Cenário internacional

País precisa definir com clareza sua política econômica

Autor

  • Fábio Martins de Andrade

    é advogado doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.

14 de julho de 2012, 8h00

O atual cenário no qual o Brasil se insere em relação ao mundo globalizado é auspicioso. Pode-se dizer que o Brasil se mantém como “bola da vez” no cenário internacional. Nos últimos anos ocorreu saudável internacionalização das empresas brasileiras por uma conjugação de variados fatores, como a estabilidade política e monetária que o Brasil experimenta desde 1995, a nossa maior credibilidade junto aos demais países do globo, a intensificação das relações comerciais internacionais com os parceiros tradicionais e o início de novas relações em diferentes áreas do globo, dentre outros.

Com a estabilização da moeda nacional e o controle da inflação, passamos a viver cada vez mais o fenômeno da globalização. Nesse cenário, é notável a quantidade de empresas e o volume de negócios que estão se internacionalizando ou já se internacionalizaram nos últimos anos e estão ganhando o mundo, competindo com outras empresas de igual porte ou ainda maior em busca de conquistar cada vez mais uma fatia maior do mercado mundial.

De fato, vivemos em um momento auspicioso de crescente e promissora pujança da economia brasileira. O que antes se resumia a uma promessa longínqua e indefinida, hoje começa a se concretizar para as mais variadas camadas da população, com reflexo imediato na produção e no consumo.

Esta novidade que experimentamos nos dias atuais já foi vivida em outras sociedades do mundo, particularmente a norte-americana e a europeia que, há alguns anos, contam com empresas nacionais internacionalizadas, com presença e atuação operacional em variados países do globo terrestre.

É importante registrar que os países que já estiveram no limiar desse processo de internacionalização de suas empresas optaram, em dado momento, no sentido de estimular, incentivar e até mesmo facilitar a realização de negócios entre países aliados, com maiores afinidades em determinados segmentos da economia (complementares ou simbióticos) e aqueles considerados estratégicos para o seu desenvolvimento.

É também relevante notar que nos últimos anos os presidentes da nossa República preocuparam-se sobremaneira com essa parte comercial e industrial. Nesse sentido, basta lembrar a enorme quantidade de viagens que os presidentes FHC e Lula fizeram, cada um, em seus dois mandatos. Como decorrência disso, o Brasil firmou vários tratados e convenções de cooperação econômica e acordos comerciais, dentre outros.

Com o recrudescimento das relações comerciais internacionais é comum se verificar, na seara tributária, a ocorrência da pluritributação da renda, quando mais de um Estado, em razão da relação com as empresas em certa atividade, pretende submeter o lucro gerado ou o rendimento distribuído à sua jurisdição e, com isso, tributá-la consoante as suas leis internas.

Isso naturalmente acarreta a indesejável dupla (ou até múltipla) tributação da renda que, se mantida sem qualquer limite, poderia até inviabilizar a atividade operacional de certo empreendimento em determinados países pela iniciativa privada.

Para evitar que isso ocorra, ou ao menos reduzir ou amenizar tal efeito nefasto para os negócios no âmbito internacional e globalizado, sobressaem as medidas para evitar a dupla tributação da renda em nível internacional. Tais medidas podem se concretizar mediante mecanismos unilaterais, que se limitam a alguns dispositivos da legislação interna tendente a evitar a ocorrência da bitributação (geralmente através da concessão do crédito no país de residência do contribuinte pelo imposto pago no país da fonte); ou ainda através de medidas bilaterais, com a celebração de Convenções para evitar a dupla tributação firmadas entre dois Estados, por exemplo.

Tais mecanismos engendrados para evitar ou reduzir o grave problema da dupla tributação da renda internacional devem-se alinhar à Política Econômica e Fiscal de cada país. Tais políticas podem assumir duas direções antagônicas: uma no sentido de estimular a internacionalização das empresas nacionais para a crescente conquista de novos mercados no mundo globalizado; ou outra no sentido de evitar a referida internacionalização com o objetivo de fechar a economia nacional e, com isso, concentrar toda a circulação de bens e serviços provenientes do país dentro do seu território nacional.

