Limites e disciplina

Liberdade de imprensa não é direito absoluto

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8 de julho de 2012, 6h43

Com a conhecida cultura e com a excelência de sempre, José Roberto Batochio, em 2 de julho último, publicou no jornal O Estado de S. Paulo artigo republicado neste Consultor Jurídico.

No texto, Batochio assinala que o segredo de Justiça é instituto válido, mas que não deve se impor à imprensa, afirmando, ao citar um caso concreto, que se trata de trava censória. Lembra o aforismo pelo qual não deve o sapateiro ir além dos sapatos.

Tem razão, em parte. O sapateiro não deve ir além dos sapatos. Mas isso também serve à imprensa.

Não é possível imaginar que a intervenção do Poder Judiciário para garantir uma ordem sua, pautada na lei, seja considerada uma forma de censura, uma trava, um bloqueio. Se um juiz, escorado na legislação, declara um inquérito sigiloso, sigiloso ele é, e não pode um jornalista afrontar a ordem judicial. Se o fizer sem sanção, torna-se juiz do juiz. Mais. Converte-se em árbitro último da sua conduta, coisa inadmissível em qualquer democracia.

Garantir o segredo de justiça motivadamente declarado não é censura. É respeito à lei e ao Judiciário. Não é ameaça à democracia. É o seu exercício, pois não existe democracia sem Constituição e a Lei Maior do Brasil admite o segredo de justiça em hipóteses excepcionais (artigo 5º, inciso LX).

O segredo de justiça é um instituto útil. Necessário, até. É atacado por todos os lados, ora com sinceridade, ora por interesses menos nobres. Ele existe para preservar duas ordens de valores magnos. De um lado, a honra, a privacidade e a imagem, que a Constituição Federal chama de invioláveis. De outro, o interesse público, concretizado na efetividade da justiça, que tem na publicidade, em certos contextos, um adversário.

Não é mau que exista. Ao contrário. Sem o segredo, processos aventureiros seriam um caminho breve para a execração pública de inocentes. (Com ele, isso ainda acontece, o que permite intuir como seriam as coisas na sua ausência…). Sem o sigilo processual, investigações seriam prejudicadas, porque os destinatários da apuração poderiam destruir as provas, os indícios contra si existentes. É socialmente útil, portanto.

A Constituição, sabiamente, protege intensamente a liberdade de imprensa. É um de seus momentos áureos. Mas o próprio Supremo Tribunal Federal, seu guardião, vem reiteradamente afirmando que inexistem direitos absolutos. Seria a liberdade de imprensa uma exceção? Não. Evidente que não. Conforme leciona Norberto Bobbio no ensaio Sobre os Direitos Fundamentais do Homem, publicado na clássica coletânea A Era dos Direitos, só há dois direitos absolutos: o de não ser escravizado e o de não ser torturado. Todos os demais podem concorrer entre si e, em dadas situações, podem ceder. Dentre eles, a liberdade de informar.

A lei veda uma série de condutas naturalmente legítimas em certos contextos, porque noutros ela as reputa perigosas. Assim é que, apenas para ficar no campo da liberdade de expressão constitucionalmente assegurada, não se pode, em período eleitoral, fazer publicidade oficial (salvas escassas exceções), a fim de evitar que a informação se converta em propaganda de candidaturas. Também é proibida a propaganda de bebidas alcoólicas em determinados horários, para evitar que adolescentes e crianças sejam expostas a esse convite ao consumo. Igualmente, é vedada a venda de publicações consideradas impróprias a uma determinada idade de leitores. Os exemplos são legião. Havendo valores em concurso, princípios em colisão, regras em conflito, algo tem de ceder. E quem deve dizer o que cede é o legislador e, depois, o juiz. Não o jornalista.

Restringir é da essência da legislação. Com isso, é certo, tolhem-se alguns espaços livres de atuação. Faz parte. Toda liberdade é também disciplina, é limite, pois na vida em sociedade existe o outro, que precisa ser respeitado. E, quando a lei restringe dentro de parâmetros de razoabilidade, ela é constitucional. Essa a velha lição da mais respeitável doutrina. E que os melhores juízes aplicam.

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