Consultor Tributário

Inseguranças na tributação do setor do petróleo

Autor

  • Gustavo Brigagão

    é sócio fundador do escritório Brigagão Duque Estrada – Advogados presidente nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) vice-presidente do Fórum Permanente de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro former member of the Executive Committee of The International Fiscal Association (IFA) membro do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft) da Associação Comercial de São Paulo membro do Conselho de Administração da Câmara Britânica (Britcham) diretor da Federação das Câmaras de Comércio do Exterior (FCCE) e professor na pós-graduação de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

25 de janeiro de 2012, 8h26

De acordo com o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), o setor petrolífero é responsável por 12% do PIB nacional e o seu crescimento é proporcionalmente superior ao da média nacional. Enquanto o setor cresceu, em média, 5% ao ano, de 2000 a 2008, o PIB, também em média, sofreu um incremento de apenas 3,7%, no mesmo período.

No período de 2011 a 2015, devem ser investidos no setor US$ 258 bilhões. Com a descoberta do pré-sal, as expectativas são de que, até 2020, o petróleo dele extraído corresponda a 40% da produção da Petrobrás, que, por sua vez, terá um aumento de 2,7 milhões para 3,9 milhões de barris diários, no mesmo período.

Trata-se, portanto, de setor de absoluta relevância para a economia nacional, cujas regras de tributação, além de eficazes, no sentido de desonerar os que nele resolvem investir, devem ser precisas e claras, de forma a que todos os envolvidos se acomodem em um ambiente de absoluta segurança jurídica, cujos riscos possam ser facilmente mensurados e não sejam relacionados com a difícil compreensão do que esteja disposto nas regras tributárias de regência.

Mas, não é o que ocorre, e esse artigo abordará um de vários exemplos nesse sentido.

Nos termos da Lei Geral do Petróleo, as atividades do setor são exercidas em duas fases: a de exploração e a de produção. Na fase de exploração, há a descoberta do petróleo; na fase de produção, a sua extração. Nessa última fase (a de produção), que se considera iniciada com a aprovação do Plano de Desenvolvimento do Campo pela ANP, há, ainda, a denominada etapa de desenvolvimento, em que se verifica a viabilidade da extração do petróleo.

Cronologicamente, esses três momentos ocorrem na seguinte sequência: o momento da exploração, em que se constata a existência do petróleo em determinada área; o momento do desenvolvimento, em que se verifica a viabilidade da extração do petróleo descoberto; e, finalmente, o momento da produção, em que efetivamente o petróleo é extraído do solo.

Para as atividades exercidas nesses três “momentos”, as empresas que atuam nesse setor costumam importar, por meio de contrato de afretamento, embarcações que ingressam no país sob o Regime Especial Aduaneiro de Admissão Temporária vinculado ao Repetro, ao amparo dos benefícios ficais federais e estaduais previstos na legislação aplicável (IN RFB 844/08, no âmbito federal, e Convênio ICMS 130/07, no âmbito estadual).

No âmbito estadual, os benefícios fiscais concedidos são os seguintes:

— isenção do ICMS aos bens importados para a fase de exploração (art. 2º);

— isenção do imposto aos bens importados para uso interligado às fases de exploração e produção, desde que permaneçam no país por prazo inferior a 24 meses (art. 5º, inciso III);

— tributação pelo imposto, à alíquota de 3% ou 7,5%, dos bens importados para a fase de produção de petróleo (art. 1º, § 5º).

Ocorre que as importações dessas embarcações afretadas do exterior, quando destinadas, ainda que por prazo inferior a 24 meses, à etapa de desenvolvimento (em que, como visto, verifica-se a viabilidade da extração do petróleo descoberto), vêm sendo objeto de numerosas autuações.

Os contribuintes se defendem sob a alegação de que é na etapa de desenvolvimento que se dá o “uso interligado às fases de exploração e produção” e que, portanto, as importações de bens e equipamentos a ela destinados, desde que por um prazo inferior a 24 meses, estão isentas do ICMS.

As autoridades fiscais, por sua vez, alegam que esse entendimento é improcedente basicamente porque, segundo a Lei Geral do Petróleo, a etapa de desenvolvimento estaria inserida na fase de produção que é tributada na forma acima demonstrada; e que o “uso interligado às fases de exploração e produção” só se configura nas situações em que há o efetivo uso do equipamento importado na fase de exploração e, posteriormente, na fase de produção.

Portanto, o cerne da questão, pelo menos enquanto ainda mantivermos a discussão em um plano infraconstitucional, está em definir-se o conceito de “uso interligado às fases de exploração e produção”.

Como é notório, o artigo 111 do Código Tributário Nacional determina que as isenções devem ser interpretadas literalmente. Esse artigo, contudo, não nos socorre em definitivo na solução da questão em exame, tendo em vista o termo utilizado (“uso interligado às fases de exploração e produção”), além de atécnico, é absolutamente vago e impreciso, exatamente o oposto do que se espera de uma legislação que regulamente a tributação de setor de tal relevância.

