Cultura e informação

O STF e a imunidade tributária de álbuns de figurinhas

Autor

  • Alexandre Pontieri

    é advogado pós-graduado em Direito Tributário pela UniFMU em São Paulo e em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Membro da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP.

3 de julho de 2012, 8h00

"Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, eu não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa."
Thomas Jefferson (1743-1826, segundo presidente dos Estados Unidos)

Ao julgar o Recurso Extraordinário 221.239, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RE, interposto por uma grande e conhecida editora, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia afastado a imunidade tributária de algumas publicações, no caso em questão, "álbum de figurinhas".

O trabalho em questão fará uma breve abordagem sobre a imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, analisando a imunidade prevista para os "livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão" do ponto de vista doutrinário, bem como no aspecto jurisprudencial, verificando o porquê da aplicação desta imunidade constitucional a "um simples álbum de figurinhas".

Agiu corretamente o Supremo Tribunal Federal ao entender que o "álbum de figurinhas" deve ser contemplado pela imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal? Ou, agiu de forma equivocada a mais alta Corte do Judiciário brasileiro?

Pois bem, analisaremos a questão, passando por alguns tópicos que serão fundamentais para a melhor compreensão do tema. Então, vejamos.

Breve histórico da evolução do livro
A história do livro tem cerca de 6.000 anos, desde o papiro, o pergaminho, passando pelo papel manufaturado a partir de trapos até os sofisticados papéis industriais feitos da pasta da madeira. Existem três grandes aspectos desta história:(1)
1º — a técnica da gravura
2º — a técnica da fundição manual
3º — a técnica da fundição mecânica
4.500 AC — Escrita, primeira forma de transmissão física do conhecimento
3.500 AC — Escrita cuneiforme (cu.nei.for.me). Diz-se de uma escrita dos assírios, persas e medos, usada em pedras e tabuinhas de barro cozido e cujos caracteres tinham a forma de cunha
600 AC — Papiro
331 DC — Códice, surgimento do primeiro códice (Código antigo)
1.008 — Códice de Leningrado (o texto mais antigo e fidedigno do Antigo Testamento)
1.460 — Tipografia (composição através de tipos móveis e prensa manual — Gutemberg)
1.500 — Inconábulos (livros impressos no século XV desde a invenção da tipografia)
1.590 — Renascimento (os tipógrafos constituem uma dinastia de verdadeiros humanistas)
1.750 — Industrialização (inicia-se o século mais longo da história, que termina em 1.914)
1.789 — Máquina de papel contínuo
1.814 — Prensa mecânica, cilíndrica e movida por força motriz. (A composição ainda é manual)
1.844 — Papel industrializado (papel desenvolvido a partir da pasta da madeira)
1.850 — Prensa rotativa (inventada por Mariconi)
1.885 — Linotipo (composição mecânica)
1.904 — Offset
1.953 — Fotocomposição
2.000 — E-book (livro eletrônico )

As formas de interpretação da legislação tributária
Para melhor compreensão, é necessário que se conheça as diversas formas de interpretação da legislação tributária. A teoria da interpretação, também denominada hermenêutica, analisa os métodos de trabalho de compreensão dos textos legais. Conforme ensina o professor Paulo de Barros Carvalho(2), a doutrina tem aconselhado vários métodos de interpretação. São eles: o literal ou gramatical, o histórico ou histórico-evolutivo, o lógico, o teleológico e o sistemático.

E continua o mesmo professor Paulo de Barros Carvalho(3), a identificar cada método de interpretação:
Literal — seria aquele em que o intérprete toma em consideração a literalidade do texto, cingindo-se à construção gramatical em que se exprime o comando jurídico, procurando colher as inferências declaratórias que são o escopo do labor interpretativo.

Histórico-evolutivo — requer investigações das tendências circunstanciais ou das condições subjetivas e objetivas que cercaram a produção da norma, esmiuçando a evolução do substrato de vontade que o legislador depositou no texto da lei.

Metodológico — de interpretação jurídica, consiste em diligenciar o intérprete no caminho de desvendar o sentido das expressões do direito, aplicando o conjunto das regras tradicionais e precisas da lógica formal.

Teleológico — tende a acentuar a finalidade da norma, antessupondo o exame da ocasio legis, que teria o condão de indicar a direção finalística do comando legislado.

