Sociedade cibernética

Acesso à comunicação virtual é um direito fundamental

Autor

  • Larissa Pinho de Alencar Lima

    é professora de Direito Constitucional coordenadora do Nupemed/Jipa da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

9 de julho de 2012, 16h16

A evolução do direito à comunicação virtual é uma necessidade da sociedade moderna. Atualmente, a internet é a ferramenta elementar para a efetivação dos direitos fundamentais em uma sociedade cibernética. Pelos mais distantes locais do Brasil, sempre encontramos alguém acessando sites, blogs e redes sociais. Buscam-se notícias acerca de atualidades globais, de entretenimento, de crimes cibernéticos e pesquisas sobre determinados temas, entre outros. Essa popularização da internet é um marco da sociedade contemporânea, com repercussão em todos os ramos do Direito — principalmente o empresarial, civil, penal e processual.

O direito do acesso à internet é reflexo de uma democracia ainda em evolução. Esse direito significa muito mais do que o encurtamento das distâncias entre as pessoas. É uma verdadeira incursão na globalização mundial. Diante da ausência de previsão expressa do mesmo na Constituição de 1988, ela estipula a abertura de seu catálogo de direitos fundamentais no artigo 5º, parágrafo 2º. Para Ingo Sarlet[1], o disposto do artigo 5º, em seu parágrafo 2º, consagra a expansividade dos direitos fundamentais, no sentido de que o sistema não é fechado. Para ele, a partir da abertura do catálogo de direitos fundamentais, é possível fazer uma classificação em dois grandes grupos de direitos.

Sarlet defende uma classificação que parte do critério da abertura material e de como o parágrafo 2º, do artigo 5º, trata dessa abertura material. O professor afirma que existe um mandato e um mandado embutido no parágrafo 2º. O mandado é que o juiz deve reconhecer a fundamentalidade fora do Título II, da Constituição, como por exemplo em relação aos tratados internacionais. O mandato é a autorização para que o juiz faça isso. É evidente que o juiz não pode dizer que tudo o que está na Constituição é um direito fundamental. Há necessidade de justificativa prudente. Com isso, e com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível afirmar que os direitos fundamentais estão além do título II da Constituição de 1988. Os exemplos podem ser enumerados da seguinte forma: a) A irretroatividade tributária é considerada direito fundamental (art. 150, CF) — os limites constitucionais materiais ao poder de tributar geram um direito subjetivo e b) A igualdade dos filhos dos cônjuges também é reconhecida como direito fundamental (art. 227, CF), entre outros.

Assim, repisa-se, embora o direito de comunicação e acesso à internet não estejam expressamente previstos no âmbito da Constituição, devem ser considerados direitos fundamentais. Não basta uma mera pertinência temática para identificar um direito fundamental fora do Título II. O princípio da dignidade da pessoa humana é o vetor mais importante para identificar direitos fundamentais fora do Título II. Na mesma linha de intelecção do professor Ingo Sarlet, se algo estiver diretamente vinculado à dignidade da pessoa humana e for simultaneamente essencial para a sua proteção, estamos diante de um direito fundamental. Deste modo, em uma sociedade em que a internet é acessada por crianças em idade precoce e pela população de classe média, alta e baixa, não há como negar que o direito à comunicação virtual e o acesso à internet está ligado diretamente à dignidade da pessoa humana e, justamente por isso, é um direito fundamental.

Dimensão de direitos
Os direitos de primeira dimensão foram as chamadas revoluções liberais, ocorridas no final do Século XVIII e que deram origem a referidos direitos de primeira geração. Isso porque o principal valor que se buscava era a liberdade. Na classificação de Jellinek[2], os direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Assim, são direitos que têm um caráter negativo, que vão exigir uma abstenção por parte do Estado. São os chamados direitos de liberdade, essencialmente individuais. Fundamentalmente, os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos.

