Empresa individual

Lei deixa dúvidas sobre quem pode constituir Eireli

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7 de janeiro de 2012, 7h00

A partir deste domingo (8/1), a lei que criou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) começa a vigorar em todo o Brasil. Considerada empreendedora, a nova Lei já apresenta pontos divergentes de interpretação no que tange à própria criação das respectivas empresas. Isso porque o Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) entendeu que somente pessoas físicas poderiam ser titulares de uma Eireli.

A Lei 12.441/2011 modificou os artigos 44 e 980 do Código Civil (Lei 10.406/2002), de forma a permitir a constituição de micro e pequenas empresas sem a formação de sociedade, a chamada Eireli. Este tipo de constituição permite o exercício da atividade empresarial individualmente, sem, contudo, imputar em responsabilidade ilimitada do patrimônio da pessoa física, como acontecia, até então, com o empresário individual. No entanto, a Eireli deverá ser constituída por uma única pessoa, a qual será titular da integralidade do capital social, que, por sua vez, deverá estar devidamente integralizado e não poderá ser inferior a 100 vezes o maior salário-mínimo vigente no país, ou seja, atuais R$ 62,2 mil.

A polêmica chegou na lei através dispositivo que passou a ser o artigo 980-A do Código Civil vigente, dispondo que a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa, não fazendo qualquer distinção entre pessoa jurídica ou natural.

Diante desta lacuna da lei, o DNRC, por meio de instrução normativa publicada no fim do ano passado, entendeu que somente pessoas físicas poderiam ser titulares de uma Eireli. Especialistas, como o advogado Dinarte Santos, sócio da Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados, consideram este entendimento equivocado. “Não concordamos com essa determinação para que as Juntas Comerciais se recusem a registrar atos constitutivos de Eireli, cujo titular não seja pessoa natural. A lei não traz isso e toda restrição a direitos deve ser expressa e não implícita”, afirna Santos.

Dinarte Santos combate esta determinação com base em outro dispositivo da nova legislação. “É sabido que a lei restringiu a possibilidade da pessoa natural ser titular de mais de uma Eireli, todavia, nada dispôs sobre a pessoa jurídica. Dessa forma, a pessoa jurídica não somente pode ser titular de Eireli, como também poderá ser titular de mais de uma”.

Santos espera que o Judiciário, quando acionado, dê decisão favorável aos empresários. “A interpretação literal adotada pelo DNRC conflita com o espírito de empreendedorismo visado na nova lei, devendo ser, certamente em breve, questionado junto ao Poder Judiciário, de quem se espera a correta interpretação da nova legislação”.

Segundo o advogado Marcelo Angelini, do escritório Zilveti & Sanden Advogados, várias empresas externas deixam de entrar no Brasil por conta dessa burocracia. "Temos muitos clientes estrangeiros e se há facilidade em outro país, preferem levar o capital para lá", afirma. Segundo ele, após a publicação da Lei 12.441, vários estrangeiros procuraram o escritório para constituir uma Eireli. O objetivo é evitar problemas como o caso de um sócio brasileiro que morreu e a cota da empresa estrangeira entrou no inventário. "Isso fora os casos em que a empresa estrangeira tem altos custos com advogados porque o sócio brasileiro teve sua conta bancária penhorada em razão de processo trabalhista contra a empresa", afirma.

A Eireli livraria empresas estrangeiras de questões como essas. O advogado e professor de direito comercial da PUC-SP e Mackenzie, Armando Rovai, contesta a interpretação do DNRC. Para ele, se a lei fala apenas em pessoa, o órgão não poderia interpretar a norma de forma restritiva e literal. "Seria uma oportunidade magnífica para o Brasil aproveitar o aporte de capital dessas sociedades estrangeiras", afirma. "Agora, ou as Juntas Comerciais não acatam isso ou os interessados vão ter que entrar com ações no Judiciário", diz o advogado.

Desde a criação da lei, o advogado Rogério Aleixo Pereira, do escritório Aleixo Pereira Advogados vem chamando a atenção não só para a discussão criada acerca de quem pode contituir a Eireli, como também para o item da lei que permite que a empresa preste “serviços de qualquer natureza”. Ele ressalta que o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil diz que atividades intelectuais ou de natueza científica não podem ser classificadas como empresariais. A restrição hoje pesa sobre profissões regulamentadas como advocacia, medicina, contabilidade e engenharia, por exemplo. “Se o novo parágrafo 5º se sobrepõe ao antigo parágrafo único do Código Civil, então parte do anterior foi revogado”, diz Aleixo Pereira.