Sistemático — momento em que o intérprete se volta para o sistema jurídico para observar, detidamente, a regra em cotejo com a multiplicidade dos comandos normativos que dão sentido de existência ao direito positivo.

O conceito de imunidade tributária
O professor Paulo de Barros Carvalho assim define a imunidade:
"(…) um obstáculo posto pelo legislador constituinte, limitador da competência outorgada às pessoas políticas de direito constitucional interno, excludente do respectivo poder tributário, na medida em que impede a incidência da norma impositiva, aplicável aos tributos não vinculados (impostos), e que não comportaria fracionamentos, vale dizer, assume foros absolutos, protegendo de maneira cabal as pessoas, fatos e situações que o dispositivo mencione."(4)

E, nas palavras do professor cearense Hugo de Brito Machado:
"Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência tributária."(5)

Segundo Amilcar Falcão, imunidade é:
"Uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto supremo. Esquematicamente, poder-se-ia exprimir a mesma ideia do modo seguinte: a Constituição faz, originalmente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar; ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não-incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional."(6)

Importante observar que, para o professor Roque Antônio Carrazza, a expressão imunidade tributária tem duas acepções, restrita e ampla:
"Restrita, aplicável às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram vedado às pessoas políticas tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurídica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, quer finalmente, porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações."
"ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo tributário; b) sem a observância dos princípios constitucionais tributários, que formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens (salvo a hipótese do pedágio); e) afrontando o princípio da uniformidade geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não-discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens."
(7)

A imunidade dos livros, jornais, periódicos e papéis destinados a sua impressão
A Constituição Federal de 1988, diploma maior em nosso ordenamento jurídico, em seu artigo 150, VI, "c", preceitua:
"Art. 150 — Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI
instituir impostos sobre:
(…)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão HUGO DE BRITO MACHADO, discorrendo sobre a imunidade dos livros relativamente ao ICMS, expõe que a limitação constitucional:
"tem por fim proteger os meios de comunicação e de transmissão do pensamento contra o tributo, através do qual o Estado poderia tornar inviáveis aqueles instrumentos."
(8)
De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, define livro da seguinte forma:
"Coleção de cadernos, impressos, manuscritos ou em branco, isto é, sem qualquer escrito, ligados entre si por uma costura ou por outro método, protegidos exteriormente por duas capas."(9)

Da análise da mais respeitada doutrina, verifica-se o reconhecimento de que a imunidade prevista pela Constituição Federal em seu artigo 150, VI, "d", tem como objetivo incentivar a difusão de informações, idéias, cultura e, também, reforçar a liberdade de expressão.

Tais valores estão presentes na Carta Magna no artigo 5º, incisos IV, VI, XII, VIII e IX, bem como nos artigos 215, 216 e 220.

Aliomar Baleeiro, por exemplo, defende esse entendimento:
"A Constituição alveja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária."(10)

Cumpre observar as considerações de Angela Maria Pacheco(11):
"Livro é, pois, o conteúdo de um veículo que divulga informação, ciência, ficção, arte, idéias e cultura, no vasto domínio do conhecimento humano. A matéria, na qual o livro se impregna, se identifica, completa-o mas não o define. O conceito necessário e suficiente de livro diz respeito ao seu conteúdo, finalidade e publicidade."

Deveras, a "reunião de folhas impressas, ligadas entre si, e protegidas por duas capas externas" poderá ser entendida como livro, para efeito da imunidade prevista no artigo 150, VI, "d", quando essa se prestar à transmissão de idéias e, outrossim, tender ao fomento da informação, da cultura ou da educação.

Vale mencionar, nesse sentido, que de acordo com o professor Hugo de Brito Machado, a imunidade dos livros tem conteúdo finalístico:
"A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico."(12)

A extensão da imunidade tributária aos denominados livros eletrônicos
Como se verificou, imunidade tributária dos "livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão" está embasada em sua finalidade, qual seja, a difusão de informações, de ideias.

Discutiu-se por algum tempo, se os denominados livros eletrônicos estariam ou não protegidos pela imunidade tributária, chegando-se à posição majoritária dos tribunais entendendo pela sua possibilidade. Assim, um CD-Rom ou um disquete, nos quais serão inseridas informações, cumprem, também, os requisitos primordiais do mandamento constitucional, alcançado a imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos.