Qual é a posição do Brasil a respeito das medidas unilaterais que prevê a redução ou eliminação da dupla tributação da renda? A mais confusa possível, de modo que não condiz com a atual posição do país no mundo. De fato, estabelece requisitos bem burocráticos e limites rígidos para a concessão do crédito do imposto pago no exterior, muitas vezes inviabilizando ou dificultando o seu aproveitamento, o que enseja o aumento da litigiosidade entre o Fisco e os contribuintes e a crescente sensação de insegurança junto aos investidores brasileiros e estrangeiros.

E qual é a posição do Brasil a respeito das medidas adotadas nas convenções para reduzir ou eliminar a dupla tributação da renda com os países com quem firma seus tratados? A pior possível, na medida em que frequentemente desrespeita o teor dos tratados (que estabelecem a repartição das competências tributárias entre exclusivas e concomitantes para cada um dos Estados contratantes, a depender do tipo de “ganho” auferido), seja pelo conflito de qualificação, seja pela adoção de interpretação equivocada no sentido de que se trata de suposta tributação de renda de empresa brasileira no Brasil, descabendo pretender aplicar o tratado.

Nesse cenário específico, destacam-se os tratados bilaterais para evitar a dupla tributação da renda, que objetivam a criação de regras claras para que os dois países que o firmaram respeitem em prol de maior incentivo à intensificação das relações comerciais entre eles. Soa até intuitivo que a celebração de um tratado internacional firmado por um país só faz sentido se for para cumpri-lo.

Não obstante, o Brasil parece oscilar na definição de uma política econômica clara no sentido de estimular a internacionalização das empresas brasileiras. Por um lado, há a intenção da alta cúpula do governo, consoante frequentes declarações e encontros internacionais é no sentido de inserir cada vez mais o País no contexto da globalização. Por outro, há clara tergiversação por parte das autoridades administrativas e fiscais a respeito de que paradigma seguir: estímulo à internacionalização ou manutenção a qualquer preço das grandes empresas brasileiras no território nacional (com a sensação da geração de maior riqueza no âmbito doméstico, a criação de empregos diretos e indiretos no Brasil e o desestímulo à internacionalização)?

A essa pergunta, o governo parece ainda não ter uma resposta claramente definida. E isso é ruim para os negócios. E pior ainda quando gera insegurança e desconforto. É o que ocorre, por exemplo, quando uma autoridade fiscal lavra um auto de infração desconsiderando certo tratado para evitar a dupla tributação da renda eventualmente existente entre o Brasil e o país onde a pessoa jurídica brasileira opera.

De fato, com o elevado nível de informatização e o aperfeiçoamento do nível técnico do pessoal dos órgãos arrecadadores, é inaceitável que a cultura da arrecadação “a qualquer custo” ainda permeie esses funcionários, especialmente quando estão na linha de frente, responsáveis pela fiscalização e, eventualmente, autuação de contribuintes que tenham praticado qualquer ato infracional à legislação tributária.

Nesse momento que vivemos, urge delinear-se um ponto chave para todo o processo: ou vamos tomar as decisões certas e aproveitar a excelente maré que tem soprado a favor dos nossos ventos e entrar no mercado mundial com todas as armas possíveis, ou vamos tomar as decisões equivocadas (ou até mesmo deixar de tomar as decisões certas) e ali na frente amargar a dura realidade de que o bonde passou e o país não pegou.

Para isso, é necessário que o governo defina, conjuntamente com a sociedade civil organizada, que política econômica implementará nos próximos anos, qual será o foco no mercado externo e na internacionalização das empresas brasileiras, celebre mais tratados para evitar a dupla tributação da renda, respeite os que já foram firmados, simplifique o caótico sistema tributário nacional e seja capaz de atrair mais investimentos de países mais variados. Aqui certamente está um dos gargalos que pode levar o país rumo ao futuro.

