Competência concorrente

Leia o voto do ministro Gilmar Mendes sobre o CNJ

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28 de fevereiro de 2012, 9h02

Atuação subsidiária do Conselho Nacional de Justiça não significa que o órgão só possa atuar depois de as corregedorias locais dos tribunais já terem se pronunciado. Ao contrário, quer dizer que a Corregedoria Nacional deve atuar quando se trata de um caso que extravasa os interesses particulares da esfera menor e passa a interessar também à esfera maior. Por isso, de acordo com o voto do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é que a ação do CNJ não pode ficar condicionada à omissão das corregedorias locais. Ele defendeu a chamada competência concorrente, tese que prevaleceu no julgamento sobre os poderes do órgão.

O entendimento foi exposto durante julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.638, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros contra a Resolução 135 do CNJ. No caso, a AMB sustentava que o CNJ não pode atuar de forma concorrente às corregedorias locais; só pode processar e julgar juízes caso haja omissão dessas corregedorias. O relator da ADI, ministro Marco Aurélio, proferiu liminar dando razão à AMB. Suspendeu todas as investigações do CNJ até que o Supremo se pronunciasse sobre o caso.

Ao analisá-la, no dia 2 de fevereiro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve a Resolução 135. Definiu que o CNJ não precisa esperar a atuação das corregedorias dos tribunais, que sua atuação não depende de motivação expressa e que o órgão pode avocar processos ético-disciplinares.

O ministro Gilmar Mendes, que foi um dos mais ativos presidentes do CNJ, votou com a maioria e defendeu a manutenção dos poderes do órgão. Para ele, a Resolução 135 não confronta o que diz a Constituição em seu artigo 103-B, que cria o CNJ.

Para defender sua tese, voltou a Aristóteles e explicou como interpreta a subsidiariedade. Para o filósofo grego, os assuntos mais corriqueiros cabem aos grupos mais restritos, como a família. A preocupação com as práticas gerais cabe ao grupo mais abrangente — a cidade, por exemplo.

Passou, ainda, pelo pensamento católico, citando o papa João Paulo II. Para o pontífice, a ordem superior não deve intervir no círculo inferior, usurpando sua competência. Deve apoiá-la e orientá-la em nome do bem comum. Daí viria, inclusive, o poder do CNJ de avocar processos das corregedorias locais, segundo Gilmar Mendes.

Em outra análise, já mais próxima do Conselho Nacional de Justiça, o ministro afirma que a competência atual do órgão serve até para garantir seu poder administrativo. “Com efeito, quando a Constituição confere ao CNJ a competência de fiscalizar a atuação administrativa do Poder Judiciário e de fazer cumprir o artigo 37, implicitamente concede os poderes necessários para o exercício eficaz dessa competência.”

Mendes também afirma que, na prática, a atuação do CNJ “tem sido marcada por um nítido caráter subsidiário”. Prova disso são os dados levantados pelo próprio ministro em seu voto:  entre 23 de agosto de 2009 e 23 de agosto de 2010, a Corregedoria Nacional de Justiça repassou 521 reclamações e representações que recebeu às corregedorias locais. O número representa mais de 90% das reclamações apresentadas ao CNJ, segundo o ministro.

“Esses dados revelam algo óbvio: o Conselho não é, não será e não pretende ser, capaz de processar a vasta gama de representações que recebe. Mas isso não pode nem deve implicar a renúncia do CNJ à competência que lhe foi atribuída pela Constituição”, votou. Com isso, discordou e negou a liminar.

Rapidez descabida
O ministro aproveitou o voto para dar uma cutucada no colega Marco Aurélio, que deferiu a liminar pouco antes do recesso do Judiciário, e chamar a atenção para o aumento de liminares em ADI. De acordo com a Lei 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, apenas o pleno completo do Supremo pode proferir medida cautelar em ADI. Segundo o voto do ministro Gilmar Mendes, esse tipo de decisão só pode ser monocrática “em casos de excepcional urgência”. Esse princípio para o julgamento de ADI chama-se “reserva de plenário”, segundo o ministro.

A única exceção prevista na lei, citada por Mendes, é para os períodos de recesso — também incluídas as férias. A norma, descrita no artigo 10 da Lei 9.868/99, afirma que, nesse caso, a decisão deve ser proferida pelo presidente do STF. Ou seja, o relator do caso, em tese, não pode proferir liminar em ADI, mesmo em caráter de urgência. De todo modo, essa medida cautelar deve ser levada ao pleno do Supremo assim que as atividades plenárias forem retomadas. Essa responsabilidade é sempre do relator da matéria.

Gilmar Mendes afirma que, desde a sanção da Lei 9.868, em novembro de 1999, o Supremo proferiu apenas oito liminares em ADI. “A análise desses poucos casos permite verificar que, apesar da existência de processos em que a decisão monocrática estava plenamente justificada, na maioria das vezes a decisão monocrática era plenamente dispensável.”

Mendes também observou que, das oito liminares computadas, seis foram proferidas a partir de 2009, “o que revela um crescente aumento de liminares monocráticas nos últimos dois anos”. Ou seja, desde que a composição atual da corte começou a se configurar.

O dado, para o ministro, é preocupante. “O fato é que o quadro atual revela um perceptível crescimento do número de decisões cautelares monocráticas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, muitas delas cabalmente descabidas, o que demonstra a necessidade de regras regimentais mais claras e incisivas sobre o tema”, votou.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes.

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