A segunda dimensão de direitos é ligada aos valores de igualdade, porém, não a igualdade formal, mas sim a igualdade material. É referente à atuação do Estado para reduzir desigualdades existentes. O surgimento dos direitos de segunda dimensão está relacionado à Revolução Industrial. Na classificação de Jellinek, se enquadrariam como direitos prestacionais. A partir da terceira dimensão, há grande divergência doutrinária quanto à classificação dos direitos fundamentais. Por isso, a maioria dos doutrinadores adota a classificação do professor Paulo Bonavides como referência.

A terceira dimensão diz respeito aos direitos ligados à fraternidade ou à solidariedade. Segundo Paulo Bonavides, o que fez surgirem esses direitos de terceira geração foi a distância abismal entre países de primeiro mundo e os chamados de terceiro mundo, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Começou-se a falar em uma necessidade de colaboração, de ajuda dos países mais desenvolvidos aos menos privilegiados. Os direitos de terceira dimensão então seriam, num rol exemplificativo, os seguintes: direito ao desenvolvimento ou progresso; direito ao meio ambiente; direito à autodeterminação dos povos (um dos princípios que rege o Brasil nas suas relações internacionais, art. 4º); direito de comunicação; direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito à paz. Esses direitos são ainda taxados de direitos transindividuais, difusos ou coletivos.

Os direitos de quarta dimensão seriam aquelesligados à pluralidade. Segundo Paulo Bonavides, o fator histórico que teria dado origem aos direitos de quarta geração seria a globalização política,ocasionando também uma globalização jurídica. A doutrina menciona ao menos três direitos de quarta dimensão: direito à democracia; direito à informação e direito ao pluralismo. E, enfim,a quinta dimensão de direitos fundamentais, a qual Augusto Zimmermann[3] aponta como os direitos inerentes à realidade virtual, compreendende o grande desenvolvimento da internet. Assim, é possível concluir que os direitos à comunicação, à informação e à realidade virtual estão amparados nas dimensões terceira, quarta e quinta.

Neste contexto, a ideia é que a manifestação de pensamento, o acesso à informação e a possibilidade de criação sejam de fato efetivamente experimentados pelos titulares do direito. Assim, nasce para o Estado um dever de informar e evoluir para atender as necessidades da população e a concretização da democracia. O dever do Estado não é apenas garantir a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, mas também assegurar e proporcionar os meios e os suportes tecnológicos indispensáveis à efetivação de tais liberdades.

A velocidade da informação e dos meios de comunicação virtual são fenômenos que não podem retroceder. O direito à vedação do retrocesso afigura-se com grande aplicação neste ponto. Isso porque a internet e os meios de comunicação virtual criam uma nova esfera pública de participação das pessoas, independentemente do nível social ou intelectual. Por isso, deve haver a adaptação da sociedade em evolução às tecnologias oferecidas a fim de garantir uma democracia participativa, legítima e fundamental.

A comunicação virtual por meio da internet é o instrumento de democracia mais emergente e sólido que construímos ao longo dos anos. Por isso, deve ser entendido como um direito fundamental, necessário para concretizar a dignidade da pessoa humana e materializar a evolução dos relacionamentos. Enfim, é preciso assegurar o mais amplo e absoluto entendimento de que os direitos à comunicação, à informação e à realidade virtual, que se encontram respectivamente nas dimensões terceira, quarta e quinta, servem para garantir a dignidade da pessoa humana.

Referências Bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª edição. São Paulo: Malheiros. 2011.
Hartmann, Ivar Alberto Martins – Acesso à internet como direito fundamental.
LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 46-47.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislaçãoconstitucional, São Paulo: Atlas, 2002. p. 163.

Sarlet, Ingo Wolfgang – Direitos fundamentais (http://www.unipli.com.br/direito/)
BONAVIDES, Paulo. Palestra proferida no II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza-Ce, de 03 a 05 de abril de 2008.
ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. rev.ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.


[1] Sarlet, Ingo Wolfgang – Direitos fundamentais (http://www.unipli.com.br/direito/)

[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª edição. São Paulo: Malheiros. 2011.

[3] ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. rev.ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

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