Aposta da defesa

Análise técnica favorecerá absolvição total no mensalão

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4 de julho de 2012, 19h23

A menos de um mês do julgamento, no Supremo Tribunal Federa, do processo conhecido como “mensalão”, os advogados dos 38 réus são unânimes no sentido de que, se a corte fizer uma análise técnica do caso, não haverá condenação. Ainda assim, segundo reportagens do jornal Valor Econômico, assinadas pelos repórteres Cristine Prestes e Raymundo Costa, os criminalistas temem que as decisões acabem sendo contaminadas pela política e, por isso, já dão por perdido o voto de pelo menos dois ministros.  

Leia a reportagem:

Criminalistas apostam em absolvição geral

por Cristine Prestes

Faltando menos de um mês para o início do julgamento do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, os advogados que defendem os 38 réus na Ação Penal 470 esperam dos 11 ministros da corte uma análise técnica do caso — e acreditam que, se ela ocorrer, praticamente não haverá condenações. Os argumentos que sustentam sua crença na absolvição vão desde a ausência de provas técnicas até a jurisprudência do Supremo, que, se seguida pelos ministros, favoreceria os réus. Ainda assim, o grupo — que inclui boa parte dos mais renomados criminalistas do país — não descarta um julgamento político e dá como perdidos os votos do relator Joaquim Barbosa e do presidente da corte, Carlos Ayres Britto.

Responsável pela defesa do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), o criminalista Alberto Toron afirma que, durante uma conversa recente com o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, ouviu dele que o julgamento será eminentemente técnico e jurídico. "O Supremo não vai deixar de seguir sua tradição e fará um julgamento justo", diz. Seu cliente é acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro por ter assinado, em 31 de dezembro de 2003, um contrato de R$ 9 milhões com a SMP&B Comunicação, do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que seria mais uma fonte de recursos para a compra de apoio político.

Toron compara o caso do mensalão ao processo penal em que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador pelo PTB-AL, foi acusado de corrupção passiva por seu suposto envolvimento no esquema montado pelo tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, o PC Farias. Collor sofreu processo de impeachment em 1992 e renunciou ao cargo antes de ser afastado da Presidência da República. Em 1994, após quatro dias de julgamento, o Supremo absolveu Collor por falta de provas, mesmo diante da imensa pressão popular e da mídia pela sua condenação. "Não vejo o porquê de o Supremo julgar de forma diferente agora."

A opinião é compartilhada por vários de seus colegas. "Tenho a mais profunda convicção de que o julgamento será técnico", diz o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o publicitário Duda Mendonça e seu sócio, Zilmar Fernandes Silveira. Ambos são acusados de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por terem recebido valores devidos pelo PT por serviços prestados durante a campanha eleitoral de 2002, supostamente originados de contratos publicitários destinados ao desvio de recursos. "Nossa defesa é 100% técnica", diz Kakay, que afirma que os valores recebidos por Duda Mendonça referem-se a créditos de campanhas anteriores do PT e que nada têm a ver com o mensalão — que ele nega que tenha existido.

O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende a ex-vice-presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, acusada de formação de quadrilha, gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de dinheiro, tem a mesma opinião. "O Supremo é um tribunal técnico, há uma diversidade grande de orientações jurídicas, mas todas elas voltadas para a lei e baseadas nas provas dos autos", diz o criminalista. "É difícil avaliar como o Supremo vai julgar", afirma Pierpaolo Cruz Bottini, criminalista que defende o ex-deputado federal pelo PT-MG Luiz Carlos da Silva, o Professor Luizinho, acusado de lavagem de dinheiro. No entanto, ele afirma que, ao despachar com os ministros do Supremo, observou que todos eles conheciam profundamente o processo, ouviram com atenção e discutiram temas técnicos. "Não senti nenhuma politização do processo", diz.

