Efeito político

Suprema Corte dos EUA enfrenta momento de discórdias

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9 de julho de 2012, 11h32

supremecourtus.gov
A Suprema Corte dos Estados Unidos vive uma crise, com raízes na divisão política do país entre conservadores (Republicanos) e liberais (Democratas), que é retratada com preocupação pela imprensa do país. "A discórdia está instalada de forma profunda e pessoal na Suprema Corte dos Estados Unidos", declarou a CBS News em reportagem deste domingo (8/7). "É uma discórdia que vai afetar essa corte por um longo tempo e ninguém tem ideia de quando será resolvida", diz a reportagem. 

A "ira dos conservadores", assim definida pelo jornal Los Angeles Times, tem origem no fato de que algumas decisões importantes nos últimos 12 meses não se alinharam à constituição da Corte, de maioria conservadora. Em algumas decisões, um ministro ou outro se alinhou com o outro lado da bancada, por optar por uma decisão essencialmente jurídica. Com isso, esses ministros produziram "algumas surpresas desagradáveis" para os conservadores, segundo o Los Angeles Times

A Suprema Corte dos EUA tem nove ministros — cinco conservadores e quatro liberais. Na ala conservadora estão o presidente da Corte, John Roberts (indicado por George Bush) e os ministros Antonin Scalia (indicado por Ronald Reagan), Anthony Kennedy (Ronald Reagan), Clarence Thomas (George Bush) e Samuel Alito (George Bush). Na ala liberal, estão o ministro Stephen Breyer (indicado por Bill Clinton) e as ministras Ruth Bader Ginsburg (Bill Clinton), Sonia Sotomayor (Barack Obama) e Elena Kagan (Barack Obama). 

Nos últimos tempos, o ministro conservador Anthony Kennedy assumiu a posição de fiel da balança da Suprema Corte, se alinhando com os conservadores ou com os liberais de acordo com suas convicções jurídicas, em cada um dos casos. O ministro conservador Samuel Alito votou uma vez com os liberais e a ministra liberal Sonia Sotomayor se alinhou uma vez com os conservadores. Mas a pedra no sapato dos conservadores sempre foi Anthony Kennedy.

Mas, na votação mais politizada deste ano, destinada a manter ou derrubar a nova lei de seguro-saúde do país, conhecida como Obamacare (porque foi um projeto de lei proposto pelo presidente Obama), o ministro Kennedy se declarou, desde o início, que iria votar contra a lei. E os Republicanos consideram a extinção completa da Obamacare como favas contadas. Mas aconteceu, então, o inesperado: o presidente da Corte, John Roberts, deu uma guinada de última hora em todo o processo e se juntou à "coalizão liberal" para manter a lei que obriga todos os americanos a adquirir seguro-saúde e, com isso, gerar fundos para revitalizar o moribundo Medicaid — o serviço de previdência social para os americanos que vivem abaixo do nível de pobreza. 

Foi a gota d’água que instalou a discórdia na Corte e a indignação dos conservadores do país. "Os conservadores sentiram um cheiro de traição", diz a CBS. "Eles acham que Roberts mudou de ideia por razões erradas", relata a reportagem. Se Roberts tivesse ficado do lado dos liberais desde o início, o resultado final teria sido mais palatável. Mas o fato de ele haver mudado de posição quase em cima da hora deixou os conservadores furiosos, diz a CBS. Curiosamente, ele tentou arduamente convencer o ministro Kennedy a também se alinhar com os liberais, para manter a lei, mas não conseguiu. Mas, enfim, Roberts deu o voto decisivo em uma questão polêmica perante a Corte que ele preside desde 2005. 

Furos nas coalizões
Três dias antes de votarem a Obamacare, John Roberts e Anthony Kennedy, com o apoio de três ministros liberais, derrubaram alguns aspectos mais polêmicos da lei do Arizona que, segundo os críticos, legaliza a perseguição a imigrantes ilegais. A ministra liberal Elena Kagan se declarou impedida porque ela trabalhou nessa área, quando fazia parte do governo Obama. A Suprema Corte considerou que, em alguns pontos, o Arizona legislou em áreas que eram de competência exclusiva do governo federal. Resultado da votação: 5 a 3 para os liberais. 