A criatividade tupiniquim, de outro modo, pode levar o Brasil a um crescente descrédito junto aos países desenvolvidos em razão de interpretações equivocadas e sem razões jurídicas capazes de sustentá-las. Isso, com o tempo, poderá ser capaz de minar o terreno onde será pavimentado o nosso caminho para o pleno desenvolvimento, na medida em que tal rota pressupõe necessariamente o recebimento de investimentos estrangeiros e também a remessa de rendimentos, bem como a exportação e a internacionalização de diferentes expertises que temos tido capacidade de criar e desenvolver nos últimos anos, como mineração, petróleo e gás, siderurgia, dentre tantos outros.

No plano nacional
As reformas estruturais não logram caminhar. Exemplo disso é a reforma política. Outro exemplo é a reforma tributária. De fato, nesse campo é necessário simplificar e reduzir: (i) o cumprimento das obrigações tributárias acessórias; (ii) a quantidade de tributos que devem ser recolhidos; e (iii) a carga tributária incidente sobre o setor produtivo do país.

Ora, depois do advento do Código Tributário Nacional, jamais houve a preocupação e vontade política para uma Reforma Tributária séria e perene. Ao contrário, repetidas vezes durante diferentes governos, buscou-se “passar” o que foi “possível” (de acordo com o capital político de conveniência e oportunidade que cada governante estava disposto a lançar mão em cada um dos diferentes momentos) de modo fragmentado, pontual e claramente paliativo.

É rotineira a crítica do empresariado (que produz, emprega e circula riqueza no país) no sentido de questionar, com legitimidade, a enorme e desnecessária burocracia no cumprimento das obrigações tributárias (principais e acessórias), a excessiva oneração da folha de salários, a elevada carga tributária (especialmente quando comparada com o pífio retorno dos investimentos públicos, por exemplo, em saúde e educação), a desmesurada sanha arrecadatória dos órgãos públicos competentes e a insegurança jurídica criada nesse cenário de tamanha incerteza.

De fato, no tocante à burocracia, basta pensarmos na quantidade de dias necessários para cumprir todas as incontáveis obrigações tributárias. Isso certamente poderia ser simplificado com a redução do número dos tributos e maior concentração das obrigações.

A necessidade de desonerar a folha de salários é uma reivindicação antiga de variados setores da sociedade civil. Por vezes, alguns programas de governo, em épocas eleitorais, contemplam algumas saídas (mais ou menos) criativas a respeito disso, mas o fato é que o movimento necessário para essa mudança ainda não se iniciou.

Chega a ser corriqueiro o comentário lamuriante dos contribuintes no sentido de que, se o país fosse desenvolvido, então seria justa a elevada carga tributária a que estão todos submetidos. É que deixa a desejar no oferecimento dos serviços básicos e triviais, como é a saúde e a educação, aí de certa forma a crítica passa a ser irrespondível. Com efeito, hoje é cobrado muito tributo para pouco serviço (e de péssima qualidade).

A sanha arrecadatória dos órgãos públicos competentes merece destaque. Já foi responsável pela criação de algumas distorções lamentáveis no sistema tributário nacional. Exemplo disso é o uso deletério que foi feito das contribuições sociais pela União que, em pouco mais de uma década, logrou transformar instrumento excepcional de arrecadação no mais burocrático e permanente meio arrecadatório, como fez com a Cofins e o PIS.

Além disso, outra distorção flagrante que se verificou no passado e que perdura até hoje é a verdadeira “chantagem” que o Poder Público faz com as empresas no tocante à concessão de certidões (negativas ou positivas com efeitos de negativas). O que era para ser um meio de pressionar maus contribuintes para que regularizassem suas situações fiscais passou a ser um entrave no funcionamento de qualquer empresa hoje, por mais correto que seja o desempenho de suas atividades.

Distorção semelhante e atual se refere à possibilidade (esdrúxula) de compensação compulsória no caso de empresa com débito em aberto com a Fazenda Pública, tanto para que esta deixe de pagar os precatórios como também na hipótese de levantamento dos depósitos efetuados durante o processo judicial.