A crença dos criminalistas de que, se o Supremo julgar o processo do mensalão de forma técnica, boa parte dos réus será absolvida baseia-se na instrução criminal — fase do processo em que o Ministério Público Federal tem a função de corroborar as provas colhidas durante o inquérito para confirmar as alegações feitas na denúncia, em face ao contraditório, ou seja, à defesa dos réus. Segundo Pierpaolo Bottini, a maior parte do grande conjunto probatório produzido na fase de inquérito do mensalão não foi corroborada na fase de instrução criminal. "Há uma dificuldade probatória no processo", afirma. "Para a defesa foi uma instrução criminal muito boa, toda favorável aos réus", concorda Kakay, para quem o Ministério Público não conseguiu provar as alegações feitas na denúncia.

Os criminalistas se referem às poucas provas técnicas produzidas e à enorme quantidade de testemunhas ouvidas no processo. E são unânimes ao afirmar que nenhuma delas confirmou a existência do mensalão durante a instrução criminal. "A prova decorrente da CPI dos Correios ou do inquérito serve para o oferecimento da denúncia, mas não serve para basear a condenação", afirma o advogado Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério, acusado de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ele diz que o Código de Processo Penal prevê que o juiz, na formação de seu conhecimento, deve se basear nas provas produzidas em juízo, e que é essa a jurisprudência do Supremo em relação a provas. "E o Ministério Público Federal, em suas alegações finais, só se refere às provas do inquérito, que não podem servir de fundamento para a condenação." Segundo ele, não há prova produzida na fase de instrução criminal, sob o crivo do contraditório, que confirme as acusações do Ministério Público. "Foram ouvidas 600 testemunhas e não teve uma que confirmou a existência do mensalão", afirma.

A exceção é o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). Presidente de seu partido, ele relatou a existência de um esquema de pagamento de mesada a parlamentares da base aliada em troca de votos favoráveis aos projetos de interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso em 2005. Cassado pela Câmara dos Deputados, o delator do mensalão acabou tornando-se réu no processo, e não apenas testemunha, como era sua intenção. E essa condição, para a defesa dos réus, faz toda a diferença. "Se ele fosse testemunha teria o compromisso de falar a verdade, mas como réu não tem", diz Marcelo Leonardo. Na ação penal, Roberto Jefferson é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro – ele mesmo declarou ter recebido R$ 4 milhões de Marcos Valério a mando do PT.

"Há um colosso de depoimentos, mas as provas técnicas são muito poucas", diz Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Já Alberto Toron afirma que há provas técnicas em algumas situações, mas que "as provas testemunhais são absolutamente escassas" – ou seja, não comprovam a existência do mensalão. Segundo os criminalistas ouvidos pelo Valor, além do relato de Roberto Jefferson, outras testemunhas confirmaram a existência de caixa dois de campanha eleitoral – como o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, réu no processo e acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa -, mas não do mensalão.

Embora os advogados acreditem em um julgamento técnico no Supremo, eles também admitem que há uma pressão para que alguns dos réus sejam condenados e não descartam "surpresas". "O Supremo é um tribunal político pela própria natureza de sua composição, a nomeação dos ministros é uma escolha política", afirmou um dos criminalistas que atua no processo. Nos bastidores, eles não têm esperanças em votos favoráveis aos réus vindos dos ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto, presidente do Supremo. "Entre nós, os votos de Britto e Joaquim damos como perdidos", disse outro deles ao Valor.

Impedimento de Mendes foi cogitado
Após sete anos de tramitação e inúmeros recursos protocolados, os advogados que defendem os réus do mensalão são unânimes ao afirmar que não planejam qualquer novo pedido antes da decisão do STF. No desenrolar da ação penal, o pleno da corte julgou 17 agravos regimentais, 8 questões de ordem e 4 embargos de declaração, além de um pedido de impedimento do relator Joaquim Barbosa, feito pela defesa do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e negado pelos ministros. Nos bastidores, no entanto, os criminalistas chegaram a cogitar um pedido de impedimento do ministro Gilmar Mendes.