Entendemos que todo objeto com conteúdo de informações culturais, informacionais ou educacionais devem gozar de imunidade tributária.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na apelação Cível 1996.001.01801, tendo como partes o estado do Rio de Janeiro e a Editora Nova Fronteira S/A, proferiu a seguinte decisão:
"Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural — "software". A lição de Aliomar Baleeiro: "Livros, jornais, e periódicos transitem aquela idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinado a cegos". A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio "no tax on knowledges". Segurança concedida."(13)

Os Tribunais Regionais Federais também apreciaram questões sobre a extensão das imunidades tributárias aos livros eletrônicos. As decisões são favoráveis, entendendo de forma teleológica e sistemática, dando efetividade aos princípios constitucionais da livre manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, comunicação e de acesso à informação.

Vejamos o que decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Processo 1998.04.01.090888-5, tendo como relator o juiz João Pedro Gebran Neto:
"Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom. 1- O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, porquanto isto não desnatura como um dos meios de informação protegidos contra a tributação. 2 – Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, ha vendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art., 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.)."(14) Este entendimento sobre a possibilidade da imunidade tributária aos livros eletrônicos prevaleceu no XXV Simpósio de direito tributário, coordenado pelo professor Ives Gandra da Silva Martins, que foi transformado posteriormente no livro de "Pesquisas Tributárias – Tributação na Internet", do qual extraímos algumas opiniões:
HUGO DE BRITO MACHADO:
"concluímos que o disposto no art. 150, inciso, VI, alínea d, aplica-se também a livros contidos em CD-Rom, disquetes, na Internet, ou em qualquer outro suporte físico. E, ainda, que da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos (CDs, DVDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação"(15)

Helenilson Cunha Pontes, citando lição de Pontes de Miranda (16) que afirmou "é o fim a que se destina o papel que o imuniza". O fim de tal imunidade tributária é a proteção da liberdade de manifestação do pensamento e da comunicação jornalística, de modo a impedir que o poder tributário seja utilizado pelo Estado como um instrumento de limitação indevida de tais liberdades.

E conclui: "a comunicação jornalística veiculada através da internet (sendo esta apenas um novo meio para a manifestação da liberdade de informação jornalística) está protegida pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal.(17)

E a opinião de Marilene Talarico Martins Rodrigues:
"Um cidadão bem informado é um cidadão que participa do desenvolvimento do país, exercendo a cidadania e a consciência política. Esse é o objetivo da norma constitucional ao conceder a imunidade tributária aos jornais.(18) e continua:
"o que deve ser considerado é o conteúdo de veículo de divulgação é a sua finalidade e não os suportes físicos dos meios de divulgação utilizados".
(19)

E Fernando Facury Scaff, ao ser questionado se a comunicação jornalística e de natureza editorial, por meio eletrônico, goza da imunidade tributária do artigo 150, inciso VI, letra d, da Constituição Federal, respondeu da seguinte forma:
"Toda vez que estiver em jogo o exercício de liberdades, na forma do artigo 5º, IX, não deverá haver a incidência de impostos, qualquer que seja o meio através do qual esta liberdade venha a ser exercida. Assim, entendo que a comunicação jornalística e de natureza editorial, por meio eletrônico, goza da imunidade tributária do artigo 150, VI, letra d, da Constituição brasileira atual."(20)

Entendimento dos tribunais sobre a imunidade tributária dos livros
Os tribunais brasileiros já se posicionaram diversas vezes sobre o tema das imunidades tributárias dos livros.

O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 102.141 do ano de 1985 apreciou questão sobre o alcance da Imunidade não apenas sobre o livro acabado, mas sobre o conjunto de serviços para a sua realização:
"Imunidade Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea d. Em se tratando de norma constitucional relativa as imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrado. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege".(21)

E o mesmo Supremo Tribunal Federal julgando o Recurso Extraordinário 174.476, já disciplinava o alcance que uma imunidade constitucional deve ter dentro de uma sociedade ao dispor:
"Imunidade – impostos, livros, jornais e periódicos – Artigo 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal. A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normalizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos" (22)

E uma apostila. Pode ser alcançada pela regra da imunidade tributária?

Sim, com decisão do Supremo Tribunal Federal:
"Imunidade. Impostos. Livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Apostilas. O preceito da alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Carta da República alcança as chamadas apostilas, veículo de transmissão de cultura simplificado"(23).

