro dia de vigência da Lei 12.529/2011 (Nova Lei Antitruste Brasileira — NLAB), muitas especulações e temores que punham em xeque o potencial do novo regime caíram por terra. O primeiro deles, relativo ao aumento do staff do novo Cade, foi endereçado pelo Decreto 7.738, de 28 de maio de 2012. O Decreto apresentou a nova estrutura regimental do órgão, prevendo seus 200 novos cargos (prometidos no texto da NLAB), remanejando pessoal e atribuições. O Decreto também reestruturou o Departamento de Defesa e Proteção ao Consumidor, que antes era subordinado à antiga Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça; esse órgão passou a ser denominado de Secretaria Nacional do Consumidor, parte da estrutura do mesmo Ministério, responsável pela coordenação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor e no Decreto 2.181/1997.

Adicionalmente, o Cade aprovou novos regulamentos a respeito de sua nova estrutura e, principalmente, quanto aos procedimentos e formalidades a serem observados a partir de agora, tendo em vista as alterações trazidas pela NLAB. Tais regulamentos abrangem o novo Regimento Interno do Cade, que trata da estrutura organizacional da autarquia, bem como do trâmite e formalidades dos procedimentos previstos na NLAB, e três Resoluções. A primeira disciplina o procedimento de notificação de operações de concentração econômica (fusões, aquisições, joint ventures etc.). A segunda trata do “ramo de atividade” a ser considerado como base de cálculo da multa por infrações à ordem econômica (principal sanção da Lei Antitruste). A terceira contém orientações para a apresentação de pareceres técnicos, especialmente quanto ao seu conteúdo e forma.

Dentre tais novos regulamentos, merece especial atenção a Resolução Cade 2/2012, que trata do procedimento de notificação de atos de concentração. Essa norma introduz alguns critérios específicos quanto à necessidade de submissão de operações à aprovação do Cade. Traz também a consolidação do que o Conselho entenderá como grupo econômico, para os fins de aplicação da legislação antitruste. Além disso, o regulamento reforma as hipóteses de aplicação de rito sumário de análise de atos de concentração. Por fim, introduz dois formulários de notificação de operações ao Cade: um aplicável às operações mais simples, com preocupações concorrenciais mínimas ou inexistentes e passíveis de análise sob rito sumário; outro destinado às operações mais complexas.

É elogiável o esforço do Cade em absorver as inúmeras contribuições da sociedade (em sede de consulta pública) editando esse regulamento que, ao final, claramente consolida a evolução do sistema, aproximando-o ainda mais das práticas aplicadas em outras jurisdições, especialmente EUA e UE. Esforço maior ainda foi dedicado pelo Cade na melhoria desse normativo em um curtíssimo intervalo de tempo, considerando-se as significativas e positivas alterações feitas na proposta de Resolução.

A proposta de Resolução pouco alterava as hipóteses de aplicação de rito sumário de análise, mantendo algumas subjetividades, tais como casos em que as partes, após a operação, detenham “participação de mercado manifestamente baixa”. Por isso foi alvo de críticas, devido à sua extensão e complexidade de informações e documentos exigidos como essenciais para todas as operações, simples ou complexas. Todavia, a redação final da Resolução 2 buscou adotar critérios objetivos e consolidar discussões recentes relativas ao conhecimento de operações notificadas. Nesse sentido, quanto às hipóteses de aplicação de rito sumário de análise, o Cade, baseado na sua jurisprudência e presunção legal de poder de mercado, definiu que as operações que gerem qualquer tipo de sobreposição ou verticalização entre as atividades das partes serão consideradas de menor complexidade e analisadas sumariamente se as partes detiverem, após a operação, participação de mercado inferior a 20%.

Essa norma consolida ainda, com certa margem de segurança, o conceito que o Cade adotará para grupo econômico. Assim, empresas sob controle comum ou que tenham (direta ou indiretamente) participação acionária igual ou superior a 20% em outras empresas são consideradas integrantes de um mesmo grupo econômico, em analogia com as previsões da Lei das Sociedades por Ações (LSA — Lei 6.404/1964). Quanto a fundos de investimento, o Cade passa a considerar que integram o mesmo grupo econômico: o fundo gestor, os fundos sob mesma gestão, os cotistas que detenham direta ou indiretamente mais de 20% das cotas de pelo menos um dos fundos geridos pelo mesmo gestor e as empresas integrantes do portfólio dos fundos em que a participação direta ou indiretamente detida pelo fundo seja igual ou superior a 20% do capital social ou votante.

Outra alteração foi a introdução de critérios de minimis de notificação obrigatória. Por analogia à LSA e à jurisprudência do Cade sobre influência relevante e influência dominante, a nova norma prevê a notificação obrigatória de operações em que, além do critério do faturamento, a empresa adquirente detenha, após a operação, participação acionária igual ou superior a 20% na empresa objeto. O mesmo se aplica caso as empresas envolvidas na operação não sejam concorrentes ou não possuam relacionamento vertical (fornecedor — cliente — distribuidor). Caso sejam concorrentes ou verticalmente relacionadas, a notificação se torna obrigatória se a operação implicar participação acionária igual ou superior a 5% na empresa adquirida.

As alterações acima aumentam o grau de objetividade dos dispositivos legais, conferindo não só maior transparência à atuação do Cade, como também possibilitando maior celeridade à análise antitruste. O lado bom fica, assim, mais evidente à medida que se considerem as estimativas do próprio órgão (base 2011): cerca de 76% das operações notificadas são analisadas sob rito sumário, em uma média de tempo que varia de 40 a 60 dias. Em outras palavras, a Resolução nº 02 do novo Cade, juntamente com o reforço no staff, potencializa uma análise eficaz e célere de todos os tipos de operações, simples ou complexas.

Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar as alterações trazidas pela Portaria Interministerial 994, editada em conjunto pelos ministros de Estado da Fazenda e da Justiça, que elevou os faturamentos mínimos que duas empresas ou seus respectivos grupos econômicos envolvidos em determinada operação devem ter registrado no último exercício no Brasil para estarem vinculadas à submissão da transação ao Cade. Assim, as receitas mínimas previstas na NLAB foram aumentadas de R$ 400 milhões de um lado e R$ 30 milhões por outro lado, para R$ 750 milhões e R$ 75 milhões, respectivamente.

Essa alteração certamente ampliará um dos efeitos esperados com a entrada em vigor da NLAB: a redução no número de operações notificadas ao Cade. Por um lado, isso certamente é capaz de contribuir com a celeridade e eficiência da atuação do Cade juntamente com os demais regulamentos recém-editados. Por outro, teme-se que, ao invés de incrementar a evolução esperada no Direito Concorrencial no Brasil, essa mudança provoque um retrocesso, ao permitir que mercados menores, em que os players dificilmente estarão obrigados a notificar suas operações ao Cade por não atingirem os critérios de notificação, fiquem isentos da análise antitruste.

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