Titularidade de direitos

SBT vai indenizar autor da novela Pantanal

Autor

12 de julho de 2012, 18h43

O canal SBT, de São Paulo, vai indenizar o novelista Benedito Ruy Barbosa pela reexibição da novela Pantanal, originalmente transmitida pela Rede Manchete. A decisão é da 1ª Vara Cível de Osasco, na Grande São Paulo. O valor ainda depende de arbitramento. O autor tentava impedir que o folhetim voltasse ao ar, mas não conseguiu.

“A obra exibida pelo réu, como anteriormente mencionado, é de titularidade de terceira pessoa e sua exibição, com ou sem cortes, em nada afeta o aqui autor, posto que a ré cuidou apenas de reproduzir as imagens produzidas por Manchete, tal como ela as gravou e as supressões noticiadas nos autos só poderiam atingir o dono da obra, isto é, a falida Manchete ou eventuais sucessores”, diz a sentença.

O caso foi levado ao Judiciário pelo dramaturgo. Apesar dos argumentos de Ruy Barbosa, o juiz entendeu que a emissora tinha o direito de transmissão da novela Pantanal, adquiridos juntamente à Rede Manchete. Como explica a advogada Marina Draib Alves, diretora jurídica do SBT, explica que são três processos. “Medida cautelar, ação ordinária por danos morais e patrimoniais, e outra ação ordinária por conta de uma notícia divulgada que o SBT iria reprisar a obra. A sentença é una para os três feitos”, diz.

A ação foi julgada procedente apenas para reconhecer o direito do autor de receber remuneração pela reexibição da novela, assim como já aconteceu com os autores, como noticiou a Consultor Jurídico. O argumento usado pelo SBT girou em torno dos direitos autorais do texto e da obra audiovisual.

A decisão foi norteada pela Lei 5.988, de 1973, já revogada. De acordo com o juiz, “os direitos do aqui autor limitam-se ao texto que produziu, cuja utilização cedeu para a Manchete, dentro do prazo fixado [de dez anos]” e que “nenhum direito autoral detém em relação à obra audiovisual e, portanto, descabe a ele determinar quem deva ou possa dela se utilizar”. Passada a década, Ruy Barbosa reconheceu a quitação.

Ainda segundo o juiz, “apesar de as estipulações contratuais sugerirem alguma titularidade de direitos do aqui autor a respeito da obra coletiva produzida pela Manchete, é inegável a inexistência de explícita renúncia ou doação dos direitos a ela cabentes em razão da obra que organizou (audiovisual), levando à interpretação que melhor atenda aos interesses do titular dos direitos audiovisuais, porque é apenas destes que se está a discutir”.

Leia abaixo a sentença:

OSASCO Cível 1ª Vara Cível
405.01.2008.031688-5/000000-000 – nº ordem 1369/2008 – Procedimento Ordinário – BENEDITO RUY BARBOSA X TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A – Fls. 1226/1231 – Proc. 1.369/08, 1.026/08 e 845/09 – 1ª Vara Cível de Osasco. Vistos. BENEDITO RUY BARBOSA moveu ação condenatória contra TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A. (proc. 1.369/08).

Na inicial (fls. 02/32), afirmou: ser autor da novela "Pantanal" que, sem sua autorização, é exibida pela ré desde 09 de junho de 2008; haver cessão dos direitos autorais, mas com limitação da respectiva exploração por dez anos, cujo termo final ocorreu em 2000; haver supressão de cenas que implicam em modificação e em dano moral, porque prejudicam o bom conceito do público em relação ao autor; suportar danos materiais, correspondente ao valor que deixou de perceber em decorrência da utilização de sua obra intelectual. Pediu a condenação da ré na abstenção da exibição da obra e no pagamento de indenização, com antecipação da tutela. Juntou documentos (fls. 33/331). A antecipação foi indeferida (fls. 333).

A ação foi precedida de ação cautelar (proc. 1.026/08), na qual foi pleiteada a exibição de documento, cuja medida liminar foi negada (fls. 17, proc. 1.026/08) e a referida decisão foi reformada por v. acórdão (fls. 192/195, proc. 1.026/08). Foi oposta exceção de incompetência, que foi rejeitada (apenso). Houve resposta. Citada (fls. 340), a ré ofereceu contestação (fls. 341/361), na qual alegou: em preliminares, ser incompetente este Juízo, haver ilegitimidade ativa e litisconsórcio necessário; no mérito, haver autorização judicial para a cessão dos direitos de exibição da novela "Pantanal", sem oposição de recurso pelo autor, de modo a se operar a preclusão, e haver regular contratação para e veiculação da obra; ser da cessionária "TV Manchete" o direito autoral referente à obra audiovisual e caber para o autor apenas a titularidade sobre o texto que, por tempo limitado, cedeu àquela; exibir a novela mediante simples reprodução das fitas gravadas pela produtora "TV Manchete" e cedidas por sua "Massa Falida", após a recuperação por meio adequado; inocorrer produção de dano moral, porque inexistente ato seu que importe edição, corte ou montagem de imagens da novela. Pediu o acolhimento das preliminares ou a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 362/739). O autor manifestou- se sobre a contestação (fls. 743/757).