Em um voto que se tornou notável, segundo o Los Angeles Times, o ministro conservador Samuel Alito se juntou aos quatro liberais da corte, declarando que os americanos tinham direito à proteção constitucional de não ter seus movimentos rastreados por qualquer autoridade policial através de seus telefones celulares, GPS e outros dispositivos eletrônicos. A Constituição dos EUA protege os cidadãos contra busca e apreensões consideradas "não razoáveis" e sem mandado, mas o governo defendia a tese de que essa proteção não se estende às ruas e calçadas públicas. Resultado da votação: 5 a 4. 

Com a ajuda do conservador Anthony Kennedy, os ministros liberais garantiram aos réus novos direitos nos acordos de plea bargain (confissão de culpa para evitar o julgamento, em troca de uma pena menor). Cerca de 95% dos casos criminais jamais chegam ao Tribunal do Júri. Terminam em acordo proposto pelo promotor e aceito pelo réu, com a assistência de seu advogado de defesa. No entanto, segundo os votos vencedores, muitos réus perdem a oportunidade de fazer um acordo e pegam sentenças muito altas, porque lhes faltaram uma assistência jurídica competente — algumas vezes, por um erro grave do advogado de defesa. Assim, os réus prejudicados podem pedir a revisão de seu caso em um tribunal. Resultado da votação: 5 a 4. 

Kennedy também foi decisivo quando a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais (e também de uma lei federal) que obrigava os juízes a aplicar automaticamente a sentença de prisão perpétua a crianças (algumas delas na faixa de 11 a 14 anos) e adolescentes, uma vez que fossem consideradas culpadas pelo tribunal do júri por qualquer crime que envolvesse morte da vítima. Os juízes sequer tinham a possibilidade de levar em consideração circunstâncias atenuantes, como idade do réu ou sua efetiva participação no crime. Muitas crianças foram sentenciadas a prisão perpétua, sem terem cometido crime de assassinato, porque foram consideradas culpadas por estarem envolvidas, por exemplo, com um crime de assalto. A decisão não vai livrar os condenados da prisão, automaticamente, mas mais de 2 mil casos serão revistos. Resultado da votação: 5 a 4. 

Com a ajuda da ministra Sonia Sotomayor, que se alinha com a minoria liberal, porque foi indicada pelo presidente Obama, mas que têm tendências conservadoras, segundo a Wikipédia, a Suprema Corte garantiu novas proteções jurídicas às corporações que enfrentam sanções criminais. No passado, a corte estabeleceu que os réus tinham o direito a um júri, para decidir sobre fatos essenciais que sugeriam punições mais duras. Em junho, Sonia Sotomayor escreveu, em seu voto, que o mesmo era verdadeiro para as corporações. Resultado da votação: 6 a 3 para os conservadores. A ministra foi corajosa porque, segundo a Wikipédia, os registros históricos indicam que um ministro só vota contra sua própria bancada depois de pelo menos 5 anos no cargo. Ele foi para a corte em 8 de agosto de 2009. 

Exceções à regra
Todos esses casos de votos "rebeldes" constituem, entretanto, exceções à regra. O placar normal das decisões da corte é 5 a 4 – cinco votos conservadores contra quatro votos liberais. Assim, os conservadores tiveram inúmeras vitórias nos últimos tempos. Entre as mais notáveis, por exemplo, deram ganho de causa ao Walmart, contra suas funcionárias, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Determinaram que as prisões têm o direito de ordenar a prisioneiros que se desnudem, para fazer buscas, mesmo que não sejam considerados perigosos. Proibiram os sindicatos do setor público de coletar taxas de funcionários para financiar projetos políticos especiais. 

Mas, mesmo no calor das discórdias, políticos conservadores esperam que a poeira assente e que os ministros conservadores façam as pazes com o presidente Roberts, para que a coalizão majoritária volte a imperar. A partir de setembro, a Suprema Corte vai decidir dois casos de grande interesse para os conservadores: uma lei sobre direito ao voto e outra sobre o casamento. A lei do casamento, que os conservadores querem manter intacta, estabelece que o matrimônio somente pode ocorrer entre um homem e uma mulher.

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