Mas, mesmo que utilizada essa forma de interpretação (pouco apreciada na doutrina, inclusive por Gilberto de Ulhôa Canto, um dos membros da comissão elaboradora do projeto de que resultou o CTN), ainda assim, tem-se que não há momento melhor entre aqueles em que se decompõem as atividades realizadas no setor do petróleo do que a etapa de desenvolvimento para configurar o chamado “uso interligado”. De fato, é nessa etapa que se verifica a possibilidade de transição (ou interligação) entre a fase de exploração (em que há a descoberto do petróleo) e a fase de produção (em que há a extração do óleo).

Se, em um segundo passo, abandonarmos a interpretação literal e utilizarmos a interpretação teleológica, muito aceita na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, inclusive para casos de isenção (entre outros, REsp 411.704/SC, ministro João Otávio de Noronha, 2ª Turma, 18.03.2003, DJ de 07.04.2003; e REsp 734.541 / SP, ministro Luiz Fux, 1ª Turma, 02.02.2006, DJ 20/02/2006 p. 227), chegaremos também à mesma conclusão.

De fato, o raciocínio por trás dessas regras parece muito claro:

— não deve ser tributado quem, sob total risco, atua a procura da existência ou não da riqueza (petróleo) na área prospectada (fase de exploração);

— também não deve ser tributado quem, já certo da existência petróleo em uma determinada área, predispõe-se a verificar a viabilidade da respectiva extração, desde que limitado a um prazo máximo de 24 meses; e

— tributa-se, mas com alíquota reduzida (tendo em vista a relevância do setor do petróleo para a economia nacional e local) aquele que age na certeza da existência da riqueza a ser extraída e da absoluta viabilidade da sua extração (fase de produção).

E, em que momento, se dá a verificação da viabilidade da extração acima referida? É exatamente na etapa de desenvolvimento, caracterizada na referida legislação como “uso interligado às fases de exploração e produção”.

Baseados nas premissas acima, não nos parecem procedentes, com a devida vênia, qualquer dos dois argumentos que costumam fundamentar as autuações de que trata este artigo.

Quanto ao primeiro argumento (o de que a etapa de desenvolvimento estaria inserida na fase de produção que, nos termos acima demonstrados, é tributada), não seria mesmo de se esperar que o referido “uso interligado” estivesse contido na fase de exploração, que já é isenta, nos termos da legislação aplicável. De fato, não haveria sentido em se criar uma isenção para atividade realizada em um ambiente (ou, uma fase) já isento. O lógico é vislumbrar-se esse “uso interligado”, porque isento, ocorrendo em um ambiente tributado, como é o da outra única fase existente: a de produção.

Quanto ao segundo argumento (o de que o “uso interligado às fases de exploração e produção” só se configura nas situações em que há o efetivo uso do equipamento importado na fase de exploração e, posterior e cumulativamente, na fase de produção), ele não prospera, na medida em que, no momento da importação, quando o benefício fiscal é concedido, não é possível prever se o equipamento preliminarmente destinado à fase de exploração será efetivamente também utilizado na fase de produção. Tal afirmação somente poderá ser feita se e quando finalizada a fase de exploração, e desde que dela se conclua pela existência de alguma jazida!

Em suma, o "uso interligado às fases de exploração e produção" se dá exatamente na etapa de desenvolvimento, que é aquela que avalia e desenvolve o campo de petróleo encontrado na fase exploratória com vistas a verificar a viabilidade econômica da sua produção. É nessa etapa (desenvolvimento) que se interligam as fases de exploração (ou descoberta) e produção (ou extração). Logo, os bens importados para utilização nessa etapa em prazo inferior a dois anos estão isentos do imposto.

Note-se que a apreciação acima foi feita exclusivamente sob enfoque da legislação infraconstitucional. Se a mesma análise for feita à luz da lei maior, verificaremos que nem mesmo os pressupostos de incidência do imposto estão presentes nas importações de embarcações afretadas de empresas localizadas no exterior.

De fato, apesar de o tema em algumas hipóteses estar sendo revisitado, o entendimento de que a incidência do ICMS pressupõe a transferência da propriedade é reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidada por ocasião dos debates acerca da incidência do imposto na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, bem como nas importações efetuadas sob o amparo de contratos de arrendamento mercantil internacional.

Ora, nas importações em exame, não há transferência da propriedade dos bens importados ao importador. Eles permanecem na propriedade da empresa afretadora, localizada no exterior, e, portanto, não podem estar sujeitos ao ICMS quando importados.

Como demonstrado no início deste artigo, o setor do petróleo é de absoluta relevância para a economia nacional. A criação de ambiente em que haja segurança jurídica e, principalmente, lógica e bom senso na edição e aplicação das regras que regulamentam a forma como o setor deve ser tributário é mandatória para que a Nação possa usufruir os resultados econômicos dessas atividades da melhor forma possível.

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