Contas à vista

É preciso cortar despesas para estabilizar a economia

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Melo Guimarães Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela mesma Universidade.

17 de julho de 2012, 8h00

Spacca
Cara Presidente Dilma,

Desculpe me dirigir assim, na primeira pessoa, mas é para dar uma dica — ou, ao menos, uma sugestão.

Seu governo vai bem. Já baixou os juros — o que a banca não acreditava. Aliás, ninguém jamais acreditou que o Brasil viesse a perder o indesejável título de país com a maior taxa de juros do planeta.

Fez outra coisa inimaginável. Baixou os juros fixos da caderneta de poupança, sem mexer nos contratos que estavam em vigor. Para quem tinha dinheiro depositado nesse tipo de investimento antes de 4 de maio as regras não foram alteradas. Estas “velhas” cadernetas tornaram-se um investimento valorizado no mercado, pois pagam 6% de juros ao ano, sem incidência de Imposto de Renda — vejam só, quem diria?!

Outra medida acertada foi a criação de outra sistemática de aposentadoria para os novos servidores públicos. Claro que isso é uma medida de longo prazo, pois estes se aposentarão daqui a algumas décadas, mas é algo que precisava ser feito — alguém tinha que dar o primeiro passo e este foi dado.

O crédito foi ampliado, o que é igualmente bom. Acelera a economia e permite antecipar compras, com baixos encargos. O risco é o excesso de endividamento — tem gente que pisa fundo, sem controle. Mas faz parte do sistema.

Ou seja, as medidas adotadas foram boas, mas quais deverão ser os próximos passos?

Permita sugerir-lhe alguns.

Reduza a despesa e a receita públicas.

Deixe mais dinheiro nas mãos privadas para que possa ser usado em atividades para dinamizar a economia. O presidente Lula colocou dinheiro nas mãos dos pobres (Bolsa Família e outros programas semelhantes) e o Brasil saiu de um processo letárgico em que se encontrava, algo dominado pelo refrão de nosso hino em que o “gigante pela própria natureza” estava “deitado eternamente em berço esplêndido”.

Quais as ameaças no âmbito do aumento da despesa pública?

Notícias dão conta de projetos de lei visando acabar com o teto da remuneração dos servidores públicos. Ora, se mesmo havendo teto ele é descumprido, imagine a Senhora sem ele. Vai ser uma farra. Apenas um exemplo: na Câmara dos Vereadores de São Paulo existem servidores nas atividades-meio que ganham muito mais que ministros do STF — louvas à ministra Cármen Lúcia que, sem pestanejar disponibilizou à imprensa seus contracheques do STF e como presidente do TSE.

Outra ameaça é a pressão por aumento salarial geral dos servidores públicos. Algumas categorias merecem, pois sua remuneração está completamente descompassada em face da responsabilidade do cargo (volto aos ministros do STF, cuja remuneração está nitidamente defasada) ou do mercado (médicos e docentes das Universidades públicas). O perigo está na vinculação destes aumentos aos de outras categorias que o receberão sem justificativa plausível. Ou seja, o “efeito carona” é o problema a ser enfrentado — sob a justiça do aumento do salário dos professores o bedel pega carona.

Ainda sobre a despesa pública. Lei recentemente aprovada criou mais 560 cargos de advogados da União. Será mesmo necessário todo este quantitativo? Anos atrás, ministrando aulas no doutorado da Universidade de Lisboa, me deparei com uma sala de aula onde todos os alunos — permitam-me a ênfase: todos os alunos — eram brasileiros e servidores públicos, que tinham obtido licença para estudar naquele país, com a manutenção integral de seus salários e, alguns, com bolsa de estudos pagas pela Capes. Perguntei-lhes sobre os projetos de pesquisa que estavam desenvolvendo, e a resposta, em sua esmagadora maioria, não tinha nenhuma correlação com a atividade que desenvolviam em seu mister profissional. Será que existe alguém olhando isso nas atividades de controle da administração pública — Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas etc.?