“A partir dessa interpretação, haverá distinção entre as sociedades simples e as sociedades empresárias?”, questiona. A classificação entre sociedade simples e limitada é importante, por exemplo, para se definir qual será o órgão de registro obrigatório dos contratos: as juntas comerciais ou os cartórios de registro de títulos e documentos.

Veto
Quando da publicação da Lei, a Presidência da República vetou um dos dispositivos que enfatizava que “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”. O texto foi considerado desnecessário.

“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no artigo 50 do Código Civil”, diz mensagem de veto da Presidência. “Assim, e por força do parágrafo 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à Eireli as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.”

ADI
Por considerar a medida inconstitucional, o PPS propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra esse dispositivo da lei da Eireli. O partido argumenta que a exigência de capital social de pelo menos 100 salários mínimos é contrária ao princípio da livre iniciativa por prejudicar micro e pequenos empresários e violar a Constituição, por ser vinculada ao salário mínimo.

O partido pede a concessão de liminar para suspender o piso, sob o argumento de que ele impedirá “a eventual constituição de pessoas jurídicas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores, causando desnecessário embaraço a uma efetiva oportunidade de desenvolvimento econômico do país”. Além disso, “o salário mínimo não pode ser utilizado como critério de indexação para a determinação do capital mínimo necessário para a abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada”. O partido frisa que “tal exigência esbarra na notória vedação de vinculação do salário mínimo para qualquer fim, prevista no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal”, afirma o partido. A ADI ainda não foi julgada pela Corte Suprema.

Pontos positivos
O conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do estado de São Paulo (CRC-SP), Julio Linuesa Perez, afirma que por causa da nova norma as pessoas poderão ter uma empresa de responsabilidade limitada sendo ela titular da totalidade do capital social. “O fato, sem dúvidas, diminuirá o número de informais em todo o Brasil, desburocratizará o processo de abertura de firma e ainda protegerá o patrimônio do empreendedor. Além disso, serão eliminados, automaticamente, os “laranjas” de uma sociedade”, afirma.

A exemplo das Sociedades Limitadas (Ltda), o novo formato de empresa conterá a expressão “Eireli” para diferenciá-la das outras. “Contudo, na condição de empresa individual não constituída na forma da Eireli, o empresário tem campo de atuação reduzido, em razão do risco em que coloca seu patrimônio pessoal quando se lança na atividade empresarial. Seu patrimônio e o da empresa serão considerados um só, o que pode comprometer seu bem estar pessoal, e serve de incentivo negativo à criação de novas empresas”, ressalta.

O especialista em Direito Societário Omar Augusto Leite Melo diz que esses dois pontos trarão vários benefícios aos empresários. Antes da Eireli, por exemplo, quando uma sociedade era desfeita, o empresário estava sujeito ao prazo de 180 dias para arrumar um novo sócio ou liquidar a empresa. Agora, há a possibilidade de apenas converter a empresa em uma Eireli.

Melo lembra que a Eireli não tem tratamento tributário particular. Ela é sujeita aos regimes que já são vigentes. Caso uma empresa fature anualmente até R$ 2,4 milhões — e, assim, seja tributada pelo Simples Nacional —, ela poderá ser convertida em Eireli permanecendo no mesmo regime tributário. Caso fature mais do que esse limite, poderá ser optante do Lucro Real ou Lucro Presumido.

O advogado faz coro ao lembrar que a Eireli pode reduzir o uso dos chamados "laranjas", ou seja, sócios que apenas constam no contrato social, pois ela poderá ser constituída por uma única pessoa jurídica.

Na opinião de Julio Linuesa Perez, a Eireli acompanha uma tendência mundial, uma vez que o mesmo modelo é utilizado há anos na Alemanha, França e Portugal, e surgiu com o propósito de incentivar os micro e pequenos negócios. “A criação da Eireli representa um novo marco de apoio e incentivo ao empreendedorismo brasileiro e à formalização dos negócios”, pontua.

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