RENOVAÇÃO DO MODELO

O Supremo em debate: eventuais reformas

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8 de julho de 2012, 12h02

[Artigo publicado no jornal Correio Braziliense na terça-feira (3/7)]

Nunca o Supremo Tribunal Federal esteve sob luz tão forte na ribalta como agora. Pelo menos desde a redemocratização, depois de ter sido alcançado pela mão forte da ditadura, com a aposentadoria forçada dos ministros Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em protesto, outros dois renunciaram. O volume de trabalho é assombroso para apenas 11 ministros, que agora enfrentarão um julgamento complexo, de forte conotação política, o chamado "processo do mensalão". Não raro, o STF acaba legislando quando interpreta a Constituição ou supre lacunas deixadas pelo Legislativo. A evidência tem estimulado a reflexão, nos meios jurídico e político, sobre o papel do STF, seu futuro e eventuais reformas.

O jurista pernambucano Carlos André Magalhães é um dos que, em palestras ou colóquios jurídicos mais reservados, tem defendido pelo menos duas alterações na estrutura do STF: o aumento do número de ministros para 15 (como já foi no passado); e a fixação de mandato para os novos ministros, até que, com a renovação continuada, todos tenham mandato fixo.

Antes de seus argumentos, vale recordar o volume crescente de trabalho que o STF enfrenta, e do qual os ministros frequentemente se queixam. Ou pelo menos fazem questão de registrar, para justificar o longo prazo de tramitação dos processos. Cada um deles responde hoje, como relator, por um número de processos que não consegue examinar em apenas um ano. Em 2010, foram autuados mais de 71 mil processos, em 2011, mais de 64 mil e em 2012, até agora, 24,5 mil. Em 2010, o Supremo julgou 103,8 mil ações, em 2011, 99,6 mil e este ano, até agora, 42,1 mil. É muito trabalho, sim, e dificilmente uma outra Corte suprema responde a uma demanda igual. Nossa democracia ainda é jovem, nossa Constituição, detalhista, nosso país é complexo e passa por grandes, vigorosas e promissoras mudanças. Por isso mesmo o STF, como outras instituições, deve ajustar-se às exigências de seu tempo. Alguns ministros admitem reservadamente essa necessidade, mas não irão vocalizá-la, trombando com o espírito de corpo. As rusgas já são muitas ali.

Voltemos ao jurista Carlos André Magalhães, por sinal filho do ex-governador Roberto Magalhães, que é também um destacado constitucionalista, foi também professor, procurador e deputado federal até 2011, quando se retirou da política. A natureza política do STF, diz ele, é indiscutível. Primeiramente porque, aqui, como nos Estados Unidos, a escolha de seus membros passa pelos outros dois poderes. O presidente da República indica, o Senado referenda. Lá, num processo bem mais rigoroso que aqui. Depois, porque sua função primordial é interpretar a Constituição, um documento essencialmente político. Em defesa do aumento do número de ministros, ele recorda que, na República Velha, eles eram 15. Depois da Revolução de 1930, foram reduzidos a 11, o que perdurou até 1965, quando, por meio do Ato Institucional número 2, a ditadura tentou controlar o tribunal elevando esse número para 16 (quantidade inusual para tribunais), recuando em 1969, quando voltou a ser 11. Esse número foi mantido pela Constituição de 1988.

Se os ministros eram 15 no início do século passado, quando a população correspondia a aproximadamente 50 milhões de habitantes, por que devem ser apenas 11 hoje, quando somos 200 milhõess, e o Brasil, assim como o mundo, é muito mais complexo? — ele pergunta.

Nenhum dos atuais ministros parece discordar disso. Eles são muito poucos para nosso tempo, em que tantas questões são judicializadas e frequentemente acabam chegando ao STF.

André Magalhães acha também que a adoção dos mandatos (o que já foi feito por alguns países) oxigenaria o STF, permitindo maior circulação das ideias e dos posicionamentos jurídicos. Hoje, os ministros podem se fixar no tribunal até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos. Mas ele acha que, para ser aprovada, essa proposta teria que alcançar inicialmente apenas os novos ministros indicados. Um dia, com a aposentadoria dos maios antigos, a Corte toda entraria no regime dos mandatos.

Esse debate existe também nos meios acadêmico e jurídico dos Estados Unidos. Na semana passada, o jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva abordou, em artigo na Folha de São Paulo, a questão do "ativismo judiciário" e da politização crescente das Cortes supremas aqui e nos Estados Unidos, propondo que a sociedade, aqui e lá, debata a fixação dos mandatos como parte do aprimoramento democrático.

André Magalhães acha ainda que os ministros do STF não devem integrar o TSE, coisa que não existe em nenhum outro país. A sobrecarga aumenta ainda mais e estes ministros (hoje três dos 11 integram também o TSE) acabam tendo que antecipar posições que vão defender no STF, se o processo chegar lá.

Enfim, um bom debate. Ainda que a média prazo, teremos que enfrentá-lo. O tal julgamento de agosto propicia a reflexão.

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