BENEDITO RUY BARBOSA moveu ação condenatória contra TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A. (proc. 845/09). Na inicial (fls. 02/14), afirmou: ser autor da novela "Pantanal" que, sem sua autorização, foi exibida pela ré; pretender, a ré, reprisar a mesma obra, ainda em violação dos direitos dele, autor, de maneira a sofrer danos morais e patrimoniais, em decorrência de supressão de cenas que implicam em modificação que prejudica o bom conceito do público em relação ao autor. Pediu a condenação da ré na abstenção da reexibição da obra e no pagamento de indenização, com antecipação da tutela. Juntou documentos (fls. 15/41). A antecipação foi indeferida (fls. 42, proc. 845/09, e apenso). Houve resposta. Citada (fls. 77, proc. 845/09), a ré ofereceu contestação (fls. 78/95), na qual alegou: em preliminar, faltar interesse processual, porque jamais anunciou ter intenção de reprisar a novela; no mérito, haver autorização judicial para a cessão dos direitos de exibição da novela "Pantanal", sem oposição de recurso pelo autor, de modo a se operar a preclusão, e haver regular contratação para e veiculação da obra; ser da cessionária "TV Manchete" o direito autoral referente à obra audiovisual e caber para o autor apenas a titularidade sobre o texto que, por tempo limitado, cedeu àquela; inocorrer produção de dano moral ou patrimonial, porque inexistente ato seu que importe edição, corte ou montagem de imagens da novela. Pediu o acolhimento da preliminar ou a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 96/162). O autor manifestou-se sobre a contestação (fls. 167/188, proc. 845/09). As preliminares foram rejeitadas, deliberou-se sobre a competência, afastou-se a ocorrência de litisconsórcio passivo necessário, os feitos foram declarados saneados e se determinou a instrução e o julgamento conjunto nos autos da ação anterior (fls. 819/820, proc. 1.369/08; fls. 195, proc. 845/09). Foi produzida prova pericial (fls. 922/944 e 976/980). Foram ouvidas duas testemunhas (fls. 1.214/1.216 e 1.223/1.224). As partes, em alegações finais (fls. 1.221/1.222), reiteraram as respectivas teses, tendo a ré acrescentado considerações sobre as provas. Esse, o relatório.

Fundamento e decido.

