Escândalo dos grampos

Direito de não se autoincriminar não é absoluto

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5 de julho de 2012, 15h43

Foto: Divulgação/UK Supreme Court
A Suprema Corte do Reino Unido decidiu, nesta quarta-feira (4/7), que o direito de não se autoincrminar não é absoluto. Ele pode ser afastado, por exemplo, em casos cíveis que envolvem propriedade intelectual ou informações com conteúdo comercial. Nesses, o acusado pode ser obrigado a revelar a verdade. A decisão coloca fim a uma batalha judicial de 20 meses, em que o investigador particular Glenn Mulcaire, envolvido no "escândalo de grampos ilegais", que resultou no fechamento do tabloide News of the World, defendeu seu direito de não apresentar, em ações cíveis, provas que poderiam incriminá-lo em uma ação penal.  

A decisão unânime da Suprema Corte do Reino Unido obriga o investigador particular a informar à demandante Nicola Phillips, consultora de relações públicas da Max Clifford Associates (MCA), quem o instruiu para interceptar as mensagens deixadas em seu celular e nos de seus clientes, membros da realeza britânica e celebridades. Uma das questões perante a Corte, segundo o relator do processo, Lord Walker, era verificar se a revelação dos nomes dos jornalistas do tabloide que teriam participado do esquema iria caracterizar a prática de "delitos relacionados", como o de conspiração, pelo investigador. A outra questão era decidir sobre o significado das palavras "procedimentos para violação de direitos pertencentes a (…) propriedades intelectuais", escreveu o relator. 

A Suprema Corte acatou as alegações de Nicola Phillips de que as mensagens interceptadas pelo investigador continham informações comerciais confidenciais, que podem ser enquadradas dentro do amplo e esparso entendimento do que é propriedade intelectual. Esse entendimento não se aplicaria, disse o relator, a informações particulares, mesmo que fossem confidenciais. "Um segredo sobre a vida privada de uma pessoa, como, por exemplo, uma doença terminal que uma celebridade não quer que chegue ao conhecimento público, não seria protegido pela legislação, nem que sua divulgação — mesmo que haja quebra de confiança — resulte em vantagens financeiras para a mídia", escreveu Lord Walker. 

De acordo com a decisão, é preciso haver uma "conexão suficiente" entre a matéria em questão nos procedimentos cíveis provocados pela demandante e o delito que leva o demandado a ter receio de uma possível acusação em processo penal. A legislação do Reino Unido prevê que o delito deve ser cometido até ou durante o curso da violação, à qual os procedimentos cíveis se referem, a não ser que o delito envolva fraude ou desonestidade – nesse caso, mesmo uma conexão vaga seria o suficiente. Quanto ao "delito relacionado" em questão, a Corte acredita que "está bem estabelecido que a conspiração é um delito continuado".

"Uma conspiração envolve um acordo expresso ou implícito. Um acordo conspiratório não é um contrato, não é legalmente obrigatório, porque é ilegal. Mas, como um acordo, ela tem três estágios: 1) a elaboração ou formação; 2) a execução ou implementação; 3) o cumprimento ou a rescisão. Quando um acordo conspiratório é feito, o delito da conspiração é realizado, foi cometido, e os conspiradores podem ser processados, mesmo que a operação não tenha se concretizado. Mas o fato de que o delito da conspiração é executado nesse estágio não significa que o acordo conspiratório está terminado. Ele não está morto. Está em execução e bem vivo. Enquanto a execução continuar, está em operação, está sendo conduzida pelos conspiradores e é governada ou influenciada, em qualquer grau, por suas condutas. O acordo conspiratório continua em operação e, portanto, em existência, até que seja cumprido (rescindido), pela conclusão da execução ou pelo abandono ou frustração, o que seja", escreveu Lord Walker. 

O relator argumentou: "Se o Sr. Mulcaire conspirou com uma ou mais pessoas para interceptar as mensagens de telefones celulares, um delito foi cometido quando o acordo ilegal foi feito. Mas o delito continuou pelo tempo em que o acordo foi executado. Cada interceptação resultante do acordo ilegal estaria no curso da violação". (…) "Por essas razões, eu rejeitaria essa apelação", concluiu. 

Histórico
Segundo a decisão da Suprema Corte, em janeiro de 2007, o investigador Glenn Mulcaire e o jornalista do News of the World, Clive Goodman, foram processados e admitiram a culpa pelo delito de interceptação de mensagens telefônicas de membros da realeza. Mulcaire foi sentenciado a seis meses de prisão e Goodman a quatro meses. No período de 2008 a 2010, um grande número de ações cíveis foram movidas contra o jornal, sendo algumas delas contra Mulcaire, alegando que mensagens em seus telefones celulares foram grampeadas ilegalmente. 

Em 10 de maio de 2010, a consultora de relações públicas Nicola Phillips, que trabalha para Max Clifford Associates (MCA) processou a News Group Newspapers, a editora do jornal, pelo mesmo motivo: mensagens interceptadas em seu celular. Em 12 de outubro de 2010, ela pediu a um tribunal de recursos para acrescentar Mulcaire como demandado, a fim de obter uma ordem judicial que o obrigasse a fazer uma declaração testemunhal revelando uma série de informações, incluindo a identidade de quem o instruiu a interceptar mensagens. Mulclaire se opôs ao pedido, com base no  direito de não se autoincriminar. Mas o tribunal de recurso acatou o pedido de Nicola. Ele apelou à Suprema Corte do Reino Unido, que manteve a decisão do tribunal de recursos.

Consequências
Mulclarie chegou a discutir com seus advogados a possibilidade de levar o caso à Convenção Europeia de Direitos Humanos. Mas um de seus advogados disse à BusinessWeek que as informações solicitadas serão disponibilizadas em duas ou três semanas. O advogado de Nicola, Mark Lewis, disse que a decisão é aplicável a muitos outros casos. E o mais provável é que todos terminem em acordos, incluindo o de sua cliente. Até agora, a News Corp. já pagou mais de $ 258 milhões de liras (R$ 800 milhões) em acordos para encerrar uma dúzia de ações cíveis.

Clique aqui para ler a decisão em inglês.

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