Sistema Democrático

O CNJ como legitimador social do Poder Judiciário

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30 de janeiro de 2012, 12h52

A Emenda Constitucional 45/04, promulgada em 30 de novembro de 2004, alterou e acresceu à Constituição de 1988 diversos dispositivos, sendo nominada no meio jurídico como a Reforma do Judiciário.

A Emenda objetivou dotar o Poder Judiciário de mecanismos necessários para consecução da prestação jurisdicional com celeridade e efetividade, resguardando prerrogativas para o exercício das atividades dos magistrados, mas exigindo o respeito à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, transparência, co-participação social e fiscalização social das atividades.

Nesse pormenor, o Conselho Nacional de Justiça foi criado para exercer um papel de fiscalização e “(…) controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (…) (art. 103-B, § 4.° da CRFB)”, doutrinariamente e popularmente consagrado como Controle Externo do Judiciário.

Desde sua criação suas atribuições foram alvo de diversas irresignações, naturais em um ambiente democrático, que contribuíram para a pluralização do debate e evolução da interpretação constitucional.

A diversificação argumentativa como mecanismo de legitimação da decisão é uma premissa defendida por Peter Häberle, ao propor a construção de uma hermenêutica constitucional que leve em conta as variáveis interpretativas da sociedade, permitindo a democratização do debate, o que convencionou chamar de sociedade aberta de intérpretes da Constituição, pedindo vênia pela análise perfunctória da doutrina.[1]

Na atualidade, esse processo de debate é retomado após duas liminares concedidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.

A primeira, da lavra do Ministro Marco Aurélio Mello, nos autos da ADI 4638, determinou a suspensão dos atos investigativos originários do CNJ, assentando a competência subsidiária do CNJ em âmbito disciplinar, sob o fundamento de que “o tratamento nacional reservado ao Poder Judiciário pela Constituição não autoriza o CNJ a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole”.[2]

A segunda, decidida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, nos autos do MS 31085, suspendeu todas investigações da Corregedoria Nacional de Justiça, ligada ao CNJ, envolvendo juízes e servidores, sob o fundamento que as investigações da Corregedoria poderiam ser irregulares, por suposta quebra de sigilo bancário e fiscal em sede de procedimento administrativo.[3]

Discutir e repensar o papel do CNJ é fundamental para o amadurecimento das instituições e do Estado Democrático de Direito. Nesse pormenor, fulcral analisar, prima facie, o CNJ como um verdadeiro Controle Externo do Poder Judiciário. Sendo certo que para efetivar esse papel é necessário que haja uma composição, no mínimo, igualitária. Isso porque, hoje o CNJ é Presidido pelo Presidente do STF e composto por 9 membros advindos do Poder Judiciário e 6 da sociedade.

Interessante observar que na sua composição deixou-se de incluir duas carreiras integrantes das Funções Essenciais à Justiça, Advocacia Pública e Defensoria Pública.

Valendo lembrar que o capítulo referente às Funções Essenciais à Justiça encontra-se dentro do Título IV, Da Organização dos Poderes. Essa sistematização foi observada visando atender os preceitos modernos do Estado Democrático de Direito.

Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, necessitando adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de Direito.

Assim, o Poder Constituinte Originário, atento às lições de Montesquieu, positivou no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante ao que preceitua o artigo 60, § 4º, III da CF/88.

Entretanto, o Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia, necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio incluiu na Organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à Justiça.

Nesse novo capítulo o Constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.

Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, serão concretizados por meio das Funções Essenciais à Justiça.

Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do estado, transparência, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.

Por essas razões é imprescindível a participação da Advocacia Pública e da Defensoria Pública na composição do CNJ, até como uma forma de evitar que quaisquer decisões sejam tomadas sob o crivo do corporativismo.