A ideia surgiu após o episódio em que Gilmar Mendes denunciou ter sofrido pressão para adiar o julgamento do mensalão. Segundo o relato do ministro, durante uma reunião entre ele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Nelson Jobim, realizada no escritório deste, Lula teria dito que seria "inconveniente" julgar o caso do mensalão neste momento. Ainda conforme o relato de Mendes, Lula também teria feito referências a uma viagem a Berlim em que o ministro se encontrou com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO, ex-DEM), cujo elo com o bicheiro Carlos Augusto Ramos está sob investigação na CPI do Cachoeira. Tanto Jobim quanto Lula confirmam o encontro, mas negam que o mensalão tenha sido um de seus temas.

Após a divulgação do episódio pela revista Veja, os criminalistas chegaram a trocar ideias sobre um possível pedido de impedimento de Gilmar Mendes. Mas optaram por não levar a proposta adiante. Na avaliação deles, apesar de ter se indisposto com Lula, Mendes foi parcimonioso em seu voto quando o Supremo analisou o recebimento da denúncia do Ministério Público Federal. "Não houve prejulgamento dos réus e, durante os oito anos de governo Lula, o ministro votou várias vezes a favor do governo", disse um deles ao Valor.

O único recurso nesse sentido no mensalão foi feito contra o relator, ministro Joaquim Barbosa. Ele foi alvo de uma arguição de impedimento para que fosse declarado impedido de votar no julgamento da ação penal. O recurso foi impetrado pela defesa do réu Marcos Valério, a quem o ministro se referiu como "expert em lavagem de dinheiro" durante o julgamento em que a corte aceitou a denúncia do Ministério Público Federal. Em decisão monocrática, Barbosa rejeitou o recurso e Valério recorreu ao plenário do Supremo, que em maio negou o pedido por unanimidade.

Os criminalistas afirmam que, em tese, pedidos de impedimento poderiam ser feitos também contra o presidente da corte, ministro Ayres Britto, por ter sido filiado ao PT, e contra o ministro Dias Toffoli, por ter advogado para o PT — embora, neste último caso, o pedido não interesse a nenhum dos réus. Para eles, a decisão de Dias Toffoli de votar ou não no processo ainda é uma incógnita e só será conhecida às vésperas do julgamento do mensalão.

(Cristine Prestes)

Dirceu contraria expectativas e evita politização

por Raymundo Costa

Aconselhado a assumir a própria defesa, são remotas as possibilidades de o ex-ministro José Dirceu subir à tribuna do STF como advogado no julgamento do mensalão. Dirceu só deve considerar essa possibilidade se achar que será condenado, o que não ocorre no momento. Para sua absolvição, acha mais producente uma defesa técnica.

O ex-ministro e seu advogado acham que não há prova no processo suficiente para condená-lo. E, enquanto existir a expectativa de absolvição, a estratégia é não "fazer marola", como seria a politização do julgamento.

A perspectiva de ver Dirceu na tribuna do STF só existe num quadro em que o ex-ministro avalie que já está condenado, para fazer um libelo político.

São muitos os amigos que aconselham Dirceu a assumir sua defesa. Esses amigos avaliam que ele está muito "quieto", quando deveria se expor mais na sua defesa. Essa não é a tese dos profissionais a seu redor.

O próprio Dirceu tem no currículo uma experiência traumática de "enfrentamento". Quando voltou à Câmara, em 2005, saído da Casa Civil da Presidência, e deixou que uma claque petista tomasse conta das galerias com o provocativo slogan "José Dirceu/É meu amigo/Mexeu com ele/Mexeu comigo". Dirceu, que também fez um discurso de alta octanagem política na ocasião, teve o mandato cassado pela Câmara. Há indícios de que Dirceu mudou, de lá para cá.

Aos 63 anos, o combatente, ex-deputado e ex-ministro preferiu se cercar mais de profissionais do mercado do que de militantes do PT para cuidar de sua defesa. Seu maior interesse é a absolvição no Supremo.

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