A Senhora pode pensar que estou com fixação nas despesas com pessoal, mas é que estas são obrigatórias e continuadas, impactando os custos do Estado por muitas décadas. Outra coisa são as despesas de investimento, cujo impacto nos custos é igualmente direto, porém reduzido no tempo. Estas também merecem redobrada atenção, pois existem obras com uma diferença abissal entre o valor constante do contrato e o de sua execução.

Quanto à receita pública, sugiro não esperar pela eternamente adiada reforma tributária. Este assunto me lembra aquela música do Chico — sei que a Senhora é fã dele, segundo os jornais noticiaram —, Pedro Pedreiro, aquele que esperava um trem que já veio, que já veio, que já veio… Aja sem esperar a reforma tributária. Baixe as alíquotas dos tributos federais e use a força da Presidência para fazer baixar a dos tributos estaduais. Alguns exemplos: é inimaginável o preço da energia elétrica no Brasil em comparação com a de outros países. Sei que temos abundância de energia elétrica, oriunda de fontes limpas (hidroenergia) em nosso país. Uma das razões de seu elevado custo é o ICMS que, a depender do estado, chega a 30% sobre o preço praticado pelas distribuidoras. Parece até que energia elétrica é um bem de luxo e que seu uso decorre de um ato de exibição de famílias abastadas, quando, na verdade, é um bem de uso geral e de primeira necessidade no quotidiano. Alguns setores econômicos, eletro intensivos, pensam até em cessar as atividades no país em face do preço desse insumo, como o de produção de alumínio. Assim não dá. Para baixar as alíquotas dos tributos federais basta uma medida provisória, daquelas para as quais a tinta de sua caneta é suficiente. Comece por aí e pressione os governadores em seguida. É um caminho a ser trilhado para a energia, telefonia, internet e outros segmentos.

Outra sugestão, ainda no âmbito das receitas públicas, é o da estabilidade das normas, de modo a aumentar a segurança jurídica — para esta sequer será necessário um ato normativo, sendo suficiente uma proclamação pública, daquelas que ninguém coloca em dúvida. Declare que não haverá aumento de tributos federais até o final de seu mandato. Basta isso para dar maior previsibilidade aos negócios privados, o que permitirá, a partir daí, maior nível de investimento. A ameaça de aumento gera, por si só a incerteza e, com isso, instabilidade jurídica que se reflete no nível de preços praticado na economia.

Poderia me estender ainda mais tratando do rol de penduricalhos que existem sobre a folha de salários — não falarei de FGTS ou aviso prévio proporcional; esses são garantias dos trabalhadores. Falo dos encargos que incidem sobre a Guia de Recolhimento da Previdência Social — peça para ver uma delas e constate do que falo. O rol de contribuições nela penduradas é enorme e o dinheiro nem sempre é usado em prol do trabalhador, mas onera as empresas.

Estas sugestões para a redução da Receita e da Despesa públicas, cara Presidente, permitirá que mantenhamos o equilíbrio orçamentário que prega a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma conquista da sociedade brasileira (obtida no governo de Fernando Henrique) que nos tem deixado, de certa forma, mais estáveis em face dos tsunamis e marolinhas que a economia mundial está sofrendo. Mantenha o equilíbrio orçamentário, cortando dos dois lados. De nada adiantará reduzir a receita e aumentar a despesa, ou vice-versa. Não deve ser objetivo do governo entesourar dinheiro, mas permitir a adoção de um nível de satisfação econômico que equilibre o investimento privado e o público, visando a redução das desigualdades regionais e sociais, conforme determina nossa Constituição. Isso não será alcançado apenas pelo setor privado ou pelo setor público da economia, mas pela adequada conjugação de ambos.

Enfim, as possibilidades de atuação são várias e não caberiam nesta despretensiosa carta. Ficam estas sugestões que tem viabilidade econômica e buscam reduzir o peso do Estado da costa do contribuinte, sem deixar a responsabilidade fiscal de lado.

Para encerrar, lembro uma frase lapidar de um dos ícones de nosso idioma: “Se queres passar além do Bojador, tens que passar além da dor.” A Senhora já quebrou vários paradigmas em sua vida e neste curto tempo na Presidência. Prossiga na ousadia e reverta a escalada de aumento das despesas públicas, que pressiona o aumento da receita pública. Cesse a ambos e estabilize a economia.

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