Quanto à insegurança jurídica gerada nesse cenário, onde já se cunhou que “no Brasil tudo é tão possível que até o passado é incerto”, leva a um caminho que afugenta o empresariado e repele a circulação de riqueza e criação de mais empregos, onde para ser empreendedor é necessário, antes de qualquer outra coisa, ser aventureiro!

Ninguém ignora o desgaste político necessário para uma obra grandiosa como essa (levar a cabo a tão esperada Reforma Tributária no país). Aí entramos em outro campo, referente à Reforma Política. O feito, contudo, certamente agigantaria o currículo do governante que lograsse êxito em projeto de tal envergadura.

O enorme custo gerado com o cumprimento das obrigações tributárias, o grande número de tributos e a alta carga tributária têm levado investidores estrangeiros a desistir de aportar seus investimentos no Brasil para deslocá-los a outros países, como o Paraguai, o Chile, a Colômbia e o México, por exemplo.

Além disso, não existe uma política nacional tributária ou fiscal levada a cabo pelo governo que seja compatível com o aumento da segurança jurídica, da competitividade das empresas brasileiras internamente e no exterior, enfim, com a criação de ambiente saudável de desenvolvimento e concorrência.

A um só tempo, essa flutuação governamental, legislativa e jurisprudencial, gera insegurança jurídica e negocial, insatisfação com o enorme custo e pouco retorno, e principalmente perda de competitividade para as empresas brasileiras. É urgente definir uma política tributária coerente e voltada ao futuro, modificar a cultura arrecadatória do Fisco e definir quais são as regras do jogo.

A continuar nesse passo, é fácil prever que a “bola da vez” no cenário internacional logo deixará de ser o Brasil. De um lado, outros países desviarão cada vez mais investimentos estrangeiros que deveriam ser vocacionados para o Brasil. De outro, a internacionalização das empresas brasileiras tem sido cada vez mais desafiada pelo Fisco, sob argumentos incoerentes e contraditórios que, mais cedo ou mais tarde, cairão junto aos tribunais competentes.

É crucial nesse ponto do nosso caminho que as decisões certas sejam tomadas e que o rumo do país seja compromissado no sentido do pleno desenvolvimento. A hora do País do Futuro chegou. Precisamos de máxima atenção às decisões estratégicas do governo, especialmente quanto ao sistema tributário nacional, com vistas a não perdermos o bonde, já que o “trem-bala” ainda está longe de chegar.

Diante do cenário anteriormente destacado, cabe registrar que na atual política tributária há ligeiros estímulos voltados para setores e segmentos específicos da economia, especialmente à exportação, com vistas a aprimorar a competitividade dos produtos brasileiros no atual mundo globalizado. São alterações que buscam resolver problemas e situações pontuais e paliativas.

Falta ao governo estabelecer uma verdadeira Política Tributária que, juntamente com a Política Fiscal do país, o conduza à desejável aspiração de se deslocar de mero emergente para desenvolvido. Para tanto, é necessário que o governo defina com clareza o que pretende realmente. De um lado, é possível estimular o crescimento da indústria nacional e incentivá-la a aprimorar a sua competição no exterior. De outro, é necessário que os atuais instrumentos à disposição dos órgãos arrecadadores e fiscalizadores sejam adequadamente geridos (de cima para baixo, verticalmente) para não tratar as empresas que criam empregos e renda, circulando riqueza, como enormes devedores e contumazes transgressores. Afinal, são elas que movimentam a nossa economia.

Quem perde com tudo isso? As empresas brasileiras (que devem atuar em cenário incerto e inseguro), o Fisco (que deixa de arrecadar mais tributos em razão do maior desenvolvimento que ainda não tivemos oportunidade de experimentar), o governo (que não logra definir claramente a política nacional tributária), o Poder Judiciário (que se vê obrigado a decidir questões altamente complexas), e por fim, os cidadãos (que amargam uma carga tributária digna de Europa e usufruem de serviços dignos de África).

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