No referido julgamento, o ministro Marco Aurélio interpretou o artigo 150, VI, "d", da seguinte forma:
"Pois bem, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consignou tratar-se, nos causo dos autos, de manuais técnicos remetidos pela Autora. Fez ver que o preceito constitucional, no que voltado ao implemento da educação e da cultura, alcança tanto o livro quanto a apostila, porquanto têm mesmo objetivo, ou seja, a veiculação da mensagem, a comunicação do pensamento num contexto de obra de cultura. Confira-se a maior eficácia possível ao Texto Constitucional, postura básica quando se vive em um Estado Democrático de Direito. O objetivo maior do preceito constitucional realmente não é outro senão o estímulo, em si, à cultura, pouco importando que, no preceito, não se aluda, de forma expressa a apostilas que, em última análise, podem ser tidas como a simplificação de um livro. Abandone-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico. O reconhecimento, pela Corte de origem, do conteúdo, de veiculação de mensagens de comunicação, de pensamento em contexto de cultura, é suficiente a dizer-se da fidelidade do Órgão Julgador de origem à Carta da República."(24)

Acreditamos, juntamente com grande parte dos tribunais, que a imunidade deve ser compreendida em seu sentido finalístico, abrangendo inclusive os meios indispensáveis à produção dos objetos imunes, tal como os equipamentos destinados à sua produção.

A ministra Ellen Gracie, relatora do Recurso Extraordinário 221.239-6, de São Paulo, analisou a questão da imunidade tributária de álbum de figurinhas.

Eis a ementa do acórdão recorrido:
"Execução fiscal. Imunidade sobre álbum comercializado para fins de divulgação e propaganda de novela, com complementação de figurinhas impressas em separado.
Privilégio desconsiderado, sem violação ao disposto na letra d do inciso VI do artigo 150 da Constituição vigente. Embargos rejeitados. Recursos acolhidos para mencionado fim".

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia entendido que o álbum de figurinhas da novela da Rede Globo intitulada "Que Rei Sou Eu" não serviria de mecanismo de divulgação cultural ou educativa, mas apenas de veículo de propaganda, o que afastaria a imunidade tributária constitucional para publicações e periódicos.

A Editora Globo, por sua vez, alegou que os livros ilustrados com cromos de complementação com figurinhas são elementos da didática moderna, necessários à educação infantil, merecendo, assim, serem contemplados pela imunidade constitucional concedida aos livros, periódicos e jornais, cujo objetivo é incentivar a cultura e garantir a liberdade de pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária.

Eis, pois, o entendimento da ministra Ellen Gracie:
"Constitucional. Tributário. Imunidade. Artigo 150, VI, d, Constituição Federal. "Álbum de Figurinhas". Admissibilidade.
1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação.
2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação.
3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.
4. Recurso extraordinário conhecido e provido."
(25)

A ministra entendeu que o "álbum de figurinhas"é uma maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos, atendendo, em última análise, à finalidade do benefício tributário.

E, ainda, o voto do ministro Gilmar Mendes:
"Sr. Presidente, quando a Ministra Ellen Gracie estava relatando, assaltou-me exatamente a dúvida em relação a esse precedente conhecido do Plenário a propósito dos catálogos telefônicos. De fato, a decisão tomada pelo Tribunal de São Paulo contém um risco enorme de onerar o juiz com esse "distinguishing"entre as publicações que devem merecer o favor constitucional e aquelas que não devem ser dotadas de tal favor.
De modo que também acompanho S. Exa."
(26)

O voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes refere-se ao RE 101.441, que teve como relator o ministro Sydney Sanches, e voto do ministro Célio Borja, entendendo estarem os catálogos telefônicos abrangidos pela benesse em análise, assim dispondo:
"Penso que, no nosso sistema juspublicísticos, a imunidade tributária do livro, do jornal e dos periódicos é ancilar da liberdade de opinião e de informação e que esta abrange as formas impressas de transmissão e difusão de qualquer forma de conhecimento.
É possível que o intérprete dos textos constitucionais referidos, se impressione com a superficialidade das informações veiculadas por uma lista telefônica e, assim, predisponhase a excluí-la do rol das publicações merecedoras da proteção do parágrafo 8º, do artigo 153, e, conseqüentemente, da imunidade prescrita no artigo 19, III, d, todos da Constituição.
Tal procedimento afigura-se- me, todavia, incompatível com a natureza proibitória de uma e outra cláusulas, pois ao tolher à autoridade do Estado o poder de submeter à sua licença a transmissão e a veiculação de conhecimento ou informação, o Constituinte retirou- lhe a faculdade de ditar discrimen entre os diferentes tipos de informação, impedindo-o de classificá-las, seja para efeitos civis ou políticos, administrativos ou tributários, a umas impondo contribuições, a outras isentando".
(27)

Conclusão
Assim, como havíamos questionado no início do texto, perguntamos novamente: agiu corretamente o Supremo Tribunal Federal ao entender que o "álbum de figurinhas" deve ser contemplado pela imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal? Ou, agiu de forma equivocada a mais alta Corte do Judiciário brasileiro?