De outro giro, o momento demonstra que o discurso protagonizado pelos juízes tem contribuído para uma preeminência do Judiciário em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Vive-se um momento em que o Poder Judiciário interfere em quase todas as políticas públicas executadas (fenômeno conhecido como “ativismo judicial”), legisla (vide o exemplo das decisões do Tribunal Superior Eleitoral em diversas matérias: número de vereadores, (in)fidelidade partidária, entre outras), e, obviamente, presta a tutela jurisdicional, que deveria ser sua única função.

Esse fenômeno é relatado por Luiz Werneck Vianna, em seu livro “Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil”, como resultado da judicialização da política nacional.

Para resguardar a congruência do ativismo judicial hoje existente, que muitas vezes transcende o que determina a lei, aqui tomada em sentido lato, é necessário que o STF tenha como fundamento a coerência., mas esqueceu-se que, ao alvedrio da lei, a Resolução  133 do Conselho Nacional de Justiça, publicada em 21/06/2011, proclamou a simetria constitucional entre Magistratura e Ministério Público e determinou a equiparação de vantagens.

Vale lembrar que na decisão liminar da ADI 4638, o Ministro Marco Aurélio, asseverou que “Não incumbe ao CNJ criar deveres, direitos e sanções administrativas mediante resolução, ou substituir-se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura”[4]

Entretanto, não é demais registrar que o artigo103-B, § 4.°, III da CRFB, ao disciplinar as atribuições do CNJ, além de permitir a reclamação por parte de qualquer cidadão, determina a competência disciplinar concorrente ao consignar sua função fiscalizatória e correicional “(…) sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso (…)”. A competência concorrente pode ser confirmada por uma interpretação lógica e sistemática, sendo iniludível que se o Constituinte possibilitou o mais, avocar processo disciplinares em curso, não teve a intenção de restringir essa atribuição para somente após a atuação das Corregedorias Estaduais ou Regionais.

O Poder Judiciário é o único que não passa sob o crivo da sociedade, razão pela qual para resguardar a sua legitimidade é inafastável a transparência, publicidade e eficiência dos seus atos, bem como sujeição aos princípios constitucionais administrativos, como preceitua o 103-B, § 4.°, II da CRFB.

Um CNJ forte, transparente e independente vem consolidar conquistas como: a vedação ao nepotismo, a regulamentação do teto salarial, a busca pela transparência dos gastos do Poder Judiciário, a fixação de metas de produtividade, a divulgação anual das estatísticas do Poder Judiciário, a busca por uma unificação dos sistemas informatizados dos processos, a fiscalização do sistema prisional e etc…

A Constituição não prevê um sistema de castas, motivo pelo qual os fundamentos que motivarem a decisão sobre a competência do CNJ e seus poderes disciplinares devem servir para todos os cidadãos brasileiros.

Nesse momento cabe pluralizar ao máximo o debate, bem como refletir sobre o verdadeiro papel atinente ao CNJ, aguardando a prevalência da vontade popular e da Constituição, seja pela decisão do STF ou pela PEC 97/11, apresentada pelo Senador Demóstenes Torres (DEM/GO), objetivando evitar o esvaziamento das atribuições do CNJ, pormenorizando ainda mais suas funções. 

Ante ao exposto, certo é que o esvaziamento das atribuições do CNJ poderá provocar enormes prejuízos a toda sociedade e aos Magistrados comprometidos com suas funções, uma vez que o poder de fiscalizar e punir os juízes e servidores contribui para separar o joio do trigo, resguardando a imagem do Judiciário brasileiro.


[1] Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição, de Peter Härbele, traduzido pelo Dr. Gilmar Ferreira Mendes, 1997. Editora Sérgio Antônio Fabris. Porto Alegre.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Liminar suspende dispositivos de resolução do CNJ. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=196516> Acesso em 18.01.2012.

[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Liminar suspende investigações do CNJ. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=196584> Acesso em 18.01.2012

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Liminar suspende dispositivos de resolução do CNJ. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=196516> Acesso em 18.01.2012.

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