Indispensável observação inicial. Os contratos celebrados entre o autor e a "Manchete" (fls. 39/43) estavam sujeitos à Lei 5.988/73 que, portanto, será considerada para a apreciação das questões debatidas nos autos sob exame. Os direitos do aqui autor limitam-se ao texto que produziu, cuja utilização cedeu para a "Manchete", dentro do prazo fixado. Incontroverso o fato de o autor das ações ser o escritor do texto utilizado para a geração da obra audiovisual denominada "Pantanal". Pois bem. O contrato de prestação de serviços (fls. 37/41), em 12 de outubro de 1989, obrigou o aqui autor a escrever texto que, nos termos do art. 36 da Lei 5.988/73, também pertenceria à "Manchete", mesmo que os escritos consistissem em transformações de obras originárias, mas destas autônomas, como esclarecido no inc. XII do art. 6º da referida Lei. O texto mencionado foi utilizado para a produção de obra audiovisual com igual denominação, mas com a participação de diversas outras pessoas, tudo sob o comando da "Manchete", de maneira que a esta cabe, com absoluta exclusividade, os direitos autorias da obra televisiva que não se confunde com o texto produzido pelo aqui autor, como decorre do quanto disposto no art. 15 da Lei 5.988/73. Nesse passo, cumpre esclarecer que utilização referida na cláusula 4ª do instrumento do contrato de prestação de serviços (fls. 37/41) refere-se, então, ao uso do texto pertencente ao escritor e à própria "Manchete". Mais ainda. Esse uso foi limitado no tempo (dez anos) e o aqui autor recebeu o valor que a ele cabia, tanto que outorgou ampla quitação (fls. 44/45). Todavia, arroga-se o direito de extrair de obra alheia os efeitos patrimoniais que ela gera, mas sem razão, porque, como foi dito, o produto audiovisual pertence à "Manchete". Algum esclarecimento sobre a interpretação das estipulações contratuais é salutar. De fato, a Lei 5.988/73, no art. 3º, obriga à interpretação restritiva quanto aos negócios jurídicos atinentes aos direitos autorais. Ocorre que, no caso sob exame, essa restrição tem dupla mão, porque o aqui autor é titular de direitos sobre o texto que escreveu e a "Manchete" quanto aos audiovisuais. Daí se considerar que, apesar de as estipulações contratuais sugerirem alguma titularidade de direitos do aqui autor a respeito da obra coletiva produzida pela "Manchete", é inegável a inexistência de explícita renúncia ou doação dos direitos a ela cabentes em razão da obra que organizou (audiovisual), levando à interpretação que melhor atenda aos interesses do titular dos direitos audiovisuais, porque é apenas destes que se está a discutir. A indenização por danos morais é inviável. A obra exibida pelo réu, como anteriormente mencionado, é de titularidade de terceira pessoa e sua exibição, com ou sem cortes, em nada afeta o aqui autor, posto que a ré cuidou apenas de reproduzir as imagens produzidas por "Manchete", tal como ela as gravou e as supressões noticiadas nos autos só poderiam atingir o dono da obra, isto é, a falida "Manchete" ou eventuais sucessores. Aliás, até mesmo os comentaristas do assunto ressaltaram a perda de algumas cenas, ou fitas, que, impassíveis de recuperação, foram descartadas – isso sem atribuir qualquer defeito ou, mesmo, qualidade inferior à obra (texto) produzida pelo aqui autor, conforme ele próprio reproduziu (fls. 08, proc. 845/09). Há dano patrimonial a ser indenizado. De imediato, cumpre excluir aqueles exemplificativamente referidos pelo aqui autor (fls. 20, item 65, proc. 1.369/08), uma vez que a ele é vedado obter proveito de direito alheio. Entretanto, a Constituição Federal, na al. "a" do in
c. XXVIII do art. 5º, assegura proteção (indenização) às participações individuais em obras coletivas, de modo a se ter por incluído, no pleito deduzido na inicial, aquele relacionado com a participação do aqui autor na obra televisionada pela ré, conforme se apurar por arbitramento, posto inexistir critério objetivo para a apuração do montante e prova que permita sua fixação neste ato. O impedimento à reexibição da telenovela é inviável (proc. 845/09). O aqui autor, como inúmeras vezes repetido, nenhum direito autoral detém em relação à obra audiovisual e, portanto, descabe a ele determinar quem deva ou possa dela se utilizar. A cautelar improcede. O Código de Processo Civil, no inc. I do art. 844, admite a exibição judicial de coisa móvel em poder de outrem que o requerente tenha interesse em conhecer e, no inc. II do referido artigo, de documento próprio ou comum. Ora, o instrumento do contrato celebrado entre a requerida e terceira pessoa jamais pode ser confundido com "coisa móvel", por ser documento que, entretanto, nem é próprio do requerente e nem a ele é comum. Assim, de rigor a procedência parcial da ação veiculada nos autos de n. 1.369/08 e a improcedência da outra e da cautelar. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação condenatória que BENEDITO RUY BARBOSA moveu ação condenatória contra TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO S/A. (proc. 1.369/08) e condeno a ré no pagamento, para o autor, de remuneração pela participação dele na obra que ela retransmitiu ("Pantanal"), conforme se apurar por arbitramento. Diante da mínima sucumbência da ré e do enorme trabalho produzido, condeno o autor e requerente no pagamento das despesas processuais e dos honorários que fixo, equitativamente (CPC, art. 20, § 4º), em R$100.000,00 (cem mil reais). Extingo a fase de conhecimento, nos termos do inc. I do art. 269 do Código de Processo Civil. P. R. I. C. CUSTAS DE PREPARO: R$ 732,77 E PORTE REMESSA: R$ 275,00 – ADV JOSE CARLOS COSTA NETTO OAB/SP 47579 – ADV MARIA LUIZA DE FREITAS VALLE EGEA OAB/SP 35225 – ADV ANA MARIA DOLCE BRAGA DE OLIVEIRA OAB/SP 80119 – ADV MARCELO MIGLIORI OAB/SP 147266 – ADV MARINA DE LIMA DRAIB ALVES OAB/SP 138983

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!