Podemos concluir que sim, que o Supremo Tribunal Federal, mais alta Corte do Judiciário nacional, agiu corretamente ao entender que o "álbum de figurinhas" deve ser contemplado pela imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, facilitando o acesso à cultura e à informação, sendo o álbum mais uma maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos.

Alguns então poderiam questionar: e um álbum de figurinhas com caráter sexual, também estaria abrangido pela imunidade tributária? Com certeza a resposta seria não, pois sua finalidade não é educativa nem cultural, diferente, por exemplo, de um álbum de figurinhas sobre a Copa do Mundo de Futebol, ou sobre as Olimpíadas, que trazem informações sobre esportes, sedimentando e fortalecendo a personalidade de nossos jovens.

Notas
(1) http://www.klickescritores.com.br/pag_capas/acervo.htm
(2) Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 11ª edição, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 69.
(3) Ob. Cit, p. 69
(4) Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 11ª edição, São Paulo, 1999, p. 122.
(5) Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 199.
(6) Falcão, Amílcar apud Nogueira, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 167.
(7) Carrazza, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14ª edição, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 468-469.
(8) Machado, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS, Ed. Dialética, São Paulo, 1997, p. 196.
(9) Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. 14ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 499.
(10) Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Editora Forense, 7ª edição, 1997, p. 339.
(11) Pacheco, Angela Maria. Imunidade Tributária do Livro, in "Imunidade Tributária do Livro Eletrônico", IOB, Coordenação Geral de Hugo de Brito Machado, p. 15.
(12) Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 14ª edição, 1998, p. 205.
(13) Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível 1996.001.01801.
(14 )Tribunal Regional Federal da 4º Região, Processo nº 1998.04.01.090888-5, Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto.
(15) Tributação na Internet. Coordenador – Ives Gandra da Silva Martins, Editora RT, 2001, p. 99
(16) Miranda, Pontes de. Comentários à Constituição Federal de 1946. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947.vol. 1, p. 510
(17) Ob. Cit, p. 366-367
(18) Ob. Cit., p. 396
(19) Ob. Cit., p. 400
(20) Ob. Cit., p. 416
(21) Recurso Extraordinário 102.141/RJ, de 18.10.1985, Relator: Ministro Carlos Madeira
(22) Recurso Extraordinário 174.476/ SP, de 26.9.1996, Relator: Maurício Corrêa
(23) Recurso Extraordinário 183.403/SP. Julgamento em 7/11/2002. Relator: Ministro Marco Aurélio
(24) Voto do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário nº 183.403/SP
(25) Recurso Extraordinário 221.239/ SP, de 25.5.2004, Relatora: Ellen Gracie
(26) Recurso Extraordinário 221.239/ SP, de 25.5.2004, Relatora: Ellen Gracie
(27) Recurso Extraordinário 101.441, DJU de 19.8.1988, Relatora: Sydney Sanches

Bibliografia
Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Editora Forense, 7ª edição, 1997

Carrazza, Roque Antônio. Curso de Direito Consitucional Tributário. 14ª edição, São Paulo, Malheiros, 2000

Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 11ª edição, São Paulo, Saraiva, 1999

Falcão, Amílcar apud Nogueria, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Saraiva, 1995

Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 14ª edição, São Paulo, Malheiros, 1998

Miranda, Pontes de. Comentários à Constituição Federal de 1946. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947. vol. 1, p. 510

Pacheco, Angela Maria. Imunidade Tributária do Livro, in "Imunidade Tributária do Livro Eletrônico", IOB, Coordenação Geral de Hugo de Brito Machado Silva, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. 14ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1998

Tributação na Internet. Coordenador – Ives Gandra da Silva Martins, Editora RT, 2001.

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    é advogado; pós-graduado em Direito Tributário pela UniFMU, em São Paulo e em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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